Informação da revista
Vol. 31. Núm. 10.
Páginas 637-639 (Outubro 2012)
Vol. 31. Núm. 10.
Páginas 637-639 (Outubro 2012)
Comentário editorial
Open Access
Síndrome metabólica: a sua existência e utilidade do diagnóstico na prática clínica
Metabolic syndrome: What is it and how useful is the diagnosis in clinical practice?
Visitas
19675
Evangelista Rocha
Serviço de Cardiologia, Hospital Militar Principal, Lisboa, Portugal
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Texto Completo

Conceito: A síndrome metabólica (SM) está identificada desde há algumas décadas, embora com nomes e definições diversas, mas só nos últimos anos se instalou a controvérsia sobre a sua definição e significado1,2. Síndrome metabólica é uma designação que não se refere a uma doença específica, mas a uma constelação de fatores de risco de origem metabólica que têm tendência para se agruparem: obesidade central (abdominal), triglicéridos elevados, HDL colesterol baixo, intolerância à glucose e hipertensão. Não é uma verdadeira entidade clínica causada por um simples fator e revela alguma variação nos componentes entre indivíduos, sobretudo entre diferentes grupos étnicos. Apesar de o conceito estar bem definido, os critérios para o diagnóstico da SM definidos por várias organizações, tais como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Grupo Europeu para o Estudo da Resistência à Insulina (EGIR), a Federação Internacional da Diabetes (IDF), o National Cholesterol Education Program Third Adult Treatment Panel (NCEP-ATPIII), a Associação Americana da Diabetes (ADA) e a Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos (AACE), não têm sido coincidentes. Esta controvérsia deu origem a um consenso sobre a definição global da SM por iniciativa da IDF e da Associação Americana de Cardiologia/National Heart, Lung and Blood Institute (AHA/NHLBI), a que se juntaram a World Heart Federation, a Sociedade Internacional de Aterosclerose e a Associação Internacional para o Estudo da Obesidade, publicada em 20093. A principal diferença entre a definição da SM pela IDF e pelo NCEP-ATPIII estava no valor limite obrigatório (cut-off) do perímetro da cintura4,5. Essa obrigatoriedade deixou de existir, isto é, não está fixado o valor do perímetro da cintura aumentado, sendo possível utilizar valores regionais ou nacionais. Nesta definição global, os critérios para o diagnóstico clínico da SM são: perímetro da cintura aumentado (definições específicas para a população e para o país); triglicéridos elevados (≥150mg/dL) ou sob medicação com fibratos, niacina ou a fazer altas doses de ácidos gordos ω-3; HDL baixo (<40mg/dL em homens e <45mg/dL em mulheres) ou sob medicação com fibratos ou niacina; pressão arterial elevada (pressão sistólica (≥130 e/ou diastólica ≥85mm Hg) ou em tratamento com anti-hipertensores; glucose em jejum elevada (>100mg/dL) ou em tratamento com antidiabéticos. Contudo, a definição da SM ainda não está completamente harmonizada e concordante6.

Frequência: A prevalência da SM varia de acordo com a idade, o sexo, a etnia e a definição utilizada7–10. Especificando, os critérios da IDF e da AHA são mais sensíveis do que os do NCEP-ATPIII para identificar a síndrome metabólica9,10, assim como a percentagem de adolescentes com SM é inferior à observada em adultos jovens e idosos. Relativamente à influência do género na estimativa da frequência da SM, tende a ser mais baixa no sexo masculino7–9,12. No entanto, estima-se que, na maioria dos países, entre 20 e 30% da população adulta pode ser caracterizada como tendo a síndrome metabólica11,13.

Risco: O aumento da diabetes e das doenças cardiovasculares nos indivíduos com SM é incontroverso14. Dados recentes (meta-análise) indicam que nos indivíduos com SM, identificados pelos critérios do NCEP de 2001 e pelas definições revistas em 2004 (rNCEP), o risco relativo de eventos cardiovasculares e de morte é, respetivamente, 2 e 1,515. Porém, a maioria dos estudos indica que a capacidade da síndrome em predizer eventos cardiovasculares ou prever a progressão da doença não é maior do que o risco estimado pela soma dos seus componentes16,17. Ao invés, uma meta-análise publicada em 2006 aponta no sentido do aumento do risco que persiste depois do ajustamento para os fatores de risco cardiovasculares tradicionais. Esta associação foi mais forte em mulheres, em estudos que envolvem indivíduos com risco mais baixo (< 10%) e em estudos com a definição da OMS, mais do que com a do NECP ou outras definições18. Neste estudo, o risco foi maior do que a soma das suas partes, mas este ponto, ou seja, se o risco da SM é superior ao risco dos fatores tradicionais, continua em debate6.

Causas: A patogénese da SM e de cada um dos componentes não está totalmente esclarecida, mas a obesidade abdominal (central) e a resistência à insulina são as variáveis mais influentes na expressão da síndrome metabólica. O excesso de adiposidade visceral dá início ao desenvolvimento da SM, justificando a hiperinsulinémia que pode, durante anos, não estar associada a aumento da glucose em jejum ou pós-prandial enquanto a função das células-β responder. Contudo, nos indivíduos geneticamente predispostos, essas alterações surgem na sequência do defeito na secreção da insulina ou da diminuição da tolerância à glucose. Este mecanismo patogénico, a resistência à insulina, que é difícil de medir no dia a dia na prática clínica, e o processo inflamatório desencadeado pela obesidade justificam quase tudo da SM19. Com efeito, a disfunção do tecido adiposo (adipócitos) está na origem do risco da obesidade visceral associado à dislipidemia aterogénica (triglicéridos elevados, HDL baixo, elevação da ApoB, das pequenas partículas LDL densas e das pequenas partículas HDL), disfunção endotelial e hipertensão arterial13,19. Neste processo complexo, todavia, além da obesidade, interferem outros fatores metabólicos e patológicos: fatores inflamatórios, adipocitocinas (leptina, adiponectina, resistina), cortisol, stress oxidativo, fatores vasculares, hereditariedade e fatores relacionados com estilos de vida14. Na verdade, não se pode explicar tudo pela genética na medida em que a prevalência da SM tem aumentado nas últimas décadas e a nossa caracterização genética não mudou. Isto sugere a interação entre fatores ambientais e a predisposição genética para acumular energia sob a forma de gordura no desenvolvimento da síndrome metabólica. Os hábitos «culpados» mais prováveis são o consumo excessivo de calorias e de gorduras saturadas e estilos de vida sedentários, para o qual contribuem vários fatores, no domicílio, no transporte e no local de trabalho.

Prevenção e tratamento (recomendações): Pela evidência disponível, os indivíduos com SM têm um risco cardiovascular elevado. A hipótese de que a síndrome metabólica é uma resultante da resistência à insulina permite definir uma estratégia de controlo. Isto porque se a perda de peso, muitas vezes, reduz a resistência à insulina, a restrição calórica associada a uma atividade física regular20 e a uma alimentação saudável, eventualmente outras medidas terapêuticas (por exemplo, em certos casos, a cirurgia bariátrica), são medidas a adotar na prevenção e tratamento da SM19. Além disso, no presente, não existem medicamentos específicos que consigam modelar os mecanismos subjacentes da SM como um todo e reduzir o impacto dos fatores de risco e as consequências metabólicas e cardiovasculares. Nos indivíduos em que as alterações dos estilos de vida não forem suficientes e que sejam considerados com risco cardiovascular elevado, o tratamento do risco residual pode justificar a necessidade de controlar as alterações metabólicas (no metabolismo da glicose), lipídicas (dislipidemias) e a hipertensão arterial com terapêuticas adequadas. Em suma, os clínicos devem identificar os indivíduos com SM, por serem um grupo de risco elevado, para os aconselharem a adotar estilos de vida saudável. Simultaneamente, devem fazer uma estimativa do risco global para eventuais decisões terapêuticas recomendadas para a prevenção cardiovascular na prática clínica21.

O estudo de Cássia Rossa et al., apresentado nesta publicação, teve como objetivo principal determinar a prevalência da síndrome metabólica e identificar alguns fatores relacionados com o seu desenvolvimento numa amostra de trabalhadores de um hospital em Porto Alegre (Brasil). Do ponto de vista metodológico, neste estudo transversal, os AA observaram uma amostra representativa da população alvo, baseada numa prevalência estimada de 25%, proporção que está de acordo com a literatura11,13. Sublinha-se também a exclusão, na análise estatística multivariada, dos componentes da SM e as variáveis relativas às suas consequências clínicas (diabetes e doenças cardiovasculares). Como o objetivo da investigação foi identificar características socioeconómicas, demográficas e profissionais relacionadas com a existência de SM, era necessário controlar variáveis que entram na sua definição. No capítulo dos resultados, a prevalência apurada da SM (13%) foi inferior à estimada, mas isso é devido ao facto de idade média dos participantes ser relativamente baixa (35 anos). No mesmo sentido, não admira que esta prevalência tenha sido muito inferior à calculada noutro estudo realizado no Brasil numa amostra de dimensão idêntica, mas em ambulatório cardiológico (62% em homens e 65% em mulheres)22. Do mesmo modo se justifica que seja inferior à prevalência determinada em estudos de base populacional, em Portugal, respetivamente 27,5%, numa amostra com a idade média de 59 anos9, e 24%, numa amostra de âmbito nacional com a idade média de 58 anos8. Merece ainda destaque a maior prevalência da SM no grupo de menor escolaridade. É um argumento que reforça o papel de um componente ambiental na patogénese da SM em interação com fatores genéticos.

A literatura sobre SM é vasta, a controvérsia sobre a sua definição ainda continua e a dimensão do problema em termos da frequência nem sempre é coincidente. Há que ter em conta que a prevalência da SM depende de características metodológicas, no domínio da amostragem e do diagnóstico, pelo que os estudos comparativos estão muitas vezes limitados. De qualquer modo, a SM é frequente e considerado um estado de obesidade de risco elevado23. Por outro lado, na medida em que a obesidade está aumentar na população jovem, é de prever uma subida da prevalência da síndrome metabólica. Por estas razões, há necessidade de definir uma estratégia baseada na informação para os diversos grupos populacionais, desde a escola ao local de trabalho. É fundamental evitar a obesidade, optando por estilos de vida que consistem em escolhas alimentares saudáveis e atividade física regular para perder peso ou evitar o excesso ponderal. Se esta componente comportamental não se aplicar ou não for eficaz, teremos uma sociedade cada vez mais medicada. Para isso, será preciso envolver profissionais de saúde, educadores, organizações ativas na área da saúde, decisores políticos e autoridades de saúde, incluindo as de saúde pública na medida em que a síndrome metabólica se pode considerar um equivalente de «pandemia».

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
R. Kahn, J. Buse, E. Ferrannini, et al.
The metabolic syndrome: time for a critical appraisal: joint statement from the American Diabetes Association and the European Association for the Study of Diabetes.
Diabetes Care, 28 (2005), pp. 2289-2304
[2]
E. Rocha.
Síndrome Metabólica – Uma entidade com indefinições mas que é útil identificar na prática clínica.
Rev Port Cardiol, 27 (2008), pp. 1531-1537
[3]
K.G. Alberti, R.H. Eckel, S.M. Grundy, et al.
Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity.
Circulation, 120 (2009), pp. 1640-1645
[4]
K.G. Alberti, P. Zimmet, J. Shaw.
The metabolic syndrome – a new worldwide definition.
Lancet, 366 (2005), pp. 1059-1062
[5]
National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III).
Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III): final report.
Circulation, 106 (2002), pp. 3143-3421
[6]
Z. Reiner, A.L. Catapano, G. De Backer, et al.
ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias. The Task Force for the management of dyslipidaemias of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Atherosclerosis Society (EAS). Developed with the special contribution of: European Association for Cardiovascular Prevention & Rehabilitation.
European Heart Journal, 32 (2011), pp. 1769-1818
[7]
E.S. Ford, W.H. Giles, W.H. Dietz.
Prevalence of the metabolic syndrome among US adults: findings from the third National Health and Nutrition Examination Survey.
JAMA, 287 (2002), pp. 356-359
[8]
M. Fiúza, N. Cortez-Dias, S. Martins, et al.
Síndrome metabólica em Portugal: Prevalência e implicações no risco cardiovascular – Resultados do Estudo Valsim.
Rev Port Cardiol, 27 (2008), pp. 1495-1529
[9]
A.C. Santos, H. Barros.
Impact of metabolic syndrome definitions on prevalence estimates: a study in a Portuguese community.
Diab Vasc Dis Res, 4 (2007), pp. 320-327
[10]
G. Mancia, M. Bombelli, R. Facchetti, et al.
Impact of different definitions of the metabolic syndrome on the prevalence of organ damage, cardiometabolic risk and cardiovascular events.
J Hypertens, 28 (2010), pp. 999-1006
[11]
M.S. Grundy.
Metabolic syndrome pandemic.
Arterioscler Thromb Vasc Biol, 28 (2008), pp. 629-636
[12]
T.A. Lennie.
The Metabolic Syndrome.
Circulation, 114 (2006), pp. e528-e529
[13]
The IDF Consensus Worldwide Definition of the Metabolic Syndrome 2006. Disponível em: www.idf.org/metabolic-syndrome
[14]
S.M. Grundy, J.I. Cleeman, S.R. Daniels, et al.
Diagnosis and management of the metabolic syndrome: an American Heart Association/National Heart, Lung, and Blood Institute Scientific Statement.
Circulation, 112 (2005), pp. 2735-2752
[15]
S. Mottillo, K.B. Filion, J. Genest, et al.
The metabolic syndrome and cardiovascular risk a systematic review and meta-analysis.
J Am Coll Cardiol, 56 (2010), pp. 1113-1132
[16]
S.G. Wannamethee, A.G. Shaper, L. Lennon, et al.
Metabolic syndrome vs Framingham risk score for prediction of coronary heart disease, stroke and type 2 diabetes mellitus.
Arch Intern Med, 165 (2005), pp. 2644-2650
[17]
J. Koskinen, M. Kahonen, J.S. Viikari, et al.
Conventional cardiovascular risk factors and metabolic syndrome in predicting carotid intima-media thickness progression in young adults: the cardiovascular risk in young Finns study.
Circulation, 120 (2009), pp. 229-236
[18]
A.S. Gami, B.J. Witt, D.E. Howard, et al.
Metabolic syndrome and risk of incident cardiovascular events and death: a systematic review and meta-analysis of longitudinal studies.
J Am Coll Cardiol, 49 (2007), pp. 403-414
[19]
R.H. Eckel, K.G.M.M. Alberti, S.M. Grundy.
The metabolic syndrome (comment).
[20]
S. Pereira, D. Pereira.
Síndrome metabólico e actividade física.
Acta Med Port, 24 (2011), pp. 785-790
[21]
Perk J, De Backer G, Glhlke H, et al. The Fifth Joint Task Force of the European Society of Cardiology and Other Societies on Cardiovascular Disease Prevention in Clinical Practice (constituted by representatives of nine societies and by invited experts) Developed with the special contribution of the European Association for Cardiovascular Prevention & Rehabilitation (EACPR). Eur Heart J. http://dx.doi.org/10.1093/eurheartj/ehs092.
[22]
J.B. Barbosa, A.A.M. Silva, F.F. Barbosa, et al.
Síndrome Metabólica em Ambulatório Cardiológico.
Arq Bras Cardiol, 94 (2010), pp. 46-54
[23]
I. Jialal.
The tenth anniversary of metabolic syndrome and related disorders (Editorial).
Metab Syndr Relat Disord, 10 (2012), pp. 1-2
Copyright © 2012. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.