Informação da revista
Vol. 33. Núm. 10.
Páginas 641-643 (Outubro 2014)
Visitas
5352
Vol. 33. Núm. 10.
Páginas 641-643 (Outubro 2014)
Cardiologia Baseada na Evidência
Open Access
Cochrane Corner: Qual é o impacto clínico da administração de oxigénio em doentes com enfarte agudo do miocárdio? Avaliação de uma revisão sistemática Cochrane
Cochrane Corner: What is the clinical impact of oxygen therapy for acute myocardial infarction? Evaluation of a Cochrane systematic review
Visitas
5352
Daniel Caldeiraa,b, António Vaz‐Carneiroc,d,
Autor para correspondência
avc@fm.ul.pt
avc@vcsm.pt

Autor para correspondência.
, João Costaa,c,d
a Laboratório de Farmacologia Clínica e Terapêutica, Faculdade Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
b Serviço de Cardiologia, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal
c Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, Faculdade Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
d Centro Colaborador Português da Rede Cochrane Iberoamericana, Lisboa, Portugal
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (1)
Texto Completo
Questão clínica

Qual o impacto clínico da administração sistemática de oxigénio em doentes com enfarte agudo do miocárdio?

Tipo e descrição do estudo

Trata‐se de uma revisão sistemática de ensaios clínicos aleatorizados e controlados (Randomised Controlled Trials – RCT) que estudaram a administração sistemática de oxigénio por via inalatória em doentes com enfarte agudo do miocárdio, com menos de 24 horas de evolução (com ou sem supradesnivelamento do segmento ST). Os resultados analisados foram a mortalidade global (outcome primário) e a administração de opioides (outcome secundário) enquanto outcome substitutivo de avaliação da dor.

Resultados

Após pesquisa das bases de dados (the Cochrane Central Register of Controlled Trials [CENTRAL], MEDLINE, EMBASE, CINAHL e Web of Science) e avaliação da elegibilidade das referências obtidas com a estratégia de pesquisa, foram incluídos para análise qualitativa e quantitativa quatro RCT, com 430 doentes e 17 eventos fatais. Foram excluídos estudos que utilizaram oxigénio hiperbárico, oxigénio aquoso, oxigénio associado a hemoglobina ou combinado com óxido nítrico.

Nestes estudos, o oxigénio (4‐6L/minuto) foi administrado por máscara facial ou óculos nasais. A oxigenioterapia foi comparada com a não administração de oxigénio ou o seu uso exclusivo em caso de hipoxemia.

Os riscos relativos de morte e consumo de opioides não foram significativamente diferentes entre os grupos (Figura 1), tendo‐se inclusive verificado um aumento significativo de 16% no risco de morte no grupo da oxigenioterapia quando se considera apenas os resultados dos RCT mais recentes. Dado o número muito reduzido de eventos não se pode excluir que este resultado seja devido ao acaso.

Figura 1.

Principais resultados da revisão sistemática de Cabello et al.1.

(0,11MB).
Conclusões

Não há evidência conclusiva, baseada em ensaios clínicos aleatorizados e controlados, que suporte a administração sistemática de oxigénio inalado em doentes com enfarte agudo do miocárdio.

Comentário

Esta revisão sistemática realça a escassez de ensaios clínicos a avaliar a administração sistemática de oxigénio nos doentes com enfarte agudo do miocárdio1, uma prática habitual na abordagem terapêutica destes doentes. Neste contexto, a melhor evidência disponível não sugere benefício, quer em termos de mortalidade quer em termos de alívio de dor (avaliada através do uso de opioides).

A administração de oxigénio em doentes com enfarte agudo do miocárdio é uma atitude terapêutica frequente e considerada por muitos (>50%) profissionais de saúde como tendo impacto na mortalidade2,3. Estudos transversais estimam que cerca de 80% dos profissionais de saúde administram de forma sistemática oxigénio em contexto de enfarte agudo do miocárdio2,3.

Esta situação é potenciada pela crença mecanicista em que o aumento da oferta de oxigénio diminui a isquemia, dor e mortalidade. No entanto, os resultados da meta‐análise sugerem uma tendência para o aumento da mortalidade com esta intervenção sistemática. Tal pode ser explicado pelas propriedades vasoconstritoras do oxigénio4, cujo aumento da resistência vascular condiciona diminuição do fluxo coronário5.

Não obstante, os resultados desta revisão devem ser considerados à luz das limitações inerentes dos estudos individuais incluídos. Globalmente, estes estudos apresentam uma qualidade metodológica baixa: elevado risco de viés de atrito (perdas de dados de seguimento pós‐aleatorização) e elevado risco de viés associado à possibilidade de ocorrência de selective reporting dos resultados. Outra limitação está relacionada com a evolução na abordagem às síndromes coronárias agudas ao longo do tempo. Atualmente, os doentes são tratados sistematicamente com intervenções terapêuticas com impacto relevante no prognóstico (antiagregação dupla, beta‐bloqueante, inibidor da enzima conversora de angiotensina, estatina, técnicas de revascularização coronária). A análise de sensibilidade excluindo os estudos mais antigos para avaliar a estimativa de efeito contemporânea do oxigénio na mortalidade foi sobreponível, o que reforça a inexistência de um impacto clínico benéfico da oxigenioterapia sistemática.

No entanto, deve‐se ter em consideração que a maioria dos estudos incluiu entidades que podem ser distintas sob o ponto de vista fisiopatológico e da abordagem terapêutica: enfartes com supradesnivelamento e sem supradesnivelamento do segmento ST; desconhecendo‐se, assim, o verdadeiro impacto da oxigenioterapia em cada um destes contextos.

Contrariando os dados desta revisão, outra revisão Cochrane estimou que a administração de oxigénio hiperbárico em doentes com síndrome coronária aguda reduz o risco relativo de morte em 42% (RR 0,58, IC 95% 0,36‐0,92; seis ensaios clínicos, 665 doentes)6. Atendendo a este benefício, fica a questão se a tendência negativa observada na revisão aqui discutida poderá ser atribuída ao baixo poder estatístico e às imprecisões metodológicas7.

As atuais normas de orientação clínica da Sociedade Europeia de Cardiologia recomendam a administração de oxigénio em caso de hipoxemia8,9. Trata‐se de uma questão clínica que seguramente necessita ser respondida de forma robusta em futuros ensaios clínicos pragmáticos, desenhados e dimensionados para estudar adequadamente o impacto clínico da oxigenioterapia no contexto do enfarte agudo do miocárdio.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
J.B. Cabello, A. Burls, J.I. Emparanza, et al.
Oxygen therapy for acute myocardial infarction.
Cochrane Database Syst Rev, 8 (2013), pp. CD007160
[2]
A. Burls, J.I. Emparanza, T. Quinn, et al.
Oxygen use in acute myocardial infarction: an online survey of health professionals’ practice and beliefs.
Emerg Med J, 27 (2010), pp. 283-286
[3]
C. Arslanian-Engoren, K.A. Eagle, B. Hagerty, et al.
Emergency department triage nurses’ self‐reported adherence with American College of Cardiology/American Heart Association myocardial infarction guidelines.
J Cardiovasc Nurs, 26 (2011), pp. 408-413
[4]
H.S. Loeb, R. Chuquimia, M.Z. Sinno, et al.
Effects of low‐flow oxygen on the hemodynamics and left ventricular function in patients with uncomplicated acute myocardial infarction.
Chest, 60 (1971), pp. 352-355
[5]
P.H. McNulty, N. King, S. Scott, et al.
Effects of supplemental oxygen administration on coronary blood flow in patients undergoing cardiac catheterization.
Am J Physiol Heart Circ Physiol, 288 (2005), pp. H1057-H1062
[6]
M.H. Bennett, J.P. Lehm, N. Jepson.
Hyperbaric oxygen therapy for acute coronary syndrome.
Cochrane Database Syst Rev, (2011), pp. CD004818
[7]
P. Meier, S. Ebrahim, C.M. Otto, et al.
Oxygen therapy in acute myocardial infarction – good or bad?.
Cochrane Database Syst Rev, 21 (2013),
[8]
P.G. Steg, S.K. James, D. Atar, Task Force on the management of ST-segment elevation acute myocardial infarction of the European Society of Cardiology (ESC), et al.
ESC Guidelines for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST‐segment elevation.
Eur Heart J, 33 (2012), pp. 2569-2619
[9]
C.W. Hamm, J.P. Bassand, S. Agewall, et al.
ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting without persistent ST‐segment elevation: The Task Force for the management of acute coronary syndromes (ACS) in patients presenting without persistent ST‐segment elevation of the European Society of Cardiology (ESC).
Eur Heart J, 32 (2011), pp. 2999-3054
Copyright © 2014. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.