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Vol. 34. Núm. 3.
Páginas 215.e1-215.e4 (Março 2015)
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Vol. 34. Núm. 3.
Páginas 215.e1-215.e4 (Março 2015)
Caso Clínico
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Arterite de Takayasu: a propósito de um caso clínico
Takayasu arteritis revisited
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Bernardo Duque Nevesa,
Autor para correspondência
bernardo.neves@hospitaldaluz.pt

Autor para correspondência.
, Anabela Raimundoa, Tomás Appleton Figueirab, Francisco Pereira Machadoc, José Roquettec, João Sáa
a Departamento de Medicina Interna e Medicina Intensiva, Hospital da Luz, Lisboa, Portugal
b Departamento de Radiologia de Intervenção, Hospital da Luz, Lisboa, Portugal
c Centro Cardiovascular, Hospital da Luz, Lisboa, Portugal
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Resumo

A arterite de Takayasu é uma vasculite de grandes vasos que cursa com apresentações clínicas diversas consoante os territórios afetados. Apresenta‐se o caso clínico de uma mulher de 47 anos a quem foi feito o diagnóstico de arterite de Takayasu na sequência de doença coronária rapidamente progressiva. O quadro evoluiu rapidamente, sob corticoterapia, com formação de estenoses a nível da circulação carotídea e esplâncnica, tendo‐se conseguido estabilização da doença com pulsos de ciclofosfamida e angioplastia percutânea das lesões.

Palavras‐chave:
Arterite de Takayasu
Vasculite de grandes vasos
Vasculite
Ciclofosfamida
Doença coronária
Abstract

Takayasu arteritis is a large vessel vasculitis with various clinical presentations depending on the territories affected. We report the case of a 47‐year‐old woman who was diagnosed with Takayasu arteritis following rapid progression of coronary disease. The condition evolved rapidly under corticosteroid therapy, with formation of new arterial stenoses within the carotid and splanchnic circulations. Disease remission was achieved with cyclophosphamide pulses and percutaneous angioplasty of the affected vessels was performed.

Keywords:
Takayasu arteritis
Large vessel vasculitis
Vasculitis
Cyclophosphamide
Coronary artery disease
Texto Completo
Introdução

A arterite de Takayasu é uma vasculite rara que atinge principalmente mulheres antes da 6.ª década de vida1. A clínica varia consoante os territórios arteriais afetados, sendo a artéria subclávia esquerda a mais frequentemente envolvida, seguindo‐se aorta, carótida comum, renal e vertebral2. O envolvimento das artérias coronárias está bem documentado, constituindo a revascularização destas lesões um desafio quando a doença de base não está controlada. Na medida em que não existem marcadores específicos da doença, na maioria das situações o diagnóstico baseia‐se na identificação de lesões vasculares em exames de imagem de doentes com clínica sugestiva. Idade de início <40 anos, claudicação dos membros, assimetria de pulsos e de pressão arterial sistólica nos membros, sopro na região das artérias subclávias e estenoses dos grandes vasos arteriais em angiografia são os critérios de diagnóstico usados para distinguir esta entidade das demais vasculites1.

Caso clínico

Apresenta‐se o caso de uma mulher de 47 anos, caucasiana, com história de hipertensão arterial e anemia ferropénica crónica, sem outros antecedentes conhecidos. Cerca de três semanas antes da admissão inicia quadro de dor retroesternal com irradiação à mandíbula que aliviava com o repouso. Foi avaliada noutra instituição onde foi medicada com ácido acetilsalicílico, nitroglicerina transdérmica e nebivolol e referenciada a consulta de cardiologia urgente. Por agravamento das queixas nas 48h prévias recorre ao SU deste hospital. À admissão encontrava‐se eupneica, hipertensa, com dor desencadeada por esforços mínimos, com sopro sistólico apical II/VI, sem outras alterações ao exame objetivo. Laboratorialmente havia a destacar anemia normocítica normocrómica com Hb 10,4g/dl e elevação da troponina com subida do valor 0,21nd/dl para 0,32ng/dl. Os ECG seriados revelaram alterações dinâmicas da repolarização, sem elevação do segmento ST‐T e no ecocardiograma apresentava ligeira hipertrofia ventricular concêntrica, sem alterações segmentares e fração de ejeção normal. Admitiu‐se SCA sem elevação de ST, tendo realizado coronariografia urgente que revelou uma lesão estenótica do ostium do tronco comum, sem outras lesões coronárias. Foi submetida a cirurgia de revascularização do miocárdio com duplo bypass aorto‐coronário (mamária interna esquerda para a descendente anterior e veia safena para obtusa marginal), tendo‐se verificado no intraoperatório aspetos sugestivos de aortite, pelo que foi feita biópsia, cujo resultado anatomopatológico revelou um infiltrado inflamatório linfoplasmocitário inespecífico. Foi realizada serologia da sífilis que foi negativa. A recuperação no pós‐operatório decorreu de acordo com o espectável, não tendo sido feita investigação adicional. Cerca de quatro meses depois reinicia queixas de angor de esforço. Nesta altura à observação era evidente um diferencial de pressão medida no membro superior esquerdo, cerca de 20mmHg inferior ao registado no membro contralateral, com pulso radial muito débil à esquerda, sendo evidente palidez cutânea que surgia imediatamente após o esforço e/ou a elevação do membro homolateral. Analiticamente havia a salientar discreta trombocitose e VS de 100mm/h de novo. O ecocardiograma revelava hipocinesia da parede inferior do ventrículo esquerdo de novo, pelo que realizou nova coronariografia com identificação de lesões pré‐oclusivas da coronária direita e safena ostial. Foi submetida a angioplastia com colocação de dois stents revestidos, tendo‐se verificado durante o procedimento oclusão da artéria subclávia esquerda com preenchimento retrógrado a partir da artéria vertebral homolateral (Figura 1), aspetos que, no contexto clínico, levantaram a suspeita de vasculite de Takayasu. Realizou um angio‐TC craniano que confirmou a existência de oclusão proximal da artéria subclávia esquerda, a montante da origem da artéria vertebral esquerda (Figura 2), placa ateromatosa do segmento distal da artéria carótida primitiva direita condicionando estenose pré‐obliterativa da carótida externa e tortuosidade com angulação do trajeto cervical da artéria carótida interna direita. O eco‐Doppler carotídeo revelava coiling da carótida interna direita associado à lesão estenosante de 70%, estenose pré‐oclusiva da artéria carótida externa direita e inversão do fluxo na artéria vertebral esquerda condicionado por síndrome de roubo da subclávia esquerda. O eco‐Doppler abdominal não revelou alterações ao nível das artérias renais, nem a doente apresentava retenção azotada. Perante estes resultados e o cumprimento dos critérios de diagnóstico, foi feito o diagnóstico de arterite de Takayasu, tendo sido iniciada prednisolona 1mg/kg/dia PO. Permaneceu assintomática até cerca de um mês depois, altura em que é reinternada por duas vezes com cerca de 15 dias de intervalo por episódios de edema agudo do pulmão hipertensivo. Analiticamente verificava‐se deterioração da função renal e manutenção de parâmetros inflamatórios normais. Realizou um ecocardiograma de sobrecarga que não mostrou alterações da cinética segmentar e perante a suspeita de possível envolvimento renal da vasculite devido à persistência de lesão renal aguda importante mesmo após otimização da volemia e suspensão da medicação nefrotóxica repetiu o eco‐Doppler abdominal. Na altura, este exame revelou aorta abdominal com paredes irregularmente espessadas, com fluxo normal e presença de lesões estenosantes, com acentuada repercussão hemodinâmica ao nível da origem da artéria mesentérica superior e artéria renal esquerda. Fez uma angio‐TC abdominal que confirmou a presença de fina manga envolvendo a aorta abdominal, condicionando estenose significativa pré‐oclusiva de ambas as artérias renais e mesentérica superior, identificando ainda estenoses de cerca de 50% na artéria mesentérica inferior e tronco celíaco.

Figura 1.

Aortografia revelando estenose da artéria subclávia esquerda (1A) e preenchimento retrógrado pela artéria vertebral homolateral (1B).

(0,13MB).
Figura 2.

TC com contraste: reconstrução posterior dos vasos supra‐aórticos, notando‐se ausência de preenchimento da emergência da artéria subclávia esquerda com preenchimento retrógrado pela artéria vertebral esquerda.

(0,11MB).

Perante a evidente progressão da doença sob corticoterapia, iniciou pulsos de ciclofosfamida e foi submetida a angioplastia das artérias renais (Figura 3) e tronco celíaco, com bom resultado angiográfico e recuperação total da função renal. Desde então manteve‐se sob corticoterapia, sem novas complicações clínicas ou evidência de progressão da doença noutros territórios arteriais.

Figura 3.

Angiografia da aorta abdominal revelando estenoses pré‐oclusivas das artérias renais esquerda e direita.

(0,07MB).
Discussão e conclusão

O caso descrito assume‐se como um exemplo paradigmático da gravidade da arterite de Takayasu, bem como da complexidade na sua abordagem diagnóstica e terapêutica.

Classicamente esta doença surge em mulheres antes dos 50 anos, no entanto, várias séries recentes mostram uma prevalência elevada de idades superiores3.

A expressão clínica desta patologia é variada, podendo ser assintomática durante vários anos, apresentar‐se sob a forma de sintomas sistémicos inespecíficos, como febre, astenia, artralgias, mialgias ou sudorese noturna e mais raramente sob a forma de eventos vasculares agudos4. Dependendo do segmento arterial afetado podem surgir perturbações da visão, cefaleias, síncope, fenómeno de Raynaud, claudicação dos membros ou assimetria de pulsos com diferencial na pressão arterial entre membros2,4.

A forma de apresentação clínica desta doente foi a doença coronária, ocorrendo esta em até um terço dos doentes com arterite de Takayasu5. Mais frequentemente existe oclusão dos ostium das artérias coronárias pela aortite, embora existam vários casos descritos de arterite coronária sem oclusão do ostium6,7. A etiopatogénese ainda não é bem compreendida, mas alguns autores sugerem que além da formação de estenoses a própria inflamação contribua para a aceleração da aterosclerose coronária8.

A hipertensão arterial é uma comorbilidade muito frequente, ocorrendo em 33‐83% dos casos4. A formação de estenoses nas artérias renais contribui para este facto, estando descritas em 20‐38% dos casos6. Embora a abordagem terapêutica destas lesões seja controversa, a angioplastia por via percutânea tem mostrado bons resultados a longo prazo no que toca à terapêutica da hipertensão arterial e melhoria da função renal2,6.

A taxa de restenose varia consoante a localização e o controlo da doença, devendo as intervenções vasculares ser realizadas preferencialmente fora das fases de exacerbação da doença9.

Outro facto importante a assinalar neste caso foi a progressão da doença sob corticoterapia, apesar da normalização dos parâmetros inflamatórios. Vários autores têm referido a baixa sensibilidade da monitorização laboratorial, sugerindo a realização seriada de exames de imagem para melhor aferição da progressão da doença10,11. Em cerca de 50% dos casos a corticoterapia isolada não é suficiente para impedir a progressão da vasculite, sendo necessário iniciar terapêutica imunossupressora adicional2. No caso clínico descrito foi possível induzir a remissão prolongada da doença com a utilização de pulsos de ciclofosfamida. Não existe consenso atual quanto ao melhor fármaco a iniciar na doença resistente à corticoterapia, sendo a experiência com ciclofosfamida limitada, ao contrário do que acontece com outras formas de vasculite6,12.

Este caso clínico ilustra como a arterite de Takayasu continua a ser um desafio diagnóstico e terapêutico.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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