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Vol. 31. Núm. 1.
Páginas 1-6 (Janeiro 2012)
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Páginas 1-6 (Janeiro 2012)
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O ressurgimento da aterectomia rotacional na era dos stents farmacoativos - A experiência de um centro
Rotational atherectomy in the drug-eluting stent era: A recent single-center experience
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Luís Seca
Autor para correspondência
luisseca@gmail.com

Autor para correspondência.
, Romeu Cação, Joana Silva, Paula Mota, Marco Costa, António Leitão Marques
Centro Hospitalar de Coimbra, EPE, Coimbra, Portugal
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Figuras (1)
Tabelas (3)
Tabela 1. Características clínicas.
Tabela 2. Características angiográficas pré intervenção.
Tabela 3. Características do procedimento/intervenção.
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Resumo
Introdução

A intervenção coronária percutânea (ICP) de lesões gravemente calcificadas constitui um desafio para o cardiologista de intervenção, estando associada a maior taxa de reestenose e necessidade de reintervenção na lesão alvo. A preparação adequada das lesões pela técnica de aterectomia rotacional (AR), seguida da colocação de stent farmacoativo, tem demonstrado resultados favoráveis.

Objectivo

Reportar a experiência recente do nosso centro na utilização de AR para o tratamento de lesões coronárias complexas e calcificadas.

Material e métodos

Analisámos retrospetivamente uma série de doentes consecutivos submetidos a ICP com recurso a AR no período de Janeiro de 2009 a Dezembro de 2010. Foram incluídos 42 doentes (dts), dos quais 65% tinham sido recusados para cirurgia por apresentarem múltiplas comorbilidades ou anatomia coronária desfavorável. A AR foi realizada utilizando o sistema Rotablator® da Boston Scientific. O procedimento foi realizado ad-hoc em 50% dos casos e utilizou-se a via radial em 35% dos doentes. Foi avaliada a ocorrência de eventos no pós-procedimento imediato e realizado follow-up (FUP) com avaliação de eventos cardiovasculares major após a alta hospitalar – morte cardiovascular (MCV), enfarte agudo do miocárdio, reintervenção na lesão alvo (RLA) e recorrência de angina (RA).

Resultados

De um total de 1650 ICP realizadas durante um período de 23 meses desde Janeiro de 2009, 42 (2,5%) envolveram a técnica de AR. Num total de 42 doentes submetidos a AR (70,3±,1 anos, 67% homens, 55% de diabéticos), 3 apresentavam doença (DC) de tronco comum (TC), 6 dts DC de 3 vasos, 18 dts DC de 2 vasos e 15 dts DC de um vaso. As lesões tratadas (71% >20mm) classificaram-se como tipo C em 69% e oclusão total crónica em 4%. Intervencionou-se a descendente anterior em 56% dos casos. Utilizou-se uma média de 1,3 olivas por lesão e implantaram-se no total 69 stents, 81% dos quais eram farmacoativos. Verificou-se RA em 3 dts, RLA em apenas um dt e MCV em 2 dts. Em 83% dos doentes verificou-se melhoria da classe funcional.

Conclusão

A utilização da AR na ICP de lesões gravemente calcificadas, seguida de colocação de stent, é um procedimento seguro e com uma elevada taxa de sucesso, permitindo a revascularização coronária a um maior número de doentes.

Palavras-chave:
Calcificação coronária
Intervenção coronária percutânea
Aterectomia rotacional
Stents farmacoativos
Abstract
Introduction

Percutaneous coronary intervention (PCI) of heavily calcified lesions is a challenge for the interventional cardiologist and is associated with a high rate of restenosis and target lesion revascularization (TLR). Adequate lesion preparation by rotational atherectomy followed by drug-eluting stent implantation has shown favorable results.

Objective

To report the recent experience of our center with rotational atherectomy (RA) of complex and heavily calcified coronary lesions.

Methods

We retrospectively analyzed consecutive patients who underwent PCI with RA in our center between January 2009 and December 2010. A total of 42 patients were included, 65% of whom had been previously refused for coronary artery bypass grafting due to unfavorable coronary anatomy or high surgical risk. RA was performed using the standard Boston Scientific Rotablator® system. The procedure was performed ad-hoc in 50% of patients and transradial access was used in 35%. Data were collected on immediate post-procedural events and major cardiac events during follow-up – cardiovascular death, myocardial infarction, TLR and recurrent angina.

Results

Of 1650 PCIs performed in a 23-month period from January 2009, 42 (2.5%) involved RA, a total of 42 patients (mean age 70.3±10.1 years, 67% male, 55% diabetic), three of whom had left main disease, six had three-vessel disease, 18 had two-vessel disease and the other 15 had single-vessel disease. Of the lesions treated, 71% were >20 mm long and classified in 69% of cases as type C according to the ACC/AHA lesion classification, 4% being chronic total occlusions. The left anterior descending artery was treated in 56% of the procedures. The mean number of burrs used per lesion was 1.3 and a total of 69 stents were implanted, 81% of which were drug-eluting. During follow-up three patients had recurrent angina, one required TLR and two died due to a cardiovascular event. There was significant clinical improvement in 83% of patients.

Conclusions

This study demonstrates that rotational atherectomy followed by stenting in heavily calcified lesions can nowadays be performed with high success rates and few complications, extending the possibility of coronary revascularization to a greater number of patients.

Keywords:
Coronary calcification
Percutaneous coronary intervention
Rotational atherectomy
Drug-eluting stents
Texto Completo
Introdução

A intervenção coronária percutânea (ICP) de lesões gravemente calcificadas constitui um desafio para o cardiologista de intervenção, estando associado a uma maior taxa de reestenose e necessidade de reintervenção na lesão alvo. A calcificação significativa e geometria da placa aterosclerótica dificultam muitas vezes a transposição adequada da lesão com o balão ou stent1, reduzindo a distensibilidade da parede vascular e predispondo assim à ocorrência de dissecção coronária, má expansão e aposição incompleta de stent após angioplastia2–3. A preparação adequada das lesões pela técnica de aterectomia rotacional (AR) tem demonstrado resultados favoráveis na modificação da placa gravemente calcificada, facilitando a colocação do stent e a sua adequada expansão4–5. A colocação de stent metálico após AR de lesões calcificadas apresenta uma percentagem elevada de sucesso imediato, mas associa-se a taxas de reestenose significativas6. Estudos recentes demonstraram no entanto que a implantação de stent farmacoativo após AR em lesões calcificadas reduzem de forma significativa a reestenose e a necessidade de reintervenção na lesão alvo7.

Com este trabalho pretendemos apresentar a experiência recente do nosso centro no tratamento de lesões coronárias calcificadas com recurso à AR, utilizando preferencialmente stents farmacoativos.

Material e métodos

Analisamos de forma retrospetiva o número recente de doentes consecutivos com doença coronária sintomática, submetidos a ICP de lesões gravemente calcificadas e angiograficamente significativas (estenose50%), com recurso à técnica de aterectomia rotacional (AR), no período de Janeiro de 2009 a Dezembro de 2010. A decisão de realizar AR previamente à angioplastia baseou-se essencialmente na presença de calcificação grave na fluoroscopia, antecipando assim dificuldades na transposição das lesões e sua adequada pré-dilatação com balão.

Foi usada ecografia intracoronária (IVUS – Intravascular Ultrasound), sempre que a gravidade da doença o permitiu, em caso de dúvidas quanto ao grau de calcificação e extensão das lesões, dimensão do calibre do vaso, localização preferencial do cálcio (superficial e/ou profundo), envolvimento de bifurcações ou localização ostial da placa e para avaliação de resultado final (confirmação da correta expansão e aposição dos stents).

A escolha do acesso arterial (radial versus femoral) para o procedimento foi feita tendo em conta as dificuldades de canulação e suporte de cateter no cateterismo diagnóstico, bem como a possibilidade de usar dispositivos e técnicas que necessitam de maior calibre de introdutor. Assim, caso se antecipasse a necessidade de utilização de olivas de calibre superior a 1,5mm (implicando por isso a colocação de introdutores ≥7F), era escolhido preferencialmente o acesso por via femoral. Por outro lado, se as olivas necessárias fossem de calibre igual ou inferior a 1,5mm, a via radial era o acesso preferencial (utilizando para esse fim introdutores de calibre 6F).

Todos os doentes foram tratados com ácido acetilsalicílico (100-150mg por dia) e clopidogrel (dose de carga de 300mg seguido de 75mg por dia) e, durante o procedimento, com heparina não fracionada (dose de 70U/Kg). Foi administrada uma perfusão contínua pelo sistema intracoronário de solução salina com verapamil, nitratos e heparina para prevenção da formação de trombo e espasmo coronário com consequente no-reflow.

A aterectomia rotacional foi realizada com o sistema Rotablator Boston Scientific®, que incluiu uma guia Rotawire de 0,009mm, Rotalink advancer e uma consola com botija e respetivo pedal (Figura 1).

Figura 1.

Sistema Rotablator®. a) Oliva; b) Rotalink Advancer; c) Consola.

(0,09MB).

A AR foi realizada com a designada estratégia de «expansão facilitada», consistindo na utilização da oliva de menor calibre necessária para alterar a superfície da placa e permitir a expansão adequada do balão antes da colocação do stent. A oliva foi introduzida através do cateter com dyna-glide para evitar a fricção e colocada imediatamente proximal à estenose para não lesionar o segmento normal do vaso. A ablação da placa foi realizada com a técnica de pecking com rotação média de 140 000rpm. A duração de cada aplicação foi de 15-20 segundos, com interrupção imediata caso se verificasse uma redução superior a 5000rpm (traduzindo um aumento da resistência e sobreaquecimento do vaso). Após preparação adequada da lesão, foi realizada pré-dilatação com balão (a baixa pressão para evitar dissecção) e posterior implantação de stent. Apesar de se privilegiar a colocação de stent farmacoativo, foram colocados stents metálicos simples sempre que o doente apresentasse contraindicações para dupla antigregação prolongada. O sucesso do procedimento foi atingido sempre que se colocasse um stent na lesão e se confirmasse angiograficamente uma estenose residual <20%, fluxo TIMI 3.

Foram avaliados os tempos de procedimento, duração do internamento hospitalar e eventos cardiovasculares major até à alta hospitalar (ECM1) – enfarte agudo do miocárdio (definido pela elevação >3x ao valor basal de troponina I), morte cardiovascular e reintervenção na lesão alvo (RLA) e acidente vascular cerebral. Foi ainda realizado follow-up (FUP) após a alta hospitalar por via telefónica ou em consulta de rotina com avaliação de ECM2 - morte cardiovascular (MCV), enfarte agudo do miocárdio, reintervenção da lesão alvo (RLA) e recorrência de angina.

Resultados

De um total de 1650 ICP realizadas durante um período de 23 meses desde Janeiro de 2009, 42 (2,5%) envolveram a técnica de AR. As características clínicas e demográficas estão descritas na Tabela 1. A média de idades foi de 70,3±10,1 anos, com 28 doentes do sexo masculino (67%) e um total de 23 diabéticos (55%). De notar que 65% dos doentes foram previamente propostos para cirurgia de revascularização miocárdica, tendo sido recusados por apresentarem múltiplas comorbilidades ou anatomia coronária desfavorável.

Tabela 1.

Características clínicas.

 
N° total de doentes  42   
Idade média (anos)  70,3±10,1   
Sexo masculino  28  67 
Diabetes mellitus  23  55 
Hipertensão  36  86 
Dislipidémia  26  62 
Tabagismo activo  9,5 
Ex fumador  14 
Insuficiência renal  21 
Enfarte prévio  20  48 
ICP* prévia  11  26 
Cirurgia bypass Ao-co* prévia 
Apresentação clínica     
Angina estável  27  64 
Angina instável  12 
EAMSSTa  19 
EAMSTa 
a

ICP: intervenção coronária percutânea; Ao-co: aorto-coronário; EAMSST: enfarte agudo do miocárdio sem supra de ST; EAMST: enfarte agudo do miocárdio com supra ST.

A angioplastia coronária foi realizada de forma programada em 50% dos casos, tendo o procedimento sido realizado de forma imediata após a coronariografia diagnóstica nos restantes.

O procedimento foi realizado exclusivamente por via femoral em 23 doentes (55%), por via radial em 15 doentes (35%) e com cross-over de radial para femoral em 4 doentes (10%). As características angiográficas estão descritas na Tabela 2. Um total de 45 vasos foram submetidos a AR, envolvendo a artéria descendente anterior em 25 doentes (56%), a coronária direita em 11 (24%) e a circunflexa em 6 (13%). O tronco comum foi concomitantemente submetido a angioplastia em 3 casos (7%), um dos quais era protegido. A maioria das lesões apresentava um comprimento superior a 20mm (71%), com 88% a classificaram-se como tipo B2 ou C. Foi utilizado IVUS para melhor caracterização das lesões em cerca de 35% dos casos (correspondendo a 15 doentes), confirmando em todos a necessidade de realização de aterectomia rotacional para superar a calcificação grave das placas ateroscleróticas.

Tabela 2.

Características angiográficas pré intervenção.

 
Doença coronária
Um vaso  15  36 
Dois vasos  18  43 
Três vasos  14 
Tronco comum 
Vaso intervencionado
Descendente anterior  25  56 
Circunflexa  13 
Coronária direita  11  24 
Tronco comum 
Lesão ostial  20 
Bifurcação  18 
Oclusão total crónica 
Classificação das lesõesa     
Lesão tipo B1  12% 
Lesão tipo B2  19% 
Lesão tipo C  29  69% 
a

Segundo a classificação da AHA/ACC.

As características do procedimento e intervenção coronária estão descritas na Tabela 3. Foi utilizada apenas uma oliva em 32 vasos (76%), 2 olivas em 8 vasos (19%) e 3 olivas em 2 vasos (5%). A oliva mais utilizada e de forma exclusiva foi a de 1,25mm (62%), com um tamanho médio de oliva de 1,43mm e um ratio médio de oliva/vaso de 0,46. Foram implantados 69 stents no total dos procedimentos, 81% dos quais eram stents farmacoativos.

Tabela 3.

Características do procedimento/intervenção.

 
Aterectomia rotacional
N° olivas por vaso (média)  1,26±0,49   
Tamanho médio da oliva (mm)  1,43±0,24   
Tamanho mínimo da oliva (mm)  1,25   
Tamanho máximo da oliva (mm)   
Ratio oliva/vaso  0,46   
Stent
Total stents implantados  69   
Stents farmacoactivos  56  81 
stents por vaso, n (média)  1,76±0,82   
Diâmetro stent, mm (médio)  3,07±0,46   
Comprimento total stent, mm (médio)  35,4±17,6   
Utilização de inibidores IIb/IIIa 
Sucesso angiográfico    100 

Foi conseguida revascularização completa em 17 doentes (40%).

Não se verificaram complicações significativas no peri-procedimento, exceto um caso de no-reflow, com resposta imediata e eficaz à administração intracoronária de adenosina e verapamil. Verificou-se sucesso angiográfico em todos os procedimentos, não se registando a ocorrência de eventos major até à alta hospitalar. O tempo médio dos procedimentos foi de 110,2±30 minutos, não se verificando diferenças na duração das intervenções realizadas de forma programada ou ad-hoc. A duração média do internamento foi de 1,8±0,3 dias.

Foi obtido FUP (9±5meses) após a alta hospitalar em 37 doentes (88%), não tendo sido possível contactar os restantes 5 doentes (a residir fora do país). 2 doentes faleceram de causa cardiovascular cerca de 12 meses após o procedimento. Um doente foi submetido a RLA com sucesso, 11 meses após implantação de 2 stents farmacoativos na artéria coronária direita, tendo-se realizado angioplastia da reestenose com balão eluidor de fármaco. 3 doentes apresentaram recorrência de angina (classe II da CCS) entre 12-20 meses após o procedimento, não se verificando no entanto progressão da doença ou reestenose de stent após nova coronariografia, pelo que foi intensificada terapêutica médica. Um doente referiu manutenção da classe funcional apesar da ICP realizada (apresentava ateromatose difusa distal em múltiplos vasos). Nos restantes doentes (83%), verificou-se melhoria significativa da classe funcional (classe 0-I da CCS). Não se verificou nenhum reinternamento por enfarte agudo do miocárdio.

Discussão

O tratamento percutâneo de lesões coronárias gravemente calcificadas envolve um conjunto de dificuldades técnicas que podem influenciar significativamente o sucesso final do procedimento. A dilatação incompleta de lesões estenóticas fibrocalcificadas (resultando num menor ganho agudo luminal) e as tentativas repetidas de insuflação com balões de alta pressão aumentam o risco de reestenose e dissecção/perfuração do vaso8.

O IVUS pode ter aqui um papel importante para uma correta avaliação e caracterização da placa aterosclerótica, determinando o grau de calcificação e acima de tudo a sua localização preferencial. As lesões que exibem cálcio superficial respondem mais favoravelmente à aterectomia rotacional que à simples pré-dilatação com balão9,10.

Na tentativa de superar as dificuldades técnicas inerentes à calcificação coronária, foram desenvolvidos ao longo do tempo diversos dispositivos, entre eles a aterectomia rotacional. O seu princípio consiste na utilização de uma oliva revestida por partículas de diamante, que sob movimento de rotação a alta velocidade, pulveriza uma parte da placa aterosclerótica fibrocalcificada, deixando uma superfície lisa e não endotelizada, preservando no entanto intacta a camada média da parede vascular11.

Para além de lesões calcificadas, a AR também demonstrou ser eficaz no tratamento de outras situações, nomeadamente: 1 - Lesões ostiais (aorto-ostiais e não aorto-ostiais), aumentando o sucesso do procedimento e reduzindo a taxa de reestenose quando comparada com colocação isolada de stent12–15; 2 - Oclusões crónicas totais, facilitando a colocação de stent e reduzindo igualmente a taxa de reestenose16–17; 3 - Doença difusa com várias bifurcações, reduzindo significativamente a perda de vasos secundários18,19; 4 - Subexpansão de stent (apesar de sobredilatação com balões de alta pressão), através da pulverização do complexo stent+cálcio, permitindo a posterior implantação de novo stent20.

Assim, a AR bem sucedida permite melhorar a complacência arterial e criar um trajeto acessível para a passagem adequada de balão e stent21. A aplicação desta técnica previamente à colocação do stent permite uma redução efetiva da placa aterosclerótica e da sua redistribuição axial, diminuindo, respetivamente, o risco de reestenose e oclusão dos vasos colaterais no caso de se tratar de uma bifurcação.

Na era pré-stent, apesar de facilitar a colocação do balão no local da lesão, a AR condicionou uma elevada taxa de reestenose e consequente RLA, que atingiu 40% em algumas séries22. A utilização combinada de angioplastia com balão e implantação de stent metálico após AR reduziu a reestenose e RLA, mas manteve-se ainda em torno dos 20%.

A introdução dos stents farmacoativos veio reduzir ainda de forma mais significativa a reestenose e RLA tanto em lesões calcificadas como não calcificadas23. A sua colocação em situações de anatomia coronária complexa, nomeadamente lesões excêntricas e gravemente calcificadas, é por vezes difícil e pode associar-se a complicações significativas, como trombose de stent e degradação do polímero (com consequente libertação ineficaz do fármaco antiproliferativo). A preparação adequada das lesões previamente à implantação de stent farmacoativo é por isso fundamental, assegurando a sua correta expansão e reduzindo complicações tardias. Vários estudos recentes têm vindo a demonstrar a eficácia da estratégia combinada de AR seguida de stent farmacoativo no tratamento de lesões gravemente calcificadas24,25. Na série de Rathore et al., a sua utilização reduziu em mais de 50% a taxa de reestenose e RLA quando comparada com a estratégia de AR+stent metálico7.

O ressurgimento da AR na era dos stents farmacoativos traduz a dificuldade em tratar a doença coronária dos dias de hoje, em doentes mais idosos e com lesões mais calcificadas e complexas. A elevada percentagem de doentes diabéticos, com insuficiência renal, doença multivaso e com recusa prévia para cirurgia de bypass, presente na nossa casuística, reflete a importância que esta técnica assume na expansão das indicações para revascularização coronária. Apesar de não se ter obtido uma percentagem significativa de revascularização completa, a melhoria dos sintomas e qualidade de vida dos doentes foi evidente, à custa de uma baixa taxa de complicações no peri-procedimento e de ECM no FUP.

A utilização do acesso radial, num número considerável de procedimentos, permitiu ainda uma redução do tempo de internamento e uma deambulação mais precoce do doente. Foi necessária no entanto a realização de cross-over do acesso arterial (radial-femoral) em 4 doentes, já que o calibre significativo dos vasos em questão (>3mm) implicou a escolha de olivas 1,75-2mm e por isso um introdutor 7F.

Apesar de se tratar de um estudo retrospetivo e com uma amostra pequena de doentes, é de realçar a semelhança nos tempos de procedimento entre as intervenções realizadas de forma ad-hoc e eletiva. O acesso rápido a todo o material necessário e uma equipa motivada permite assim integrar facilmente a realização deste tipo de intervenções complexas na atividade diária de um Laboratório de Cardiologia de Intervenção.

Conclusões

A utilização da técnica de AR de lesões coronárias gravemente calcificadas, associada à implantação de stents farmacoativos, apresenta uma baixa taxa de complicações e resultados favoráveis a longo prazo. A AR pode ser usada como estratégia de revascularização ad hoc, com via de acesso radial e em quase todo o tipo de anatomia coronária, muito embora seja fundamental um treino específico de toda a equipa de hemodinâmica bem como o respeito da curva de aprendizagem para evitar complicações.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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