Informação da revista
Vol. 36. Núm. 11.
Páginas 807-808 (Novembro 2017)
Vol. 36. Núm. 11.
Páginas 807-808 (Novembro 2017)
Comentário editorial
Open Access
Necessidades clínicas na embolia pulmonar: simplificação do tratamento e muito mais
Unmet needs in pulmonary embolism: Simplified anticoagulation and much more
Visitas
4398
Carlos Aguiar
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Hospital Santa Cruz, Serviço de Cardiologia, Carnaxide, Portugal
Conteúdo relacionado
Sónia Martins Santos, Susana Cunha, Rui Baptista, Sílvia Monteiro, Pedro Monteiro, Francisco Gonçalves, Mariano Pêgo
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Texto Completo

O tromboembolismo venoso (TEV) é a terceira doença cardiovascular mais frequente depois do acidente vascular cerebral e do enfarte do miocárdio, atinge pelo menos uma pessoa em cada 1000da população geral1. A sua incidência aumenta exponencialmente com a idade; em cada três doentes com embolia pulmonar (EP), dois têm pelos menos 60 anos. O TEV é uma causa comum de morte, é responsável por mais de três milhões de mortes todos os anos; a EP, concretamente, é a causa evitável mais comum de morte relacionada com um internamento hospitalar. A EP é fatal em cerca de 30% dos casos não tratados e metade das mortes, muitas vezes súbitas, ocorre nas primeiras horas de evolução. A apresentação clínica da EP é muito variável e o seu diagnóstico requer um elevado índice de suspeição. Por tudo isso, o TEV tem justamente merecido atenção especial nas políticas de melhoria da qualidade dos cuidados de saúde. A prevenção, o diagnóstico e a iniciação rápida do tratamento apropriado são componentes cruciais de uma estratégia para a redução da mortalidade e da carga de doença imputável ao TEV. Outras consequências do TEV incluem a recorrência – que é particularmente elevada nos primeiros meses após o episódio inicial, assim como nos casos de TEV espontâneo ou associado a cancro ativo – e complicações crónicas como a síndrome pós‐trombótica e a hipertensão pulmonar tromboembólica, que determinam sofrimento, morbidade e podem encurtar a esperança de vida.

A epidemiologia da EP em Portugal foi recentemente caracterizada com dados dos internamentos nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, entre 2003 e 20132. Nesse período, ocorreram 35200 episódios de internamento (de doentes adultos) em que pelo menos um dos diagnósticos foi EP (diagnóstico principal em 67% dos casos). A taxa de incidência estimada em 2013 foi de 35 por 100000 habitantes (na população adulta), um valor inferior ao de outros países e que por isso leva a perguntar se há uma maior taxa de subdiagno¿stico em Portugal. Entre 2003 e 2013, o número anual de episódios aumentou, mas a taxa de mortalidade intra‐hospitalar diminuiu (de 31,8% para 17% em todos os episódios e de 25% para 11,2% nos episódios com EP como diagnóstico principal). Os autores do estudo estimam que 79% da redução da mortalidade intra‐hospitalar da EP observada nos anos mais recentes podem ser atribuídos à maior efetividade dos cuidados de saúde hospitalares e o restante à alteração favorável nas características dos doentes associadas ao risco de morte.

O TEV, e a EP em concreto, estão mais próximos da cardiologia do que é percebido. Vários dos fatores de risco predisponentes para o TEV são frequentemente encontrados nos doentes com patologia cardíaca: idade avançada, obesidade, diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, fumo de tabaco, doença pulmonar obstrutiva crónica, dislipidemia e hipertensão arterial3. A prevalência de calcificação coronária é significativamente maior nos doentes com história de TEV espontâneo do que na população geral4. No primeiro ano após um episódio de TEV, o risco de internamento por enfarte do miocárdio ou acidente vascular cerebral aumenta duas a três vezes5; por sua vez, nos primeiros seis meses após um episódio de enfarte do miocárdio, o risco de EP aumenta oito vezes6.

A terapêutica de reperfusão, habitualmente a trombólise, é fundamental na EP que se apresenta com choque ou hipotensão (considerada EP com risco elevado). Na EP sem risco elevado, a anticoagulação durante um mínimo de três meses é uma parte essencial do tratamento, para evitar a morte precoce e as recorrências sintomáticas ou fatais. Nos primeiros cinco a dez dias, a Sociedade Europeia de Cardiologia recomenda começar com um anticoagulante parentérico (heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular ou fondaparinux) e depois passar para um antagonista da vitamina K (nesse caso, é necessário um período de sobreposição de fármacos) ou um anticoagulante oral direto (DOAC, dabigatrano ou edoxabano)1. Quando se opta pelo rivaroxabano ou o apixabano, a anticoagulação pode ser totalmente oral desde o momento do diagnóstico, embora com uma dose maior do fármaco nas primeiras três semanas ou sete dias, para o rivaroxabano ou o apixabano, respetivamente. Nos doentes com maior risco de recorrência, a duração ideal da anticoagulação é superior a três meses ou até mesmo vital, mas o risco hemorrágico tem que ser ponderado e periodicamente reavaliado nessa decisão.

Os resultados dos ensaios clínicos dos quatro DOACs no tratamento do TEV mostram que esses fármacos são pelo menos tão eficazes quanto a estratégia que usa um antagonista da vitamina K e possivelmente mais seguros (em termos de hemorragias major)7. Juntos com as múltiplas limitações dos antagonistas da vitamina K e as inconveniências e riscos dos anticoagulantes parentéricos, esses resultados mostram que os DOACs são uma estratégia terapêutica muito atrativa para a prevenção e o tratamento do TEV. Este número da Revista Portuguesa de Cardiologia contribui para a acumulação de experiência com o uso dos DOACs no TEV com risco moderado a elevado8. Os autores concluem que esses fármacos são tão eficazes e seguros quanto a estratégia histórica e permitem encurtar a duração do internamento.

Em suma, o TEV é uma patologia comum e letal, que atinge doentes internados e ambulatórios, recorre frequentemente, está subdiagnosticada e leva a complicações crónicas. A medicina cardiovascular pode ter um papel relevante na redução da carga de doença atribuível ao TEV. A anticoagulação é crucial no tratamento do TEV e, nesse contexto, os DOACs têm melhor relação risco‐benefício do que os antagonistas da vitamina K, simplificam o tratamento e são mais convenientes.

Conflitos de interesse

O autor declara não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
S.V. Konstantinidis, A. Torbicki, G. Agnelli, et al.
2014 ESC Guidelines on the diagnosis and management of acute pulmonary embolism.
Eur Heart J, 35 (2014), pp. 3033-3080
[2]
M. Gouveia, L. Pinheiro, J. Costa, et al.
Embolia pulmonar em Portugal: epidemiologia e mortalidade intra‐hospitalar.
Acta Med Port., 29 (2016), pp. 432-440
[3]
Y. Mi, S. Yan, Y. Lu, et al.
Venous thromboembolism has the same risk factors as atherosclerosis: a PRISMA‐compliant systemic review and meta‐analysis.
[4]
C. Hong, F. Zhu, D. Du, et al.
Coronary artery calcification and risk factors for atherosclerosis in patients with venous thromboembolism.
Atherosclerosis, 183 (2005), pp. 169-174
[5]
H.T. Sorensen, E. Horvath-Puho, L. Pedersen, et al.
Venous thromboembolism and subsequent hospitalisation due to acute arterial cardiovascular events: a 20‐year cohort study.
Lancet., 370 (2007), pp. 1773-1779
[6]
L.B. Rinde, C. Lind, B. Smabrekke, et al.
Impact of incident myocardial infarction on the risk of venous thromboembolism: the Tromso Study.
J Thromb Haemost, 14 (2016), pp. 1183-1191
[7]
L.M. Salmerón Febres, J. Cuenca Manteca.
Direct Oral Anticoagulants in the Treatment of Venous Thromboembolic Disease.
Ann Vasc Surg., 42 (2017), pp. 337-350
[8]
S.M. Santos, S. Cunha, R. Baptista, et al.
Early, real-world experience with direct oral anticoagulants in the treatment of intermediate-high risk acute pulmonary embolism.
Rev Port Cardiol., 36 (2017), pp. 801-806
Copyright © 2017. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.