Informação da revista
Vol. 32. Núm. 1.
Páginas 27-33 (Janeiro 2013)
Visitas
64403
Vol. 32. Núm. 1.
Páginas 27-33 (Janeiro 2013)
Artigo Original
Open Access
Implicações do índice de dispersão eritrocitária no risco de eventos hemorrágicos em doentes com síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST
Impact of red blood cell distribution width on risk for bleeding events in patients with non-ST elevation acute coronary syndromes
Visitas
64403
Sara Gonçalves
Autor para correspondência
sara.soares.goncalves@gmail.com

Autor para correspondência.
, José Ferreira Santos, Pedro Amador, Leandro Rassi, Ana Rita Rodrigues, Filipe Seixo, Luís Neves Soares
Serviço de Cardiologia, Centro Hospitalar de Setúbal EPE, Setúbal, Portugal
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (1)
Tabelas (3)
Tabela 1. Características demográficas, clínicas e laboratoriais; comparação de acordo com os tercis de RDW
Tabela 2. Características demográficas, clínicas e laboratoriais de acordo com a presença ou ausência de hemorragia
Tabela 3. Preditores independentes de hemorragia major
Mostrar maisMostrar menos
Resumo
Introdução

Níveis elevados de índice de dispersão eritrocitária (RDW) têm sido recentemente associados a um pior prognóstico em doentes com doença cardiovascular. A sua relação com o risco de eventos hemorrágicos em doentes com síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST não está, no entanto, estabelecida.

Objetivo

Determinar o valor prognóstico do RDW em doentes com síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST em particular sobre o risco de hemorragia major.

Métodos

Foram estudados 513 doentes consecutivos internados com o diagnóstico de síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST. A população foi agrupada segundo os tercis da distribuição do RDW e caracterizada de acordo com as características clínicas, laboratoriais e eventos adversos. O evento primário foi definido como a presença de hemorragia major durante o internamento (definida pela classificação do registo Crusade). Determinou-se o valor preditor do RDW sobre o risco de hemorragia major.

Resultados

O RDW médio foi de 15,13 ± 1,62%. Os doentes incluídos no terceiro tercil apresentaram uma idade mais avançada e mais frequentemente disfunção renal ou antecedentes de revascularização coronária. Valores crescentes de RDW associaram-se a um aumento do risco de hemorragia major e de mortalidade hospitalar. Um valor de RDW > 15,7% foi um preditor independente de eventos hemorrágicos (odds ratio ajustado 3,1, IC 95% 1,4-6,9).

Conclusões

Numa população de doentes com síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST, o RDW esteve associado a uma maior mortalidade intra-hospitalar, tendo constituído um fator de risco independente para hemorragia major intra-hospitalar.

Palavras-chave:
Síndrome Coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST
Hemorragia
Índice de dispersão eritrocitária
Prognóstico
Abstract
Introduction

Higher values of red blood cell distribution width (RDW) have recently been associated with worse outcome in patients with cardiovascular disease. However, its relation to bleeding events in patients with non-ST elevation acute coronary syndromes has not been established.

Aim

To determine the prognostic value of RDW in patients with non-ST segment elevation acute coronary syndromes, particularly regarding the risk of major bleeding.

Methods

We analyzed 513 consecutive patients admitted with non-ST elevation acute coronary syndromes. The population was divided into tertiles of baseline RDW and clinical, laboratory characteristics and adverse events were analyzed for each group. The primary outcome was defined as the occurrence of major bleeding (according to the Crusade bleeding score). The predictive value of RDW for risk of major bleeding was determined.

Results

The mean RDW was 15.13%±1.62%. Patients in the third tertile were older and more frequently had renal dysfunction or previous coronary revascularization. Higher values of RDW were associated with greater risk of major bleeding and in-hospital death. RDW >15.7% was an independent predictor of bleeding events (odds ratio 3.1, 95% CI 1.4-6.9).

Conclusions

In a population of patients with non-ST elevation acute coronary syndromes, RDW was associated with higher in-hospital mortality and was an independent predictor of in-hospital major bleeding.

Keywords:
Non-ST elevation acute coronary syndrome
Bleeding
Red blood cell distribution
Prognosis
Texto Completo
Introdução

O índice de dispersão eritrocitário ou índice de anisocitose (RDW) é um parâmetro laboratorial que representa a variação de tamanho dos glóbulos vermelhos, presente no hemograma de rotina e utilizado frequentemente na avaliação de doenças hematológicas. Níveis elevados de RDW têm sido associados a um pior prognóstico em idosos, doentes com insuficiência cardíaca, cardiopatia isquémica e em doentes submetidos a revascularização coronária percutânea, independentemente do hematócrito de base1–9. A sua associação a um aumento de eventos adversos em doentes com síndrome coronária aguda (SCA) foi também já descrita na literatura3,10.

O objetivo deste estudo foi avaliar a relação entre os níveis de RDW e o risco de eventos hemorrágicos em doentes com síndroma coronária aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCAsSST).

MétodosAmostra

Foram estudados 513 doentes internados de forma consecutiva numa unidade de cuidados intensivos coronários com o diagnóstico de SCAsSST entre janeiro de 2007 e dezembro de 2008. A SCAsSST engloba o enfarte agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (EAMsSST), definido como a presença de angor associado a subida dos biomarcadores de necrose miocárdica, com ou sem alterações da repolarização ventricular sugestivas de isquémia, e a angina instável (AI), caracterizada pela presença de dor precordial, sem subida dos marcadores de necrose. Foram excluídos doentes que não efetuaram avaliação de hemograma na admissão.

Características clínicas

Para cada doente, foram determinadas as características demográficas, o índice de massa corporal (IMC), a pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) e a frequência cardíaca (FC) da admissão. Foram ainda determinados os fatores de risco de doença cardiovascular (dislipidemia, hipertensão arterial ou diabetes mellitus), a presença de antecedentes de doença coronária (enfarte agudo do miocárdio e revascularização coronária percutânea ou cirúrgica prévia), doença cerebrovascular ou doença arterial periférica, bem como a medicação efetuada em ambulatório (aspirina, IECA, B-bloqueante ou estatina) e iniciada durante o internamento. Os doentes foram estratificados de acordo com o score Crusade.

Características laboratoriais

Os níveis de RDW foram obtidos da avaliação analítica basal de cada doente determinada num laboratório central utilizando o equipamento Cell-dyn 3700. Os valores de referência encontravam-se entre 11,6% e 14%. Adicionalmente, foram registados os valores da admissão de hemoglobina (Hb), creatinina sérica (Cr) e respetiva clearance de creatinina (estimada pela fórmula de Cockroft-Gault), plaquetas, o tempo de protrombina (TP) e de tromboplastina ativado (APTT) e o índice internacional normalizado (INR).

Prognóstico

O evento adverso primário foi definido como a presença de hemorragia major durante o internamento (definida pela classificação do registo Crusade: queda > 12% do hematócrito de base; hemorragia intracraniana; hemorragia retroperitoneal documentada; necessidade de transfusão de concentrado eritrocitário (CE) com hematócrito de base > 28%; necessidade de transfusão de CE com hematócrito de base < 28% e hemorragia testemunhada).

Consideraram-se eventos secundários a ocorrência de morte intra-hospitalar e a combinação de morte hospitalar ou hemorragia major.

Estatística

A população foi agrupada em tercis de acordo com os níveis de RDW. Os três grupos foram comparados relativamente às características demográficas, clínicas e à percentagem de eventos adversos. As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio padrão e comparadas com o teste one-way ANOVA e teste t de Student. As variáveis categóricas foram expressas em frequência e respetiva percentagem e comparadas utilizando o teste χ2. Foram considerados estatisticamente significativos os resultados com valor p < 0,05. Para avaliação da relação entre o valor de RDW e a ocorrência de eventos hemorrágicos foram determinados os preditores de hemorragia major utilizando um modelo de regressão logística. Foram incluídas no modelo as variáveis que apresentaram diferenças estatisticamente significativas na análise univariada, com valor p < 0,05, e a hemoglobina. A variável RDW foi incluída como uma variável categórica. O programa estatístico utilizado foi o SPSS, versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA).

Resultados

O nível de RDW médio foi de 15,1% ± 1,6% (mediana de 14,9%). Cerca de 76,6% dos doentes apresentaram EAMsSST, tendo sido efetuada coronariografia em 83% dos casos, todos por via femoral. Os doentes com RDW mais elevado apresentaram uma idade mais avançada, mais antecedentes de uso prévio de AAS e B-bloqueadores e de revascularização coronária. Na admissão, os pacientes incluídos no terceiro tercil tinham mais frequentemente depressão do segmento ST, uma frequência cardíaca mais elevada e níveis inferiores de hemoglobina. Não existiram diferenças significativas entre os três grupos de doentes relativamente ao tipo de terapêutica antitrombótica instituída durante o internamento nem relativamente ao número de doentes submetidos a angioplastia. Os doentes incluídos no terceiro tercil apresentaram um score Crusade mais elevado. As restantes variáveis avaliadas estão comparadas na Tabela 1.

Tabela 1.

Características demográficas, clínicas e laboratoriais; comparação de acordo com os tercis de RDW

  Tercil 1RDW < 14,4%n = 161  Tercil 214,4 ≤ RDW < 15,4%n = 178  Tercil 3RDW ≥ 15,4%n = 174 
Características demográficas e comorbilidades
Idade (anos)  67 ± 11  67 ± 12  69 ± 12  0,048 
Sexo masculino (%)  68  70  66  ns 
IMC (kg/m227 ± 5  27 ± 4  28 ± 4  ns 
Peso (kg)  73 ± 13  65 ± 13  75 ± 12  ns 
Diabetes mellitus (%)  35  32  40  ns 
Hipertensão arterial (%)  73  78  74  ns 
Dislipidemia (%)  51  66  55  ns 
Doença cerebrovascular (%)  ns 
Doença arterial periférica (%)  10  ns 
Enfarte agudo do miocárdio prévio (%)  18  17  27  ns 
Angioplastia prévia (%)  15  15  24  0,047 
CABG prévia (%)  10  0,028 
Medicação de ambulatório
AAS (%)  30  24  40  0,007 
IECA (%)  35  31  34  ns 
Bloqueador - ß (%)  19  14  26  0,014 
Estatina (%)  25  26  34  ns 
Características clínicas
PAS admissão (mmHg)  146 ± 32  145 ± 29  148 ± 31  ns 
PAD admissão (mmHg)  80 ± 18  79 ± 18  82 ± 17  ns 
Frequência cardíaca admissão (bpm)  80 ± 22  78 ± 18  85 ± 24  0,01 
Dor na admissão (%)  36  42  45  ns 
Classe de Killip-Kimbal admissão > 1 (%)  10  11  17  ns 
Biomarcadores cardíacos positivos (%)  76  75  79  ns 
Ondas T negativas (%)  33  35  16  ns 
Depressão do segmento ST (%)  33  39  49  0,011 
FEVE (%)  59 ± 15  59 ± 15  55 ± 16  ns 
Coronariografia (%)  85  90  78  0,007 
Doença 1 vaso  36  31  30  ns 
Doença multivaso  49  52  59  ns 
Score Crusade  32 ± 15  33 ± 15  39 ± 16  < 0,001 
Risco baixo  48  46  34  0,014 
Risco moderado  24  20  22  ns 
Risco elevado  28  34  45  0,005 
Avaliação laboratorial
Plaquetas (109/L)  231 ± 59  231 ± 63  243 ± 84  ns 
Hb (g/dl)  14 ± 2  14 ± 2  13 ± 2  <0,001 
Ureia  46,8 ± 24,9  47,2 ± 21,6  55,2 ± 33,6  0,006 
Creatinina  1,2 ± 0,4  1,3 ± 0,4  1,5 ± 1,0  <0,001 
Clearance creatinina (mg/dl)  67 ± 26  63 ± 28  56 ± 25  0,001 
INR  1,1 ± 0,3  1,2 ± 0,5  1,2 ± 0,5  ns 
Tratamento intra-hospitalar
AAS (%)  96  98  98  ns 
Clopidogrel (%)  90  91  84  ns 
IECA (%)  75  75  71  ns 
Bloqueador – ß (%)  78  84  88  ns 
Heparina não fracionada (%)  33  32  23  ns 
Heparina de baixo peso molecular (%)  91  89  93  ns 
Inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa (%)  20  21  21  ns 
Angioplastia (%)  48  52  44  ns 
CABG (%)  18  13  17  ns 

AAS: ácido acetilsalicílico; CABG: cirurgia de revascularização coronária; IECA: inibidores da enzima conversora da angiotensina; FEVE: fracção de ejeção ventricular esquerda; Hb: hemoglobina; IMC: índice de massa corporal; INR: índice internacional normalizado; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica.

A percentagem de eventos hemorrágicos major foi de 7% (36 eventos). Destes doentes, 32 (89%) realizaram coronariografia. Em cerca de 44% dos casos (n = 16) a hemorragia esteve associada ao local de punção arterial (14 hematomas inguinais e dois casos de hemorragia retroperitoneal). Em 33% dos doentes (n = 12), o local de hemorragia não foi identificado. Verificou-se ainda um caso de hemorragia alveolar, uma hemorragia subaracnoideia, dois casos de hemorragia geniturinária, três de hemorragia gastrointestinal e um caso de hemorragia associado a cirurgia ortopédica recente. Na análise univariada (Tabela 2), a hemorragia esteve associada a uma idade mais avançada, a valores de PAS mais elevados e à presença de disfunção renal. Estes doentes foram mais frequentemente medicados com inibidores das glicoproteínas IIb/IIIA e submetidos a angioplastia coronária.

Tabela 2.

Características demográficas, clínicas e laboratoriais de acordo com a presença ou ausência de hemorragia

  Com hemorragia (n = 36)  Sem hemorragia (n = 477) 
Características basais
Idade (anos)  71 ± 10  67 ± 12  0,05 
Sexo masculino (%)  61  68  ns 
IMC (kg/m2)  28 ± 6  27 ± 4  ns 
Peso (kg)  73 ± 16  74 ± 13  ns 
Diabetes mellitus (%)  39  35  ns 
Hipertensão arterial (%)  81  75  ns 
Dislipidemia (%)  58  58  ns 
Doença cerebrovascular (%)  ns 
Doença arterial periférica (%)  ns 
Enfarte agudo do miocárdio prévio (%)  22  21  ns 
Angioplastia prévia (%)  19  18  ns 
CABG prévia (%)  14  ns 
AAS prévia (%)  19  32  ns 
Características clínicas
PAS admissão (mmHg)  157 ± 31  145 ± 30  0,03 
PAD admissão (mmHg)  84 ± 17  80 ± 18  ns 
Frequência cardíaca (bpm)  86 ± 22  80 ± 22  ns 
Dor na admissão (%)  44  42  ns 
> 1 episódio de dor (%)  64  42  0,008 
Classe de Killip-Kimbal > 1 (%)  19  12  ns 
Biomarcadores cardíacos positivos  94  75  0,007 
Ondas T negativas (%)  22  18  ns 
Depressão do segmento ST (%)  50  40  0,011 
FEVE ≥ 50% (%)  85  72  ns 
Coronariografia (%)  89  83  ns 
Doença 1 vaso  25  33  ns 
Doença multivaso  69  52  ns 
Score Crusade  39 ± 14  34 ± 16  ns 
Risco baixo (%)  22  44  0,013 
Risco moderado (%)  39  21  0,02 
Risco elevado (%)  39  35  ns 
Avaliação laboratorial
RDW (%)  16 ± 3  15 ± 1  < 0,001 
Plaquetas (109/L)  268 ± 98  233 ± 66  0,003 
Hb (g/dl)  14 ± 3  14 ± 2  ns 
Creatinina (mg/dl)  1,7 ±1,6  1,3 ± 0,6  0,001 
Ureia (mg/dl)  62 ± 37  49 ± 26  0,006 
Clearance creatinina (mg/dl)  52 ± 25  63 ± 27  0,021 
INR  1,2 ± 0,5  1,2 ± 0,5  ns 
Tratamento intrahospitalar
AAS (%)  100  97  ns 
Clopidogrel (%)  86  89  ns 
Heparina não fracionada (%)  28  30  ns 
Heparina de baixo peso molecular (%)  91  90  ns 
Inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa (%)  46  19  0,001 
Angioplastia (%)  69  46  0,009 
CABG (%)  15  ns 

AAS: ácido acetilsalicílico; CABG: cirurgia de revascularização; Hb: hemoglobina; INR: índice internacional normalizado; IMC: índice de Massa Corporal; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica.

Níveis mais elevados de RDW estiveram associados a um score Crusade mais elevado e a uma maior percentagem de hemorragia intra-hospitalar, morte e do evento combinado hemorragia/morte intra-hospitalar (Figura 1). O c-statistic do score Crusade na nossa população foi de 0,597.

Figura 1.

Percentagem de eventos segundo o tercil de RDW.

(0,12MB).

Constituíram preditores independentes de hemorragia a utilização de inibidores da glicoproteína iib/iiia, a presença de > 1 episódio de dor, uma PAS > 142mmHg, uma clearance de creatinina < 43ml/min e um RDW> 15,7% (Tabela 3).

Tabela 3.

Preditores independentes de hemorragia major

  Odds ratio  Intervalo de confiança 95% 
Preditores independentes de hemorragia major
Inibidores das glicoproteínas IIb/IIIa  2,74  1,20-6,26  0,0166 
> 1 episódio de dor  2,91  1,28-6,66  0,0110 
Pressão arterial sistólica > 142 mmHg  3,20  1,34-7,66  0,0084 
Clearance de creatinina < 43 ml/min  3,31  1,42-7,68  0,0054 
RDW > 15,7%  3,70  1,68-8,18  0,0012 
Discussão

Ao contrário da associação entre o índice de dispersão eritrocitária e um aumento de eventos isquémicos em doentes com patologia cardiovascular, a sua relação com eventos hemorrágicos foi ainda pouco abordada na literatura. Na nossa população, o RDW constituiu um preditor independente de hemorragia major em doentes com EAMsSST.

Tal como já foi referido noutros estudos, os doentes incluídos no terceiro tercil de RDW apresentaram características associadas a uma maior gravidade da doença coronária, nomeadamente uma idade mais avançada e uma maior percentagem de revascularização miocárdica prévia2,3. Na admissão, apresentaram ainda mais frequentemente uma frequência cardíaca mais elevada, depressão do segmento ST, anemia e disfunção renal. Contudo, este grupo de doentes foi tratado de forma mais conservadora, tendo sido menos submetido à realização de coronariografia. No nosso estudo, à semelhança do que se verificou em outras populações com síndrome coronária aguda, níveis elevados de RDW estiveram associados a um pior prognóstico e a uma maior mortalidade intra-hospitalar2,3,5–7,10.

Quando aplicado à nossa população e tal como já foi referido na literatura, o score Crusade apresentou um baixo poder discriminatório em prever eventos hemorrágicos12,13. Desta forma, a identificação de novos fatores de risco é importante de forma a permitir uma melhor estratificação do risco de hemorragia major em doentes com SCAsSST.

A presença de insuficiência renal e a utilização de inibidores das glicoproteínas iib/iiia constituíram também preditores independentes de hemorragia, tendo já sido referidos em estudos prévios11. Na nossa população, não se demonstrou, no entanto, uma relação com outros fatores tradicionalmente conhecidos, como o sexo feminino ou a presença de insuficiência cardíaca. Numa percentagem significativa dos casos, a hemorragia esteve associada ao local de punção arterial, o que salienta a importância da utilização da via radial na redução de eventos adversos.

Vários estudos têm reportado que um maior risco isquémico é muitas vezes indissociável de um aumento do número de eventos hemorrágicos, dificultando a abordagem destes doentes. À semelhança de outros fatores associados a uma maior gravidade da doença cardiovascular e a um pior prognóstico em doentes com SCAsSST, também o RDW constituiu um fator preditor de hemorragia. O facto de se tratar de um parâmetro laboratorial disponível em todos os hemogramas de rotina, de fácil acesso e que não acarreta custos adicionais pode facilitar a sua futura utilização.

O mecanismo pelo qual este parâmetro se associa a um pior prognóstico em doentes com patologia cardiovascular não está ainda totalmente esclarecido tendo, provavelmente, uma etiologia multifatorial. Níveis elevados de anisocitose podem traduzir um aumento da destruição dos eritrócitos, a presença de deficiências nutricionais (ácido fólico, vitamina B12), a presença de um estado pró-inflamatório e de disfunção renal, que comprometam a eritropoiese e, consequentemente, a maturação dos glóbulos vermelhos1,2,5. Estudos adicionais são necessários para compreender melhor a sua relação com um aumento do número de eventos adversos em doentes com doença cardiovascular.

Limitações

O presente estudo está sujeito às limitações associadas a todas análises retrospetivas, não aleatorizadas e efetuadas num único centro. Apesar de o valor de hemoglobina basal, bem como outros parâmetros, terem sido incluídos na análise multivariada, é-nos impossível excluir a presença de outros fatores conhecidos ou não como potencias confundidores, nomeadamente a presença de outras comorbilidades, níveis de eritropoeitina, valor de ferro, ácido fólico e vitamina B12. Seria ainda importante avaliar o valor prognóstico do RDW em doentes com SCA com elevação do segmento ST, não incluídos nesta análise, assim como o seu valor em prever eventos a longo prazo.

Conclusões

Na nossa população, valores de RDW mais elevados estiveram associados a uma maior mortalidade intra-hospitalar e constituíram um preditor independente de hemorragia major intra-hospitalar em doentes com SCAsSST. A sua fácil acessibilidade e baixo custo poderá facilitar a sua futura aplicação na prática clínica.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
G.M. Felker, L.A. Allen, S.J. Pocock, et al.
Red cell distribution width as a novel prognostic marker in heart failure: data from the CHARM Program and the Duke Databank.
J Am Coll Cardiol, 50 (2007), pp. 40-47
[2]
M. Tonelli, F. Sacks, M. Arnold, et al.
Relation between red blood cell distribution width and cardiovascular event rate in people with coronary disease.
Circulation, 117 (2008), pp. 163-168
[3]
S. Nabais, N. Losa, A. Gaspar, et al.
Associação entre o índice de anisocitose (RDW) e a ocorrência de morte ou enfarte aos seis meses em doentes com síndrome coronária aguda.
Rev Port Cardiol, 28 (2009), pp. 905-924
[4]
S.K. Zalawadiya, V. Veeranna, A. Niraj, et al.
Red cell distribution width and risk of coronary heart disease events.
Am J Cardiol, 106 (2010), pp. 988-993
[5]
A. Basem, T. Estelle, H. Hassan, et al.
Usefulness of red cell distribution width in predicting all-cause long-term mortality after non-ST-elevation myocardial infarction.
Cardiology, 119 (2011), pp. 72-80
[6]
H. Uyarel, M. Ergelen, G. Cicek, et al.
Red cell distribution width as a novel prognostic marker in patients undergoing primary angioplasty for acute myocardial infarction.
Coron Artery Dis, 22 (2011), pp. 138-144
[7]
S. Poludasu, J.D. Marmur, J. Weedon, et al.
Red cell distribution width (RDW) as a predictor of long-term mortality in patients undergoing percutaneous coronary intervention.
Thromb Haemost, (2009), pp. 581-587
[8]
C. Jung, B. Fujita, A. Lauten, et al.
Red blood cell distribution width as useful tool to predict long-term mortality in patients with chronic heart failure.
Int J Cardiol, 152 (2011), pp. 417-418
[9]
K.V. Patel, R.D. Semba, L. Ferruci, et al.
Red cell distribution width and mortality in older adults: a meta-analysis.
J Gerontol A Biol Sci Med Sci, 65A (2010), pp. 258-265
[10]
H. Uyarel, M. Ergelen, G. Çiçek.
Red cell distribution width as a novel prognostic marker in patients undergoing primary angioplasty for acute myocardial infarction.
Coron Artery Dis, 22 (2011), pp. 138-144
[11]
M. Moscucci, K.A.A. Fox, P.C. Cannon, et al.
Predictors of major bleeding in acute coronary syndromes: the Global Registry of Acute Coronary Events (GRACE).
Eur Heart J, 24 (2003), pp. 1815-1823
[12]
P. Amador, J.F. Santos, S. Gonçalves, et al.
Comparison of ischemic and bleeding risk scores in non-ST elevation acute coronary syndromes.
Acute Card Care, 13 (2011), pp. 68-75
[13]
E. Abu-Assi, J.M. Gracía-Acuña, I. Ferreira-González, et al.
Evaluating the performance of the Can Rapid Risk Stratification of Unstable Angina Patients Suppress Adverse Outcomes With Early Implementation of the ACC/AHA Guidelines (CRUSADE) bleeding score in a contemporary Spanish cohort of patients with non-ST-segment elevation acute myocardial infarction.
Circulation, 121 (2010), pp. 2419-2426
Copyright © 2011. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.