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Vol. 30. Núm. 12.
Páginas 925-927 (Dezembro 2011)
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Vol. 30. Núm. 12.
Páginas 925-927 (Dezembro 2011)
Caso clínico
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Enfarte agudo do miocárdio duplo sequencial
Sequential double vessel myocardial infarction
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Hélder Ribeiro
Autor para correspondência
hjmribeiro@gmail.com

Autor para correspondência.
, Catarina Ferreira, Ana Batista, Pedro Magalhães, Renato Margato, Sofia Carvalho, Alberto Ferreira, Pedro Mateus, Ilídio Moreira
Serviço de Cardiologia, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Unidade de Vila Real, Vila Real, Portugal
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Resumo

O enfarte agudo do miocárdio (EAM), envolvendo isquémia aguda transmural de dois territórios vasculares em simultâneo ou de forma sequencial, é fenómeno bem descrito, que se designa por enfarte combinado ou duplo (ED) mas habitualmente pouco relatado na maioria das séries de doentes admitidos por EAM. A sua rara apresentação está possivelmente relacionada com o facto de o EAM com obstrução de múltiplos vasos major causar lesão miocárdica extensa, impedindo a chegada do doente ao hospital com vida. Especula-se que o ED resulta das condições protrombóticas e inflamatórias globais associadas ao EAM.

Palavras-chave:
Enfarte agudo do miocárdio
Enfarte duplo
Enfarte combinado
Abstract

Acute myocardial infarction (AMI) involving acute transmural ischemia of two vascular territories at the same time, which is known as double or combined infarction, is a well described phenomenon but rarely reported in most series of patients admitted for AMI. This may be related to the fact that AMI with multiple vessel obstruction often causes extensive myocardial injury and death before the patient arrives at the hospital. It is speculated that double infarction results from the overall prothrombotic and inflammatory conditions associated with AMI.

Keywords:
Acute myocardial infarction
Double vessel infarction
Combined infarction
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Caso clínico

Apresentamos o caso de um homem de 78 anos, sem factores de risco vascular ou comorbilidades conhecidas. Recorreu ao serviço de urgência por dor torácica de tipo constritiva, com início em repouso e com cerca de 2 horas de evolução. Na admissão apresentava-se sintomático e em classe de Killip 1. O ECG mostrou ritmo sinusal e ondas Q em V1 e V2 associado a supradesnivelamento de ST de V1-V5 (Figura 1). Na impossibilidade de angioplastia percutânea imediata foi submetido a tratamento fibrinolítico com tenecteplase associado ao tratamento médico standard de síndromes coronárias agudas (SCA) com elevação de ST, com critérios clínicos e electrocardiográficos.

Figura 1.

ECG na admissão a mostrar RS e ondas Q em V1 e V2 associado a supradesnivelamento de ST de V1-V5.

(0,08MB).

Inicialmente evoluiu de forma favorável, sem recidiva de dor, estabilidade hemodinâmica, classe de Killip 1 e com inversão da onda T de V1 a V6 (Figura 2). Cerca de 2 horas após a fibrinólise verificou-se recidiva da dor, instabilidade hemodinâmica com hipotensão associada a alterações elétricas nomeadamente taquicardia ventricular que degenerou em fibrilação ventricular. Foi submetido a desfibrilação (elétrica) imediata com reversão a ritmo sinusal, constatando-se o aparecimento de supradesnivelamento do segmento ST nas derivações DII, DIII e aVF (Figura 3).

Figura 2.

ECG 90 minutos após a fibrinólise a evidenciar inversão da onda T de V1 a V6.

(0,07MB).
Figura 3.

ECG após desfibrilação elétrica a revelar supradesnivelamento do segmento ST em DII, DIII e aVF.

(0,07MB).

Transferido para centro com laboratório de hemodinâmica para realização de cateterismo cardíaco. Na admissão apresentava-se sem dor, estabilidade hemodinâmica, agitação psicomotora, desorientação espaciotemporal, classe de Killip 1 e ECG com ondas Q na parede anterior e inferior. O cateterismo cardíaco mostrou doença coronária de três vasos associando: estenose suboclusiva do segmento proximal da descendente anterior (DA) (culprit lesion), estenose suboclusiva do segmento proximal da coronária direita (CD) (culprit lesion) e estenose suboclusiva do segmento distal da circunflexa (Cx). Submetido a angioplastia da CD com implantação de dois stents DRIVER e da DA com um stent DRIVER. (Figuras 4 e 5)

Figura 4.

Coronariografia a mostrar estenose suboclusiva do segmento proximal da descendente anterior.

(0,06MB).
Figura 5.

Coronariografia a mostrar estenose suboclusiva do segmento proximal da coronária direita.

(0,09MB).

Evoluiu sem recidiva de angor, classe funcional II/IV NYHA, estabilidade elétrica e hemodinâmica, recuperação do estado de consciência, classe de Killip 1, pico de TnI de 120,4 ng/ml e BNP máximo de 1661 pg/ml. O ecocardiograma pré-alta mostrou: depressão ligeira a moderada da função sistólica ventricular esquerda com fração de ejeção média de 44%, acinesia da parede anteroseptal e apex, hipocinesia da parede inferior, posterior e dos segmentos distais da parede lateral. Foi transferido para o hospital de origem medicado com ácido acetilsalicílico 100mg, clopidogrel 75mg, bisoprolol 2,5mg, lisinopril 20mg, rosuvastatina 10mg e mononitrato de isossorbido de libertação prolongada 50mg, e com indicação de realizar posteriormente intervenção coronária percutânea eletiva sobre a Cx. Uma semana após a alta foi novamente reinternado por acidente vascular cerebral (AVC) isquémico com enfarte parcial no território da artéria cerebral média direita (PACI direito) de etiologia não cardioembólica ou carotídea. Foi efectuado estudo para despiste de hipercoagulabilidade incluindo anticoagulante lúpico, anticardiolipina, fator V de Leiden, doenças mieloproliferativas e doenças neoplásicas, que se revelou negativo.

Discussão/Conclusões

O EAM envolvendo duas ou mais lesões culprit em simultâneo é um evento com prognóstico sombrio e muito pouco frequente que se designa por ED ou enfarte combinado1. Na maioria dos casos envolve a coronária direita e a descendente anterior2, havendo um relato de envolvimento da descendente anterior e da circunflexa3. Apesar de ser relativamente pouco relatado na maioria das séries de doentes admitidos por EAM, estudos de autópsia revelam que a oclusão trombótica de mais do que uma artéria coronária epicárdica principal não é rara, ocorrendo em até 50% dos pacientes com enfarte4. Pollak et al na sua série de 711 doentes submetidos a ICP primária, encontrou 18 pacientes com múltiplas artérias culprit (2,5%)5. Essa discrepância é provavelmente devido ao viés de seleção, ou seja, os pacientes com múltiplas artérias culprit podem ser mais propensos a apresentar morte súbita cardíaca, não sobrevivendo tempo suficiente para uma angiografia. Os resultados do trabalho de Pollak et al5 enfatizam a gravidade clínica associada a esta condição: cerca de 1/3 dos pacientes apresentaram-se em choque cardiogénico, e 1/4 tinham arritmias potencialmente letais ou necessidade de balão intra-aórtico. Embora os factores causais envolvidos na trombose aguda e simultânea de múltiplas artérias coronárias não sejam claros, possíveis causas incluem: 1- a resposta inflamatória aumentada em resposta à libertação de catecolaminas causada pela oclusão aguda de um vaso, resultando numa segunda oclusão coronária; 2- a instabilidade hemodinâmica e hipotensão devido à oclusão de uma artéria coronária, resultando em «estase» e oclusão aguda noutra artéria com lesão grave subjacente; 3- vasoespasmo coronário prolongado (devido a angina de Prinzmetal ou no contexto da cocaína)6; 4- os estados de hipercoagulabilidade incluindo malignidade7, hiperhomocisteinemia8 e trombocitose9; 5- a embolia coronária10. No supracitado estudo de Pollak, num total de 47 pacientes, 19 (40%) tinham comorbilidades que eram potenciais factores predisponentes, incluindo história de neoplasia, vírus da imunodeficiência humana, uso de cocaína, vasoespasmo da artéria coronária, anomalias das plaquetas, fibrilação auricular e hiperhomocisteinemia. No entanto, em 60% dos casos não foram identificados factores contribuintes. O caso por nós apresentado tem a particularidade de a isquémia ter ocorrido de forma sequencial, inicialmente em território da DA e posteriormente na CD depois de o doente ter sido submetido a terapêutica antiagregante, anticoagulante e fibrinolítica, e de o doente ter sofrido um AVC isquémico de etiologia não cardioembólica ou carotídeo, duas semanas após a alta, sob terapêutica antiagregante dupla, o que é a favor de um estado de hipercoagulabilidade subjacente, como etiologia provável para o quadro clínico apresentado (apesar de o estudo efetuado ter sido negativo). Contudo, não será de desprezar o contributo da resposta inflamatória aumentada, bem como da instabilidade hemodinâmica e hipotensão que se verificou na evolução deste paciente com doença coronária grave subjacente. Menos provável, (embora possível) terá sido a contribuição de vasoespasmo ou embolia coronária.

Apresentamos o caso de uma condição clínica única envolvendo duas lesões culprit, que apesar de relativamente pouco detectada, poderá vir a ser diagnosticada mais frequentemente, na medida em que os doentes com EAM são tratados cada vez mais precocemente e de uma forma mais invasiva.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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