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Vol. 33. Núm. 11.
Páginas 733.e1-733.e6 (Novembro 2014)
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Vol. 33. Núm. 11.
Páginas 733.e1-733.e6 (Novembro 2014)
Caso Clínico
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Implantação de pacemaker definitivo por via femoral
Permanent pacemaker implantation using a femoral approach
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Patrícia Rodrigues
Autor para correspondência
pfdrodrigues@gmail.com

Autor para correspondência.
, Hipólito Reis, Vítor Lagarto, Paulo Palma, Carla Roque, António Pinheiro‐Vieira, Diana Anjo, Severo Torres
Serviço de Cardiologia, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal
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Rev Port Cardiol. 2015;34:367-810.1016/j.repc.2014.12.004
Gustavo Lima da Silva, Pedro Marques
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Resumo

Apresentamos dois casos em que foi implantado pacemaker definitivo por via femoral, pelo facto de não ser possível fazê‐lo através da veia cefálica ou subclávia. Descrevemos a técnica, as suas indicações, as vantagens e as complicações associadas.

Palavras‐chave:
Pacemaker
Veia femoral
Técnica
Complicações
Abstract

We describe two cases in which a permanent pacemaker was implanted via the femoral vein, because the cephalic and subclavian veins were not patent. The technique and its indications, advantages and potential complications are reviewed.

Keywords:
Pacemaker
Femoral vein
Technique
Complications
Texto Completo
Introdução

A implantação de pacemakers definitivos por via femoral é uma alternativa nos doentes em que o acesso pela veia cava superior não é possível ou está contraindicado1.

A propósito de dois casos recentes, discutimos a técnica, as suas indicações, as vantagens e as complicações associadas.

Caso clínico 1

A. A., doente do sexo feminino, com 85 anos, dependente nas atividades de vida diária, limitada à cama‐cadeirão, mas com boa vida de relação. Tinha antecedentes de diabetes mellitus tipo 2 (com nefropatia diabética e em programa regular de hemodiálise desde há nove anos, tendo como acesso vascular um cateter venoso central [CVC] tunelizado), anemia de doença crónica, fibrilhação auricular permanente, hipertensão arterial, doença de Parkinson e patologia osteoarticular degenerativa.

Estava medicada com insulina, levodopa/carbidopa, ácido acetilsalicílico, darbopoietina alfa, carbonato de cálcio, vitaminas do complexo B, ácido fólico, omeprazol e metoclopramida.

Foi internada por sépsis com ponto de partida em infeção do CVC (veia subclávia direita), pelo que foi administrada antibioterapia endovenosa com vancomicina e gentamicina, tendo‐se isolado, entretanto, Staphylococcus epidermidis nas hemoculturas.

Tentou‐se substituir o CVC, sem sucesso na mobilização do cateter e com instabilidade hemodinâmica da doente, pelo que se decidiu manter o CVC e prolongar antibioterapia, com boa resposta clínica.

Durante o internamento, verificaram‐se períodos sintomáticos de fibrilhação auricular com resposta ventricular rápida, que alternavam com períodos de resposta ventricular lenta. Assim, foi diagnosticada síndrome de bradi‐taquicardia, tendo sido proposta implantação de pacemaker definitivo.

O ecocardiograma transtorácico excluiu cardiopatia estrutural relevante.

Foi tentada introdução de elétrodos pelas veias cefálica e subclávia esquerdas, sem sucesso na progressão dos mesmos. De igual forma, também não foi possível obter acesso vascular à direita, onde apresentava CVC. Comprovou‐se a existência de obstrução na veia cava superior, tanto por fluoroscopia como por angio‐TAC (Figura 1).

Figura 1.

Em cima: tentativa de implantação de pacemaker na primeira doente, A. A., através de punção subclávia esquerda, não se tendo conseguido prosseguir com o guia. A doente apresentava cateter venoso central (CVC) à direita. Após administração de contraste, verificou‐se obstrução da veia cava superior.

Em baixo: imagens de angio‐TAC em que se visualiza o cateter venoso central na transição entre a veia cava superior (VCS) e a aurícula direita, aparentemente aderente à VCS, que apresenta calibre reduzido, o que, combinado com a circulação colateral visível sugere fibrose parietal da veia cava superior sequelar.

(0,37MB).

Atendendo à reduzida mobilidade da doente e à ausência de outros acessos, decidiu‐se implantar pacemaker definitivo de câmara única (modo VVI) por via femoral.

Após punção da veia femoral direita, progrediu‐se com o elétrodo ventricular, de fixação ativa e com 85cm de comprimento, até ao ápex do ventrículo direito. De seguida, foi realizada tunelização subcutânea do elétrodo para o flanco direito, onde se efetuou bolsa para alojar e fixar o gerador do pacemaker (Figura 2).

Figura 2.

Imagens de fluoroscopia durante a colocação de pacemaker definitivo de câmara única pela veia femoral direita, na paciente A. A. Foi implantado um pacemaker Relia S (Medtronic®), modo VVI, com elétrodo de 85cm.

A: local de inserção do elecrocateter (EC) na veia femoral, posicionamento do gerador no flanco direito. B e C: trajeto do elétrodo até ao ápex do ventrículo direito (VD). D: posicionamento do elétrodo no VD.

(0,49MB).

O procedimento decorreu sem intercorrências, com bons parâmetros de sensing e pacing.

A doente teve alta, sem outras complicações, e encontra‐se, atualmente, bem. O pacemaker mantém‐se normofuncionante, quatro meses após a implantação.

Caso clínico 2

H. P., doente do sexo feminino, de 81 anos, parcialmente dependente (por limitação funcional do membro superior direito e patologia osteoarticular). Como antecedentes pessoais, a realçar neoplasia da mama diagnosticada dez anos antes (submetida a mastectomia radical à direita, radioterapia e quimioterapia), com linfedema crónico do membro superior direito, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, hipotiroidismo e insuficiência cardíaca classe II NYHA. Estava cronicamente medicada com antidiabéticos orais, estatina, amlodipina, valsartan, furosemida, espironolactona, levotiroxina, alprazolam e beta‐histina. Foi internada por clínica de insuficiência cardíaca descompensada e tonturas, tendo‐se objetivado bradicardia sintomática, com períodos intermitentes de bloqueio auriculoventricular do 2.° grau tipo Mobitz II e bloqueio auriculoventricular completo. Não apresentava alterações hidroeletrolíticas nem outras causas reversíveis para a bradidisritmia.

Fez ecocardiograma transtorácico, que mostrou depressão ligeira da função sistólica ventricular esquerda (já conhecida previamente), sendo a análise da contractilidade segmentar condicionada por deficiente janela acústica, sem outras alterações de relevo.

Foi proposta implantação de pacemaker definitivo, tendo sido abordadas as veias cefálica e subclávia esquerdas, sem sucesso na progressão dos elétrodos (Figura 3). Apesar de apresentar linfedema marcado no membro superior direito, ainda foi tentada a via subclávia direita, sem sucesso. Comprovou‐se por angiografia a existência de obstrução a nível da veia cava superior (Figura 3).

Figura 3.

Imagens de fluoroscopia obtidas durante as tentativas de implantação de pacemaker na segunda doente, H. P., pela veia cefálica esquerda e subclávia direita, sem sucesso. Após administração de contraste, verificou‐se imagem de stop na veia subclávia esquerda (A e B) e obstrução também a nível da subclávia direita (C e D).

(0,41MB).

Assim, foi implantado pacemaker definitivo, de câmara única, pela veia femoral direita, tendo sido também efetuada tunelização subcutânea do elétrodo e colocação do gerador no abdómen, a nível do flanco direito (Figura 4).

Figura 4.

Pacemaker de câmara única, Relia SR (Medtronic®), implantado pela veia femoral direita na doente H. P.

Em cima: A: elétrodo colocado no ventrículo direito (VD). B: posicionamento do gerador no flanco direito.

Em baixo: fotografias durante a implantação do pacemaker, nomeadamente das incisões feitas a nível femoral (local de inserção do eletrocateter) e no flanco direito (onde foi colocado o gerador), bem como da tunelização subcutânea feita entre elas e o resultado final.

(0,43MB).

O procedimento e restante internamento decorreram sem complicações e a doente teve alta dois dias depois. Atualmente, cerca de cinco meses depois, o pacemaker mantém‐se normofuncionante, com bons limiares de sensing e pacing.

Discussão e conclusões

A abordagem por via femoral para implantação de pacemakers definitivos já foi descrita há vários anos2, mas continua a ser pouco familiar para a maioria dos operadores.

Pelo contrário, a utilização da via femoral, para a colocação intravenosa de pacemakers provisórios, é regularmente selecionada, pela facilidade de implantação e baixo risco de intercorrências durante o procedimento3.

As indicações mais comuns para o pacing transfemoral são: anomalias ou alterações no sistema venoso, nomeadamente com obstrução da veia subclávia ou veia cava superior; alteração da estrutura da parede torácica anterior, por exemplo após radioterapia ou mastectomia; necessidade de implantação de pacemaker em crianças; existência de múltiplos elétrodos na veia cava superior ou infeções recorrentes da loca do gerador.

A via femoral é uma via de acesso vascular alternativa e eficaz. Outros métodos alternativos seriam a recanalização venosa com laser ou o posicionamento cirúrgico de elétrodos epicárdicos. No entanto, a recanalização com laser confere risco significativo, dado o comprimento dos segmentos obstruídos, e uma intervenção mais invasiva seria de evitar nestes dois casos, atendendo às comorbilidades e fragilidade das doentes.

A incisão para introdução dos elétrodos pela veia femoral foi feita abaixo do ligamento inguinal, para minorar desconforto causado pela cicatriz. Ellestad et al. optaram por abordar a veia ilíaca4.

Em ambos os casos, optámos também por criar uma bolsa para o gerador na região abdominal para evitar desconforto na zona inguinal e da coxa, sobretudo com a mobilização. Para além disso, o facto de se criar a bolsa para o gerador na região superior da coxa, uma região com menos tecido subcutâneo, parece aumentar o desconforto e a probabilidade de erosão5.

O deslocamento dos elétrodos, particularmente auriculares, é a complicação mais frequente associada a esta abordagem, podendo acontecer em cerca de um quinto dos casos1,4.

Embora não esteja descrita, será de esperar, também, uma maior incidência de fraturas dos elétrodos, que pode ser minorada pela descrição de uma curva mais larga, à saída da veia femoral, quando inverte no sentido ascendente e, também, permitindo alguma folga no trajeto subcutâneo para a região abdominal, até à bolsa do gerador, de forma a evitar a tração durante a flexão do membro inferior.

No entanto, particularmente em doentes idosos, a região inguinal é provavelmente menos mobilizada do que a região peitoral e eliminam‐se lesões secundárias causadas por traumatismos na clavícula.

A taxa de infeções e de trombose venosa profunda parece ser idêntica à da via subclávia6.

Apesar da escassez de estudos sobre este tema, a maioria dos autores descreve uma baixa taxa de intercorrências e o procedimento, embora de carácter mais cirúrgico, é relativamente fácil de realizar1,4.

Para além da implantação de pacemakers, já foi descrita a colocação de cardiodesfibrilhadores5,7 e de pacemakers biventriculares8–10 por esta abordagem.

Assim, a implantação de pacemakers por via femoral deve ser considerada quando o acesso convencional na região peitoral não é possível.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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