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Vol. 30. Núm. 12.
Páginas 897-903 (Dezembro 2011)
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Vol. 30. Núm. 12.
Páginas 897-903 (Dezembro 2011)
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Impacto da idade no tratamento e resultados após enfarte agudo do miocárdio em particular nos muito idosos
Impact of age on treatment and outcomes after acute myocardial infarction, particularly in very elderly patients
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Ana Teresa Timóteo
Autor para correspondência
ana_timoteo@yahoo.com

Autor para correspondência.
, Ruben Ramos, Alexandra Toste, Ana Lousinha, José Alberto Oliveira, Maria Lurdes Ferreira, Rui Cruz Ferreira
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Marta, Centro Hospitalar de Lisboa Central EPE, Lisboa, Portugal
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Tabelas (7)
Tabela 1. Características clínicas dos grupos divididos por idades
Tabela 2. Tratamento de acordo com grupo etário
Tabela 3. Complicações e resultados por grupos etários
Tabela 4. Grupo etário como factor predizente de mortalidade intra-hospitalar, aos 30 dias e ao primeiro ano (não ajustado e ajustado para variáveis do score GRACE)
Tabela 5. Factores predizentes de mortalidade/sobrevivência intra-hospitalar, aos 30 dias e ao primeiro ano nos doentes ≥ 75 anos (análise univariada)
Tabela 6. Factores predizentes independentes de mortalidade/sobrevivência intra-hospitalar, aos 30 dias e ao primeiro ano nos doentes ≥ 75 anos (análise multivariada)
Tabela 7. Comparação da população idosa (≥75 anos) no registo GRACE3 e na população do estudo
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Resumo
Introdução

A população idosa admitida com enfarte continua a aumentar, sendo este grupo mal estudado nos ensaios internacionais e provavelmente tratados de uma forma mais conservadora.

Objectivos

Avaliar a apresentação e tratamento do enfarte do miocárdio de acordo com a idade, em particular nos mais idosos.

Métodos

Estudo de 1242 doentes consecutivos admitidos por enfarte agudo do miocárdio. Avaliámos a ocorrência de mortalidade intra-hospitalar, aos 30 dias e ao primeiro ano de seguimento em relação ao respectivo grupo etário. Os doentes foram caracterizados em quatro grupos etários: < 45 anos (7,6%); 45-64 anos (43,3%), 65-74 anos (23,4%) e ≥ 75 anos (25,7%).

Resultados

Os doentes mais idosos têm um pior perfil de risco (excepto tabagismo), mais história prévia de doença coronária e pior perfil de apresentação, exceptuando-se o perfil lipídico que é mais favorável. Relativamente ao tratamento dos idosos, este não foi tão optimizado comparativamente com outros grupos etários, embora seja melhor do que o reportado em outros registos, incluindo a realização de angioplastia coronária. Quer as complicações, quer as diferentes mortalidades consideradas foram piores no grupo com mais idade. Nos indivíduos com ≥ 75 anos, o risco de mortalidade ajustado é 4,9-6,3 vezes superior (p<0,001) comparativamente com o grupo etário de referência dos 45-64 anos. Nos indivíduos mais idosos, os principais factores predizentes independentes de mortalidade são a função ventricular esquerda e a função renal, sendo a utilização de bloqueadores beta factor predizente de sobrevivência.

Conclusão

Os idosos representam uma percentagem importante da população admitida por enfarte, recebendo menos terapêuticas com evidências científicas, sendo a idade um factor predizente independente de mortalidade a curto e médio prazo.

Palavras-chave:
Idade
Idosos
Enfarte agudo do miocárdio
Prognóstico
Abstract
Introduction

The elderly population admitted for acute myocardial infarction is increasing. This group is not well studied in international trials and is probably treated with a more conservative approach.

Objectives

To evaluate the presentation and treatment of myocardial infarction according to age, particularly in very elderly patients.

Methods

We studied 1242 consecutive patients admitted with acute myocardial infarction, assessing in-hospital, 30-day and one-year mortality during follow-up for each age-group. Patients were divided into four groups according to age: <45 years (7.6%); 45-64 years (43.3%); 65-74 years (23.4%); and ≥75 years (25.7%).

Results

Elderly patients had a worse risk profile (except for smoking), more previous history of coronary disease and a worse profile on admission, with the exception of lipid profile, which was more favorable. With regard to treatment of the elderly, although less optimized than in other age-groups, it was significantly better compared to other registries, including for percutaneous coronary angioplasty. Both complications and mortality were worse in the older groups. In elderly patients (≥75 years), adjusted risk of mortality was 4.9-6.3 times higher (p<0.001) than patients in the reference age-group (45-64 years). In these patients, the independent predictors of death were left ventricular function and renal function, use of beta-blockers being a predictor of survival.

Conclusions

Elderly patients represent a substantial proportion of the population admitted with myocardial infarction, and receive less evidenced-based therapy. Age is an independent predictor of short- and medium-term mortality.

Keywords:
Age
Elderly
Acute myocardial infarction
Prognosis
Texto Completo
Introdução

Os doentes idosos constituem a população em maior crescimento nos últimos anos, constituindo uma percentagem significativa de doentes admitidos por síndroma coronária aguda (SCA), sendo a doença coronária uma importante causa de morte neste grupo etário1–3. Do mesmo modo que nos restantes grupos etários e sendo esta população uma população de alto risco, o tratamento das SCA deverá ser idêntico, embora a evidência científica não seja tão forte, uma vez que esta população está habitualmente subrepresentada na maioria dos ensaios clínicos aleatorizados. Contudo, diversos estudos internacionais têm mostrado abordagens terapêuticas mais conservadoras nos doentes idosos4–7.

O objectivo do presente estudo foi avaliar as formas de apresentação e o tratamento do enfarte do miocárdio, de acordo com o grupo etário, em particular nos mais idosos, bem como identificar os factores predizentes de mortalidade a curto e médio prazo neste grupo etário mais avançado.

População e métodos

Análise retrospectiva de 1242 doentes admitidos consecutivamente na nossa Unidade de Cuidados Intensivos (num centro terciário) por enfarte agudo do miocárdio e incluídos num registo prospectivo unicêntrico de SCA desde Janeiro de 2005 até Dezembro de 2008. Os doentes incluídos têm idade ≥ 18 anos e estavam vivos à data da admissão. Os doentes apresentavam sintomas sugestivos de isquemia miocárdica aguda e pelo menos um dos seguintes: alterações electrocardiográficas consistentes com SCA e/ou aumento de marcadores séricos de necrose miocárdica. Os casos foram classificados como enfarte agudo do miocárdico com elevação do segmento ST ou SCA sem elevação do segmento ST (enfarte ou angina instável).

Foram avaliadas as características demográficas dos doentes, factores de risco para doença coronária, doença cardíaca prévia, dados laboratoriais da admissão, tratamento intra-hospitalar e as complicações (paragem cardiorrespiratória, acidente vascular cerebral / isquémico transitório, choque cardiogénico, complicações mecânicas – rotura de septo interventricular, rotura de parede livre, tamponamento cardíaco ou insuficiência mitral aguda – e hemorragia major). Hemorragia major foi definida como hemorragia intra-craniana, associada a perigo de vida ou que necessitou de suporte transfusional. O seguimento foi efectuado em todos os doentes sobreviventes por contacto telefónico aos 30 dias e ao primeiro ano de seguimento. Obteve-se informação em 99,6% dos doentes. Avaliou-se a mortalidade total intra-hospitalar, aos 30 dias e ao primeiro ano de seguimento.

Os doentes foram divididos em grupos de acordo com a idade à data da admissão: < 45 anos (n=94); 45-64 anos (n=538); 65-74 anos (n=291); ≥75 anos (n=319).

Análise estatística

As variáveis contínuas estão expressas como média ± desvio padrão e foram comparadas com o teste ANOVA ou com o teste Kruskal-Wallis quando não apresentaram distribuição normal. As variáveis contínuas com distribuição não normal (colesterol total, colesterol-HDL, triglicéridos, glicémia da admissão, creatinina da admissão e CK máximo) foram transformadas logaritmicamente de modo a melhorar a sua normalidade e utilizadas para a subsequente análise estatística. As variáveis categóricas estão expressas como percentagens e foram comparadas com o teste de qui-quadrado ou com o teste de Fisher (consoante apropriado). Os factores predizentes de mortalidade foram determinados por análise univariada e multivariada de regressão logística. Um valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Utilizou-se o programa SPSS versão 12.0 (SPSS Inc., Chicago, Illinois).

Resultados

As características basais dos doentes de acordo com a idade estão descritas na Tabela 1. Quase 50% da população tem idade ≥ 65 anos e 25,7% tem idade ≥ 75 anos. A percentagem de mulheres aumenta com o grupo etário. Dentro dos factores de risco para doença coronária, a prevalência de hipertensão e diabetes aumenta com a idade; com o tabagismo verificou-se relação inversa. Relativamente à história cardiovascular prévia, a prevalência de história prévia de doença cerebrovascular, enfarte ou revascularização cirúrgica prévia aumentam com a idade, não se verificando diferenças significativas em relação a revascularização percutânea prévia.

Tabela 1.

Características clínicas dos grupos divididos por idades

  <45 anosn=94  45-64 anosn=538  65-74 anosn=291  75 anosn=319 
Idade (anos)  39±56±70±80±<0,001 
Sexo Masculino (%)  91  82  63  47  <0,001 
HTA (%)  29  59  73  77  <0,001 
Dislipidemia (%)  47  54  52  44  0,039 
Diabetes (%)  13  21  33  34  <0,001 
Tabagismo (%)  82  55  24  <0,001 
Enfarte prévio (%)  13  12  17  19  0,048 
ICP prévia (%)  10  10  NS 
CABG prévia (%)  <0,001 
AVC/AIT prévio (%)  12  <0,001 
IMC (Kg/m228±27±27±26±<0,001 
Elevação ST (%)  87  73  59  53  <0,001 
Classe Killip ≥2 (%)  15  15  23  31  <0,001 
FC (bpm)  79±18  77±19  81±21  80±19  0,053 
TAS (mmHg)  129±19  132±27  135±31  139±31  0,034 
Glicemia admissão (mg/dL)  148±75  164±81  178±88  176±86  <0,001 
CK máximo (UI/L)  3.205±3539  2206±2326  1841±2293  1509±1948  <0,001 
Creatinina (mg/dL)  0,91±0,21  0,97±0,35  1,04±0,39  1,08±0,48  <0,001 
Colesterol total (mg/dL)  211±60  195±46  184±44  171±44  <0,001 
HDL-colesterol (mg/dL)  38±16  38±14  39±13  42±14  <0,001 
LDL-colesterol (mg/dL)  138±47  128±39  124±38  109±38  <0,001 
Triglicéridos (mg/dL)  144±128  144±101  114±71  96±53  <0,001 
GRACE  112±31  135±29  160±31  177±30  <0,001 
Fracção ejecção < 35% (%)  12  12  0,071 

AVC /AIT – acidente vascular cerebral / isquémico transitório; CABG – cirurgia de revascularização miocárdica; HTA – hipertensão arterial; ICP – intervenção coronária percutânea; IECA – inibidor da enzima de conversão da angiotensina; IMC – Índice de Massa Corporal; FC – frequência cardíaca; TAS – tensão arterial sistólica; TFGe – taxa filtração glomerular estimada.

Na apresentação, a frequência cardíaca foi sobreponível nos quatro grupos, com a tensão arterial sistólica a aumentar com a idade. A apresentação com sinais de insuficiência cardíaca foi mais frequente nos grupos etários mais avançados, aumentando também o score GRACE com a idade. Nos jovens, foi mais frequente a apresentação como enfarte do miocárdio com elevação do segmento ST. A glicémia da admissão é mais elevada nos idosos, assim como a creatinina sérica, sendo contudo o perfil lipídico e o CK máximo piores nos jovens.

Relativamente à medicação (Tabela 2), os doentes mais idosos receberam menos terapêuticas, com excepção da terapêutica com inibidores da enzima conversão da angiotensina (IECA). No que respeita aos anticoagulantes, as heparinas de baixo peso moleculares foram as preferidas nos grupos etários avançados. A utilização de terapêutica trombolítica como método de reperfusão inicial foi sobreponível. O recurso a angioplastia coronária percutânea nos enfartes com elevação do segmento ST decresceu com o grupo etário, verificando-se o mesmo padrão nos SCA sem elevação do segmento ST. No que diz respeito à revascularização cirúrgica, esta foi realizada em muito poucos casos, sem diferenças entre os grupos.

Tabela 2.

Tratamento de acordo com grupo etário

  <45 anosn=94  45-64 anosn=538  65-74 anosn=291  75 anosn=319 
Ácido acetilsalicílico (%)  100  99  98  95  0,010 
Clopidogrel (%)  97  97  95  87  <0,001 
IECA (%)  87  85  85  87  NS 
Bloqueador beta (%)  87  86  80  71  <0,001 
Estatina (%)  93  94  91  89  0,049 
HBPM (%)  51  53  69  67  <0,001 
HNF (%)  55  54  46  34  <0,001 
Antag. Gp 2b/3a (%)  81  74  66  61  <0,001 
Enfarte com elevação ST
Coronariografia (%)  95  97  96  88  <0,001 
Trombólise (%)  15  14  15  0,253 
Angioplastia primária (%)  67  74  67  63  0,062 
Qualquer angioplastia (%)  89  91  90  75  <0,001 
SCA sem elevação ST
Cateterismo (%)  97  93  85  70  <0,001 
Angioplastia  83  66  56  34  <0,001 
CABG (%)  NS 

CABG – cirurgia revascularização miocárdica; HBPM – heparina de baixo peso molecular; HNF – heparina não fraccionada; IECA – inibidor enzima conversão do angiotensinogénio; SCA – síndroma coronária aguda.

A ocorrência de complicações (Tabela 3), nomeadamente paragem cardiorrespiratória, complicações mecânicas e acidentes vasculares cerebrais, não foi significativamente diferente entre os grupos. O choque cardiogénico e as hemorragias major ocorreram mais frequentemente nos idosos. A mortalidade intra-hospitalar, aos 30 dias e ao primeiro ano de seguimento, aumentaram de acordo com o grupo etário, com um aumento do risco associado com o avançar da idade. O risco de mortalidade ajustado ao modelo de risco GRACE (Tabela 4) manteve-se significativamente alto nos mais idosos. Salienta-se que os indivíduos mais jovens não tiveram melhor prognóstico comparativamente com o grupo de referência dos 45 aos 65 anos. No grupo com os doentes mais idosos, os factores predizentes independente de mortalidade a curto e médio prazo foram a má função ventricular esquerda (fracção de ejecção ventricular esquerda < 35%) e a função renal (Tabelas 5 e 6). Mesmo neste grupo etário, a idade continua a ser um factor predizente de mortalidade. A utilização de bloqueadora beta reduziu o risco de mortalidade intra-hospitalar e aos 30 dias, sendo assim factor predizente de sobrevivência.

Tabela 3.

Complicações e resultados por grupos etários

  <45 anosn=94  45-64 anosn=538  65-74 anosn=291  75 anosn=319 
Choque cardiogénico (%)  <0,001 
Compl. mecânicas (%)  NS 
AVC / AIT (%)  NS 
Hemorragia major (%)  0,003 
PCR (%)  10  NS 
Morte intra-hospitalar (%)  1,1  2,8  7,9  14,4  <0,001 
Morte 30 dias (%)  2,1  3,7  10,3  16,9  <0,001 
Morte 1 ano (%)  2,1  4,1  11,3  20,7  <0,001 

AVC / AIT – acidente vascular cerebral / isquémico transitório; PCR – paragem cardiorrespiratória.

Tabela 4.

Grupo etário como factor predizente de mortalidade intra-hospitalar, aos 30 dias e ao primeiro ano (não ajustado e ajustado para variáveis do score GRACE)

Intra-hospitalar  Não ajustadoAjustado
  OR  IC 95%  OR  IC 95% 
< 45 anos  0,38  0,05 – 2,88  0,350  0,44  0,05 – 3,69  0,452 
45 – 64 anos  Referência  Referência 
65 – 74 anos  2,99  1,54 – 5,83  0,001  3,05  1,38 – 6,72  0,006 
≥ 75 anos  5,87  3,22 – 10,71  0,001  6,33  3,04 – 13,18  <0,001 
30 dias  Não ajustadoAjustado
  OR  IC 95%  OR  IC 95% 
< 45 anos  0,56  0,13-2,45  0,444  0,65  0,14-2,96  0,573 
45-64 anos  Referência  Referência 
65-74 anos  2,98  1,66-5,34  <0,001  2,88  1,49-5,56  0,002 
≥ 75 anos  5,28  3,09-9,00  <0,001  4,91  2,65-9,11  <0,001 
1 ano  Não ajustadoAjustado
  OR  IC 95%  OR  IC 95% 
< 45 anos  0,51  0,12-2,21  0,368  0,54  0,12-2,46  0,428 
45-64 anos  Referência  Referência 
65-74 anos  3,00  1,71-5,25  <0,001  2,78  1,49-5,20  0,001 
≥ 75 anos  6,12  3,69-10,14  <0,001  5,72  3,20-10,21  <0,001 
Tabela 5.

Factores predizentes de mortalidade/sobrevivência intra-hospitalar, aos 30 dias e ao primeiro ano nos doentes ≥ 75 anos (análise univariada)

  Intra-hospitalar30 dias1 ano
  OR (IC95%)  OR (IC95%)  OR (IC95%) 
Idade  1,08 (1,00-1,17)  0,045  1,14 (1,05-1,23)  0,001  1,13 (1,06-1,22)  0,001 
Enfarte prévio  0,61 (0,25-1,51)  0,283  0,84 (0,39-1,83)  0,659  1,21 (0,62-2,37)  0,575 
ICP prévia  0,32 (0,04-2,42)  0,267  0,92 (0,26-3,26)  0,892  1,02 (0,33-3,19)  0,968 
Diabetes  1,07 (0,55-2,06)  0,847  1,20 (0,66-2,21)  0,551  1,27 (0,72-2,23)  0,403 
Elevação ST  2,24 (1,14-4,38)  0,019  1,96 (1,06-3,62)  0,033  1,35 (0,78-2,33)  0,290 
IECA  0,25 (0,12-0,53)  <0,001  0,32 (0,16-0,67)  0,002  0,39 (0,19-0,79)  0,009 
Bloqueador beta  0,19 (0,10-0,37)  <0,001  0,24 (0,13-0,44)  <0,001  0,32 (0,18-0,56)  <0,001 
Estatina  0,25 (0,11-0,55)  0,001  0,23 (0,11-0,50)  <0,001  0,24 (0,11-0,50)  <0,001 
F. Ej. < 35%  7,42 (3,50-15,73)  <0,001  7,45 (3,57-15,54)  <0,001  6,04 (2,94-12,39)  <0,001 
ICP  0,83 (0,44-1,55)  0,561  0,74 (0,41-1,34)  0,322  0,54 (0,31-0,93)  0,026 
LnCreatinina  10,98 (4,33-27,87)  <0,001  9,48 (3,94-22,84)  <0,001  7,44 (3,29-16,82)  <0,001 
LnCK  1,46 (1,12-1,89)  0,005  1,37 (1,08-1,75)  0,010  1,24 (1,00-1,55)  0,048 

F. Ej. − fracção ejecção ventricular esquerda; ICP − intervenção coronária percutânea; IECA − inibidor da enzima de conversão do angiotensinogénio.

Tabela 6.

Factores predizentes independentes de mortalidade/sobrevivência intra-hospitalar, aos 30 dias e ao primeiro ano nos doentes ≥ 75 anos (análise multivariada)

Intra-hospitalar  OR  IC 95% 
Idade  1,08  0.98-1.20  0,118 
Elevação ST  1,87  0.80-4.39  0,150 
IECA  0,47  0.18-1.25  0,132 
Bloqueador beta  0,38  0.17-0.84  0,017 
Estatina  0,56  0.19-1.60  0,276 
F. Ej. < 35%  3,86  1.60-9.34  0,003 
LnCreatinina  7,08  2.49-20.12  <0,001 
LnCK  1,21  0.89-1.64  0,216 
30 dias  OR  IC 95% 
Idade  1,16  1.06-1.27  0,002 
Elevação ST  1,67  0.76-3.67  0.200 
IECA  0,59  0.23-1.54  0,285 
Bloqueador beta  0,46  0,22-0,97  0,042 
Estatina  0,43  0,16-1.19  0,105 
F. Ej. < 35%  4,46  1,87-10,64  0,001 
LnCreatinina  6,13  2,30-16,30  <0,001 
LnCK  1,18  0,89-1,57  0,257 
1 ano  OR  IC 95% 
Idade  1,14  1,05-1,24  0,002 
IECA  0,67  0,28-1,60  0,369 
Bloqueador beta  0,56  0,29-1,11  0,098 
Estatina  0,45  0,18-1,12  0,085 
F. Ej. < 35%  3,64  1,59-8,31  0,002 
LnCreatinina  4,42  1,83-10,68  0,001 
LnCK  1,23  0,95-1,58  0,115 
ICP  0,64  0,33-1,24  0,184 

F. Ej – fracção de ejecção ventricular esquerda; ICP – intervenção coronária percutânea.

Discussão

A crescente expansão da população idosa coloca desafios de abordagem diagnóstica e terapêutica nas SCA. Actualmente, as definições de doentes idosos têm-se modificado, abrangendo os doentes com idade igual ou superior a 75 anos. Com efeito, os doentes no grupo etário entre os 65 e os 74 anos são hoje tratados de modo muito semelhante aos dos grupos etários mais jovens. Constituindo os idosos um grupo com risco elevado em termos de prognóstico, é também um grupo com risco acrescido de complicações associadas ao tratamento, o que condiciona fortemente a sua abordagem3. A maioria dos doentes incluídos no presente estudo (admitidos por SCA), que é uma população representativa do mundo real, situa-se na faixa etária entre os 45 e os 75 anos, o que é semelhante ao referido em registos prévios, inclusive o registo GRACE3. A distribuição por géneros, a prevalência de factores de risco para doença cardíaca e a história cardíaca prévia seguiram também o padrão previamente descrito. Com efeito, as mulheres predominam no grupo com mais idade e verifica-se maior prevalência de factores de mau prognóstico como a hipertensão arterial, diabetes mellitus, enfarte, AVC/AIT e cirurgia de revascularização miocárdica prévia, o que explica o perfil de risco aumentado neste grupo etário, justificando-se por isso uma abordagem mais agressiva. Pelo contrário, os fumadores são pouco expressivos nestas idades, o que é explicável pelo facto de raramente atingirem idades muito avançadas dadas as comorbilidades associadas.

Relativamente ao tipo de enfarte, o enfarte com elevação do segmento ST é mais frequente nos mais jovens, sendo as restantes SCA sem elevação ST encontradas com maior frequência nos idosos, tal como referido nos outros registos, o que se pode relacionar com uma maior prevalência de enfarte e revascularizações prévias bem como doença multivaso com o avançar da idade. Contudo, globalmente, a nossa população apresenta uma maior prevalência de enfarte com elevação do segmento ST comparativamente com outros registos3.

Apesar dos benefícios demonstrados com a utilização de bloqueadores beta, estatinas e IECA8–10, apenas os IECA têm uma taxa de utilização sobreponível para todos os grupos etários, sendo os restantes fármacos menos utilizados, confirmando-se assim que os idosos recebem menos terapêuticas com evidências científicas, embora as taxas obtidas no nosso registo sejam muito superiores comparativamente com outros registos multicêntricos, em particular no que diz respeito aos IECA e estatinas3. Relativamente aos antiagregantes plaquetários, também eles são menos utilizados nos muito idosos, assim como a dupla antiagregação, o que se poderá em parte explicar pelo facto de estes doentes terem sido menos submetidos a angioplastia coronária. A heparina não fraccionada foi prescrita mais frequentemente nos jovens, enquanto que a heparina de baixo peso molecular foi preferida nos idosos, o que pode estar relacionado com maior incidência de enfarte sem elevação ST nos idosos, menor frequência de angioplastia coronária e também pelo risco hemorrágico mais elevado nos idosos. As heparinas de baixo peso molecular, pela sua conveniência de administração (não necessitando de monitorização, com um perfil de segurança mais favorável), podem ter justificado esta escolha. Também o recurso à terapêutica trombolítica foi sobreponível em todos os grupos etários, embora se verifique uma ligeira redução no grupo etário mais avançado, que não atingiu contudo significado estatístico.

Registos prévios sugerem uma menor realização de angioplastia coronária nos muito idosos relacionável com um provável enviesamento de selecção porque os idosos, sendo mais doentes e apresentando mais comorbilidades seriam mais frequentemente admitidos em centros sem instalações de hemodinâmica11. Contudo, sendo unicêntrico e com acesso a laboratório de hemodinâmica 24 horas/dia e 7 dias/semana, o nosso estudo confirmou que o enviesamento referido não é explicável pela relação com o centro com acesso a laboratório de hemodinâmica, sendo os idosos realmente menos submetidos a angioplastia. Assim, a explicação parece estar de facto relacionada com a presença de comorbilidades, alterações cognitivas, limitações funcionais, entre outras, condicionando assim a indicação para revascularização com consequente enviesamento dos resultados. Salientamos, no entanto, que, dentro dos doentes mais idosos que foram submetidos a coronariografia, a percentagem de doentes com realização de angioplastia coronária foi muito significativa (71%), concluindo-se assim que, uma vez optando pela estratégia invasiva, os idosos efectuaram angioplastia coronária numa percentagem muito significativa.

Os eventos cardiovasculares major e hemorrágicos foram mais frequentes nos idosos que à partida apresentavam um perfil de maior risco e receberam menos terapêuticas standard. A mortalidade permanece elevada mesmo após ajuste para modelo de risco GRACE, sendo assim a idade um factor predizente independente de mortalidade a curto e médio prazo em doentes com SCA. Com efeito, o risco de mortalidade intra-hospitalar é 6,3 vezes superior nos doentes muito idosos comparativamente com a faixa etária entre os 45 e 64 anos. Nos idosos, a função renal e a função ventricular esquerda são os factores predizentes mais importantes de mortalidade a curto e médio prazo.

Comparando a nossa população mais idosa (≥75 anos) com a população do registo GRACE com a mesma idade (Tabela 7)3, salienta-se uma maior frequência de apresentação como enfarte com elevação do segmento ST, uma maior prevalência de factores de risco para doença coronária (com excepção do tabagismo) e uma menor prevalência de história prévia de enfarte ou revascularização. Relativamente à terapêutica efectuada, utilizámos com maior frequência todos os fármacos com evidências de benefícios, com excepção dos bloqueadores beta que foram sobreponíveis. A utilização de coronariografia, bem como de angioplastia foi marcadamente superior na nossa população. O recurso a cirurgia de revascularização miocárdica foi significativamente menor comparativamente com outros estudos. No nosso caso, limitou-se apenas aos casos com anatomia coronária crítica, tais como as situações de lesões do tronco comum. Os restantes casos com indicação cirúrgica foram submetidos a cirurgia mais tardiamente, após a fase hospitalar inicial, já na fase de ambulatório. A nossa mortalidade intra-hospitalar foi também ligeiramente superior. Estas diferenças relativamente ao registo GRACE podem ser explicadas por um lado pelo facto de o período de inclusão do registo GRACE ter terminado em 2002, portanto muito antes do início do nosso próprio registo, o que já reflecte uma abordagem terapêutica melhorada e optimizada em relação à prática clínica internacional até 2002. No nosso caso, a percentagem de doentes com enfarte agudo do miocárdio com elevação do segmento ST é também maior, sendo que nestes casos a mortalidade é superior. Por outro lado, a nossa realidade reflecte a realidade encontrada num hospital terciário, com acesso a laboratório de hemodinâmica, um pouco diferente de alguns centros participantes no registo GRACE. Finalmente, o registo GRACE não incluiu todos os doentes consecutivos admitidos em cada centro, mas apenas os primeiros 10-20 doentes consecutivos por mês/centro. O nosso registo incluiu todos os doentes, mesmo os que vieram a falecer pouco tempo após a admissão, o que poderá explicar uma mortalidade intra-hospitalar ligeiramente superior apesar de terem tido um tratamento mais optimizado. Reforçamos assim que a nossa população de doentes muito idosos mostra um aumento na utilização de terapêuticas eficazes, o que poderá ser ainda melhorado com implementação de estratégias que visam a incorporação de evidência na prática clínica e o desenvolvimento de recomendações simples e documentos para melhoria da qualidade nos moldes do que já é preconizado pelo American College of Cardiology12. Estas estratégias devem considerar a terapêutica de reperfusão bem como a optimização da terapêutica adjuvante medicamentosa como fundamentais no tratamento destes doentes, não excluindo terapêuticas invasivas tendo por base apenas a idade do doente.

Tabela 7.

Comparação da população idosa (≥75 anos) no registo GRACE3 e na população do estudo

  GRACEn=6203  Estudon=319 
Sexo Masculino (%)  51  47  0,181 
HTA (%)  69  77  0,003 
Dislipidemia (%)  35  44  0,001 
Diabetes (%)  25  34  <0,001 
Tabagismo (%)  39  <0,001 
Enfarte prévio (%)  35  19  <0,001 
ICP prévia (%)  12  0,002 
Elevação ST (%)  30  53  <0,001 
Classe Killip ≥2 (%)  28  31  0,272 
AAS (%)  90  95  0,005 
Antag, Gp 2b/3a (%)  16  61  <0,001 
IECA (%)  60  87  <0,001 
Bloquedor beta (%)  70  71  0,751 
Estatina (%)  37  89  <0,001 
Coronariografia (%)  38  79  <0,001 
Angioplastia (%)  22  56  <0,001 
% coronariografia  57  71  <0,001 
CABG (%)  12  <0,001 
Morte intra-hospitalar (%)  11,3  14,4  0,108 

AAS – ácido acetilsalicílico; CABG – cirurgia de revascularização miocárdica; HTA – hipertensão arterial; ICP – intervenção coronária percutânea; IECA – inibidor da enzima de conversão da angiotensina.

Limitações

O facto de se tratar de um estudo de um único centro limita a generalização dos resultados encontrados.

Não temos dados relativamente à medicação no seguimento e ao tratamento subsequente, o que poderá também condicionar a mortalidade a médio prazo.

Uma amostra mais larga poderia ser também útil no sentido de reforçar os resultados obtidos.

Não foram analisadas as comorbilidades associadas, o que seria útil no sentido de compreender melhor o enquadramento dos doentes mais idosos.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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