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Vol. 31. Núm. 9.
Páginas 555-557 (Setembro 2012)
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Páginas 555-557 (Setembro 2012)
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Atividade plaquetar residual em doentes tratados com clopidogrel. Implicações para a orientação de doentes após síndroma coronária aguda
Residual platelet activity in patients managed with clopidogrel: Clinical implications for the management of patients with acute coronary syndrome
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João Morais
Serviço de Cardiologia, Centro Hospitalar Leiria Pombal, Leiria, Portugal
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Apesar da sua reconhecida eficácia, quer no contexto do tratamento da doença coronária aguda, quer no contexto do tratamento de doentes submetidos a procedimentos de cardiologia de intervenção, o clopidogrel é uma droga demasiadamente imperfeita. O clopidogrel é uma tienopiridina, cujo efeito antiplaquetar se processa através da inibição irreversível dos recetores P2Y12, tornando-os insensíveis à estimulação pela via do ADP. Tratando-se de uma pró-droga, sujeita a dois processos de metabolismo hepático antes de atingir a sua forma ativa, os doentes medicados com este fármaco apresentam marcada variabilidade de resposta, fazendo variar os níveis de inibição plaquetar. Uma percentagem elevada de doentes não consegue atingir níveis adequados, o que se traduz por uma ineficácia terapêutica, a que se tem atribuído designações várias. Resistência, variabilidade, falta de resposta, são expressões que pretendem consubstanciar a ideia de que nem todos os doentes recebem o mesmo benefício terapêutico.

Este conceito pretende ajudar a explicar a razão pela qual o fenómeno trombótico pode surgir, mesmo em doentes medicados com antiplaquetares, denunciando, assim, uma falha da própria terapêutica.

Este fenómeno é influenciado por fatores múltiplos, muitos deles inerentes ao próprio doente, a que se pode também juntar uma base genética, na medida em que se conhecem polimorfismos vários que podem condicionar a perda de função do fármaco.

Curiosamente, a comunidade científica tem estado muito mais interessada no fenómeno da perda de função e consequente hiperatividade residual, do que no excesso de função e, desse modo, em explicar alguns dos problemas hemorrágicos com que nos debatemos.

A discussão deste problema tem estado centrada em três grandes tópicos: qual a melhor metodologia laboratorial para o identificar; qual o impacte clínico que tem; qual o impacte que pode ter na terapêutica individual.

Metodologia laboratorial

Múltiplos estudos foram realizados e publicados nos últimos anos procurando uma resposta clara para este problema. Qual o melhor teste que, pela sua facilidade de execução e pela capacidade discriminativa que proporciona, pode ter implicações clínicas práticas para a clínica do dia a dia?

Vários têm sido os testes desenvolvidos, procurando encontrar metodologias simples, de cabeceira, mas com valor discriminativo, capazes de identificar os doentes de mais alto risco, particularmente após implantação de stent coronário. É hoje consensual considerar a agregometria ótica como o teste padrão e o teste de cabeceira conhecido pelo nome VerifyNow como o de maior utilização prática. Alguns estudos procuraram comparar o valor dos vários testes, sendo clara e notória a variabilidade entre eles. Breet et al.1 publicaram, em 2010, um interessante estudo comparando quatro testes, num grupo de 1069 doentes, evidenciando a baixa acuidade de todos eles em prever risco nos 12 meses após intervenção e a total incapacidade de qualquer um deles em prever risco de hemorragia.

Na prática, verifica-se que o VerifyNow foi o teste usado nos dois estudos clínicos mais importantes neste domínio, GRAVITAS2 e ADAPT-DES (clinicaltrials.gov NCT00638794), o que de alguma forma contribui para a sua popularidade, a que se associa uma razoável facilidade de execução.

No presente número da Revista, Rogério Teixeira et al.3 procuraram, numa pequena série de 70 doentes após síndroma coronária aguda, o valor prognóstico, num seguimento médio de cerca de quatro meses, da atividade plaquetar residual em doentes tratados com clopidogrel. Para o efeito, utilizaram um teste laboratorial menos usado na prática diária, a agregometria de impedância, sistema Multiplate, o qual, e segundo os autores, é de uso mais simples, realizado em sangue total, dispensando centrifugação.

Este sistema tem sido testado e comparado com o agregometria ótica, com bons resultados, como demonstram alguns estudos publicados4,5.

Impacte clínico

A investigação sobre o impacte clínico que estes testes podem ter é, sem dúvida, o aspeto mais importante, por forma a enquadrá-los no dia a dia da prática clínica. Infelizmente, estamos longe de o conseguir. O resultado dos estudos clínicos está longe de evidenciar o peso que se imaginava que poderiam vir a ter. Um dos problemas é a natural dificuldade em promover estudos clínicos clarificadores, já que nos debatemos com alguns problemas importantes. O primeiro problema é, quando se estudam populações em fase de doença estável, o baixo número de eventos que estes doentes sofrem, pelo que são necessários estudos com grande número de doentes e, como tal, difíceis de implementar.

O segundo problema é o total desconhecimento sobre o impacte dos testes no domínio da doença aguda. Compreende-se que assim seja, já que a doença aguda tem uma carga trombótica muito elevada, obrigando a combinações terapêuticas múltiplas, tornando muito mais difícil estudar estas populações.

Implicações terapêuticas

Apesar de ser o tema mais atrativo, infelizmente também ele não tem tido respostas claras. O já citado estudo GRAVITAS (Gauging Responsiveness with a VerifyNow P2Y12 assay: Impact on Thrombosis and Safety trial) reforça, uma vez mais, as implicações prognósticas nos doentes que não atingem níveis adequados de inibição plaquetar, mas fica por demonstrar que esta informação seja suficiente para individualizar a terapêutica tendo em conta os resultados laboratoriais.

Em alternativa aos estudos funcionais, o estudo CURRENT-OASIS 76 testou uma estratégia mais simples, duplicando as doses de clopidogrel durante um curto período de sete dias, independente dos níveis de reatividade plaquetar residual. O esforço de recrutamento de 25 000 doentes não foi compensado pelos resultados, absolutamente neutros na população global, no objetivo primário composto, aos 30 dias, de morte cardiovascular, enfarte não fatal e acidente vascular cerebral.

As implicações terapêuticas são também condicionadas pela introdução dos novos antiplaquetares, comprovadamente mais eficazes, designadamente, o prasugrel e o ticagrelor. Ambos os fármacos foram testados contra clopidogrel em dois grandes programas de investigação. No estudo TRITON TIMI 387 foi testado o prasugrel em doentes com síndroma coronária aguda, com anatomia coronária conhecida e que avançaram para intervenção coronária percutânea. No estudo PLATO8, foi testado o novo fármaco ticagrelor, também numa população de doentes com síndroma coronária aguda, mas, e ao contrário do estudo com prasugrel, os doentes foram incluídos no estudo independentemente da estratégia definida, referenciados ou não para intervenção percutânea.

Em paralelo, os estudos de laboratório mostraram a superioridade de ambas as moléculas, deixando claro que o fenómeno de variabilidade individual estava resolvido9,10. A consequência prática destes estudos deixa ao clopidogrel um papel residual, sempre que seja possível utilizar as novas alternativas. As guidelines europeias incorporaram estes novos fármacos, dando-lhes uma clara preferência11,12.

É neste cenário que devemos analisar todo este esforço de investigação, procurando individualizar a terapêutica, com base em resultados laboratoriais.

O lugar dos estudos genéticos

A identificação de polimorfismos genéticos, responsáveis pela perda de função antiplaquetar do clopidogrel, abriu um novo horizonte nesta procura de uma terapêutica à medida.

Uma recente meta-análise13 de nove estudos clínicos analisou o lugar do genótipo CYP2C19 na previsão de risco trombótico. A presença de um alelo é suficiente para identificar um risco acrescido de trombose de stent, risco este que é muito marcado se os dois alelos estiverem presentes (HR 3,97, 95% CI 1,75-9,02, P=0,001).

O passo seguinte passa pela procura de testes genéticos realizados à cabeceira, com resposta rápida, permitindo desse modo corrigir a terapêutica em tempo útil. Foi esse o propósito do estudo RAPID-GENE14, no qual se mostrou a facilidade de execução destes testes à cabeceira e como os doentes portadores de genes com perda de função beneficiam de terapêutica alternativa ao clopidogrel.

No trabalho de Rogério Teixeira et al.3 a genotipagem também esteve presente e, como seria de esperar, a presença de dois alelos CYP2C19 foi um preditor independente de novos eventos a médio prazo, não sendo, contudo, preditor de má resposta antiplaquetar ao clopidogrel. Contudo, a interpretação destes resultados deve ter em conta alguns aspetos mais frágeis deste estudo, designadamente, o reduzido número de doentes incluídos, o seu aparente baixo risco tendo em conta as características clínicas e a definição de eventos, na qual se inclui a angina instável e não se incluem outros eventos trombóticos, como seja a trombose de stent ou o acidente vascular cerebral.

Conclusão

O problema da variabilidade de resposta ao clopidogrel continua a justificar estudos clínicos, mas todos eles apontam no mesmo sentido. A presença de reatividade plaquetar sob terapêutica é um claro marcador de risco, estando por demonstrar que a modificação desta falta de resposta tenha implicações favoráveis no prognóstico. Por esta razão, continuamos sem ter motivos suficientes para que estes testes façam parte da prática clínica, fora do caso clínico particular, ou fora do contexto da investigação.

A única certeza que hoje temos e que as guidelines europeias incorporaram, passa pela utilização dos novos antiplaquetares, prasugrel e ticagrelor, pelo menos nos doentes de mais alto risco. Esta é, à luz dos conhecimentos de hoje, a única forma eficaz de resolver o problema da falta de resposta ao clopidogrel, evitando a realização de testes de função plaquetar ou de genotipagem, de eficácia clínica duvidosa. As diferenças e semelhanças entre os três antiplaquetares estão bem clarificadas15 e a evidência é muito forte ao mostrar que as novas drogas, respeitadas as recomendações, são superiores ao clopidogrel, proporcionando uma resposta mais previsível e homogénea e sem condicionantes de natureza genética16,17.

Conflito de interesses

João Morais foi membro do Steering Committee do Estudo PLATO, é atualmente Coordenador Nacional do Estudo ACCOAST e foi Investigador Principal para o Estudo TRILOGY. Recebe honorários para atividades de consultadoria e para participação em reuniões científicas na área da terapêutica antitrombótica (Astra Zeneca, Bayer Health Care, BMS/Pfizer, Lilly/Daiichi Sankyo, MSD).

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