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Vol. 40. Núm. 12.
Páginas 955-956 (dezembro 2021)
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Cronotropismo no esforço. Inconsistências metodológicas e conceptuais
Chronotropism during exercise. Methodological and conceptual inconsistencies
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Miguel Mendes
Serviço de Cardiologia, CHLO, Hospital de Santa Cruz, Carnaxide, Portugal
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Tiago Pimenta, J. Afonso Rocha
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Os autores do artigo1 a que este editorial se reporta avaliaram o efeito de um programa de reabilitação cardíaca (PRC) no índice cronotrópico (IxC) de doentes após síndroma coronária aguda (SCA), submetidos na sua maioria a terapêutica com vários bloqueantes‐beta (BB) em doses diversas.

O estudo da resposta cronotrópica no exercício é da maior pertinência porque, apesar de estar bem estabelecido que a presença de incompetência cronotrópica (IC) tem impacto negativo no prognóstico dos doentes, trata‐se de um tópico pouco conhecido e valorizado, particularmente porque não é reconhecida a possibilidade de a melhorar.

O diagnóstico de IC está dificultado pela existência de diversas fórmulas propostas para calcular a frequência cardíaca máxima prevista (FCMP), diferentes critérios para a definir IC, nomeadamente no contexto de medicação BB.

Os autores avaliaram retrospetivamente uma população de participantes em PRC, constituída por 543 doentes consecutivos após SCA, maioritariamente do género masculino (14,9% do feminino), assintomáticos (89% em classe I da NYHA) e sem compromisso significativo da função ventricular esquerda (FVE). Na admissão e doze meses após a SCA havia, respetivamente, cerca de 86% e de 87% dos casos sob BB. O cronotropismo e a capacidade funcional (CF) foram estudados através de provas de esforço (PE) convencionais realizadas em três momentos: antes do PRC, no fim da fase II e 12 meses após a SCA. A dose de BB foi convertida em equivalentes e a população foi dividida em três grupos conforme a dosagem tivesse sido reduzida, permanecesse inalterada ou aumentada.

A FCMP foi calculada pela fórmula de 220‐idade e pela fórmula de Brawner, tendo sido diagnosticada IC, caso a frequência cardíaca máxima (FCM) tivesse sido inferior a 80% à FCMP determinada pelas duas fórmulas.

Os doentes realizaram 8 a 24 sessões de treino aeróbio e de força muscular de acordo com as orientações internacionais em vigor.

Após finalizar o PRC verificou‐se uma redução média de 3ppm em repouso e um aumento médio de 5ppm no pico de esforço em toda a população do estudo.

O IxC aumentou de forma semelhante quer quando foi calculado pela fórmula de 220‐idade, quer pela fórmula de Brawner. A capacidade funcional (CF) aumentou cerca de 2 METs após o programa, mantendo‐se o ganho 12 meses após a SCA, com correlação positiva entre o aumento do cronotopismo e o da CF, que aumentou cerca de 0,37 METs estimados por cada 1% do IxC calculado com base na fórmula de 220‐idade, independentemente da idade, sexo e da dose de BB.

Os autores identificam corretamente várias limitações do seu trabalho. Contudo, não consideraram os factos de duração do PRC ter variado entre 8 e 24 sessões, o que pode ter impacto quer na CF quer na melhoria do IC, e a CF ter sido avaliada por PE convencional, e não por PE cardiorrespiratória (PECR), o que permitiria uma medida rigorosa. Deve ser realçado que a PECR, que, embora recomendada, não é considerada obrigatória nas recomendações internacionais nos PRC de doentes com boa FVE.

Concluíram que o IxC melhora através do treino físico realizado no PRC em doentes após SCA pouco sintomáticos, sem compromisso da FVE normal, maioritariamente sob medicação BB, independentemente da sua dose.

Os autores verificaram que a fórmula clássica (220‐idade) de cálculo da FCMP teve correlação superior com o aumento da CF relativamente à fórmula de Brawner.

O cálculo do IxC pode ser realizado a nível submáximo2 ou máximo de esforço3,4.

Wilkoff2 definiu o índice‐cronotrópico (IxC) como o quociente entre a reserva cronotrópica e a reserva metabólica a nível de esforço submáximo. Este IxC tem a vantagem de ser ajustado à idade e capacidade funcional do indivíduo e de ser independente do ergómetro ou do protocolo utilizado. Em adultos normais, a percentagem da reserva cronotrópica (RC) é igual à percentagem da reserva metabólica. Este conceito permite avaliar o cronotropismo em qualquer ponto de uma PE através da fórmula: FC no estádio é igual a (220‐idade‐FC em repouso) multiplicada por (METs no estádio‐1 a dividir pelos METs atingidos no pico de esforço). O IxC normal é de 1,0, aceitando‐se uma oscilação entre 0,8 e 1,3. Caso seja ≤ a 0,8 num determinado ponto, considera‐se existir se IC.

Também pode ser determinado a nível de esforço máximo, considerando o valor da FCMP em função da idade, com base numa das várias equações e calculando a respetiva percentagem que foi alcançada pela FC mais elevada atingida numa PE interrompida por exaustão. Neste caso, há duas dificuldades: escolher a equação que melhor se aplica ao indivíduo em estudo e garantir que foi atingido o grau de exaustão.

Relativamente às fórmulas não há consenso entre peritos nem orientações unívocas nas recomendações internacionais3,4. A maioria dos laboratórios de fisiologia de esforço continua a utilizar a fórmula clássica (FCM= 220‐idade), embora alguns estudos tenham sugerido que fórmula de Brawner (FCM = 164‐idade x 0,7) seria a mais adequada para indivíduos com doença coronária suspeitada ou confirmada5, particularmente para os que estão submetidos a terapêutica BB, e a fórmula de Tanaka6 (FCM=206‐idade x 0,88) para indivíduos saudáveis. Qualquer das equações propostas tem subjacente um desvio‐padrão à volta de 10‐20 pulsações, o que tem motivado que a maioria dos centros não tenha abandonado a equação FCM = 220‐idade por ser de uso mais fácil e não verem utilidade significativa nas alternativas.

A segunda dificuldade tem a ver com a certeza de que a CF máxima foi atingida. Habitualmente isto é realizado de forma subjetiva quando o doente ou os executantes da PE consideram que a exaustão física foi atingida. Se quisermos ser rigorosos teremos que efetuar uma PECR na qual deve ser atingida uma intensidade de esforço que condicione o atingimento de valor de um valor quociente respiratório (QR) superior a 1.104. É um erro grosseiro considerar suficiente o critério do atingimento de 85% da FCMP para definir uma prova de esforço máxima e decidir a sua interrupção.

Na realidade, a melhor metodologia para calcular o IxC implica a seleção de um protocolo específico para estudar o cronotropismo como o CAEP7 e a realização de uma PECR em que se atinge um QR superior a 1,10.

Após a realização da PE, se pretendermos avaliar a IC pela FCM atingida, teremos que optar por uma das suas definições. A definição de IC na bibliografia médica não é consensual, encontrando‐se critérios para IC com base em percentagens que oscilaram entre de 70, 80 e de 85% da FCMP, embora os valores mais consensuais sejam a incapacidade de atingir 85% da FCMP ou 80% da reserva cronotrópica (a diferença entre a FC em repouso e a FC atingida no esforço máximo) em indivíduos não submetidos a medicação BB e 62% da FCMP em doentes sob BB com base na fórmula FCM = 220‐idade. A fórmula de Brawner e outras subestimam significativamente a FCM, como se pode verificar no trabalho de Tiago Pimenta et al.

As dificuldades metodológicas e as atuais inconsistências da definição de IC devem promover a realização de estudos prospetivos que permitam estabelecer uma metodologia de avaliação e uma definição mais precisas e consensuais, já que a avaliação do cronotropismo durante o esforço já demonstrou ter elevado valor prognóstico para morbimortalidade cardiovascular.

No contexto de doença cardiovascular, particularmente na insuficiência cardíaca8, quer o IxC quer a redução da FC no primeiro e no terceiro minutos da recuperação, tal como a variabilidade da FC, também são preditores de mau prognóstico, sendo modificáveis pelo exercício aeróbio9. O estudo da variabilidade da FC no decorrer do esforço exige o recurso a software específico não disponibilizado habitualmente pelos equipamentos de provas de esforço.

Conflitos de interesse

O autor declara não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
J. Tiago Pimenta, Afonso, Rocha.
Cardiac Rehabilitation and Improvement of Chronotropic Incompetence: Is It the Exercise or Just the Beta‐Blockers?.
Rev Port Cardiol, 40 (2021), pp. 947-953
[2]
B.L. Wilkoff, R.E. Miller.
Exercise testing for chronotropic assessment.
Cardiol Clin., 10 (1992), pp. 705-717
[3]
P.H. Brubaker, D.W. Kitzman.
Chronotropic Incompetence: Causes.
Consequences and Management. Circulation., 123 (2011), pp. 1010-1020
[4]
D.-M. Marcadet, et al.
French Society of Cardiology guidelines on exercise tests (part 1): Methods and interpretation.
Arch Cardiovasc Dis, 111 (2018), pp. 782-790
[5]
C.A. Brawner, J.K. Ehrman, J.R. Schairer, et al.
Predicting maximum heart rate among patients with coronary heart disease receiving beta‐adrenergic blockade therapy.
Am Heart J., 148 (2004), pp. 910-914
[6]
H. Tanaka, K.D. Monahan, D.R. Seals.
Age‐predicted maximal heart rate revisited.
J Am Coll Cardiol., 37 (2001), pp. 153-156
[7]
B.L. Wilkoff, J. Corey, G. Blackburn.
A Mathematical Model of the Cardiac Chronotropic Response to Exercise.
Journal of Electrophysiology, 3 (1989), pp. 176-180
[8]
T. Guiraud, M. Labrunee, K. Gaucher-Cazalis, et al.
High‐intensity interval exercise improves vagal tone and decreases arrhythmias in chronic heart failure.
Med Sci Sports Exerc., 45 (2013), pp. 1861-1867
[9]
F.S. Routledge, T.S. Campbell, J.A. McFetridge-Durdle, et al.
Improvements in heart rate variability with exercise therapy.
Can J Cardiol, 26 (2010), pp. 303-312
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