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Vol. 36. Issue 3.
Pages 167-168 (March 2017)
Comentário Editorial
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Os testes genéticos na avaliação de doentes e familiares – o exemplo da miocardiopatia hipertrófica
Genetic tests in the assessment of patients and at‐risk relatives: The example of hypertrophic cardiomyopathy
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Jorge Manuel Saraivaa,b
a Medical Genetics Unit, Hospital Pediátrico, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
b University Clinic of Pediatrics, Faculty of Medicine, University of Coimbra, Coimbra, Portugal
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Bárbara Cardoso, Inês Gomes, Petra Loureiro, Conceição Trigo, Fátima Ferreira Pinto
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A publicação do artigo «Diagnóstico clínico e genético de miocardiopatia hipertrófica familiar: resultados em cardiologia pediátrica»1 exemplifica modelarmente as implicações atuais e futuras dos testes genéticos já disponíveis.

A utilização de testes genéticos, regulamentada em Portugal entre outros pela Lei n.° 12/2005 de 26 de janeiro e pelo Decreto‐Lei n.° 131/2014, será cada vez mais frequente adicionalmente a outros meios complementares ou em primeira linha. A sua evolução continua a ser extremamente rápida, como demonstrado pela miocardiopatia hipertrófica: hoje em dia é habitualmente utilizada a interpretação da sequenciação da totalidade da região codificante e das transições intrão‐exão de sete genes com referência a identificação de variações de sequência patogénicas ou provavelmente patogénicas em 60‐65% dos casos2. O alargamento dos genes estudados tem ganhos marginais – positividade de 60‐70% para 29 genes3. Em breve generalizar‐se‐á a sequenciação exómica total a ser posteriormente substituída pela sequenciação genómica total. A disponibilidade de informação crescente obriga a cada vez maior rigor na interpretação dos resultados, sendo obrigatório que o responsável pelo teste genético inclua no relatório não só a metodologia utilizada e os resultados como a sua interpretação e as recomendações adequadas a cada contexto clínico. De momento deve ser preferencialmente utilizada a orientação de 2015 do American College of Medical Genetics and Genomics que estipula como classificar uma variação de sequência como patogénica, provavelmente patogénica, de significado desconhecido, provavelmente benigna ou benigna4.

A miocardiopatia hipertrófica é habitualmente referida como tendo uma prevalência de 1 para 5003 e uma causa genética confirmada em mais de metade dos casos, o que nos deve levar a refletir sobre o motivo de identificação de apenas 10 famílias (três com caso índex pediátrico e sete adultos) com um resultado de teste genético positivo ao longo de 10 anos. A evolução dos testes genéticos e a sua crescente utilização por certo que estão a fazer aumentar rapidamente este número. O enriquecimento da amostra em situações de maior gravidade e/ou visibilidade também poderá justificar uma primeira avaliação cardiológica com uma mediana correspondente ao limite inferior do recomendado (dez anos) e uma identificação de variações de sequência patogénicas em 14 (ou 15) dos 20 casos. A agregação dos resultados dos três casos pediátricos referenciados como casos índex com os dos 17 familiares em primeiro grau de um doente dificulta, entre outras coisas, a avaliação da idade da realização da primeira avaliação cardiológica neste último grupo (que por certo não incluirá o caso em que tal foi realizado com um mês de idade). A identificação de uma variação de sequência patogénica em 11 (ou 12) dos 17 familiares em primeiro grau de um doente (65‐71%) e a presença de fenótipo positivo na primeira avaliação em quatro dos 11 (ou 12) também reforça o possível enviesamento da amostra.

Os genes avaliados foram os seis referidos como sendo os responsáveis pela grande maioria dos casos (MYH7 40%, MYPBC3 40%, TNNT2 5%, TNNI3 5%, TPM1 2%, MYL3 1%)3 e outros dois: MYL2 e ACTC1. Todas as mutações identificadas são referentes aos primeiros. A avaliação da distribuição das variações de sequência identificadas é limitada pela dimensão da amostra e pela inclusão de 18 mutações de 14 crianças, contabilizando para este efeito variações de sequência de significado incerto ou provavelmente benignas.

Face à inexistência de um diagnóstico genético confirmado, a sua hereditariedade maioritariamente autossómica dominante com penetrância incompleta e expressividade variável obriga a avaliar periodicamente muitos familiares de cada caso índex pelas vantagens individuais potencialmente daqui decorrentes que podem chegar à prevenção da morte súbita2.

A identificação da causa genética da doença no caso índex permite avaliar todos os familiares na idade que estabelece a indicação para vigilância específica (como referido a eletrocardiografia, monitorização Holter de 24 horas, prova de esforço convencional, ecocardiografia, ecocardiografia transtorácica e ecocardiograma de esforço, a que se poderá adicionar a ressonância magnética2), no caso aos 10‐12 anos, e confirmar ou excluir a presença da variação de sequência patogénica. Estes testes genéticos preditivos obrigam ao consentimento informado, esclarecido e livre escrito nos termos da norma da Direção‐Geral da Saúde, disponível na página deste organismo oficial5, e devem obrigatoriamente ser realizados em consultas da especialidade de genética médica. Permitem a abstenção de intervenção nos familiares sem risco específico e o reforço da imperiosidade de vigilância e tratamento nos familiares com risco confirmado.

A utilidade dos testes genéticos também permite reforçar o aconselhamento genético individual e de casais e disponibilizar intervenções na esfera reprodutiva, mas tem aqui o seu limite: de momento não pode informar sobre a forma e a idade em que a doença vai surgir e como vai progredir, para o que se deve necessariamente recorrer a outros meios complementares de diagnóstico.

O já citado artigo, publicado neste número, «Diagnóstico clínico e genético de miocardiopatia hipertrófica familiar: resultados em cardiologia pediátrica»1, não tem apenas particular relevância para todos os profissionais que participam na prestação de cuidados a doentes com miocardiopatia hipertrófica e seus familiares, como a sua leitura deve priorizar a reflexão sobre as estratégias mais corretas de introdução dos testes genéticos diagnósticos não apenas neste grupo de doentes e famílias, mas de outros da mesma ou de outras especialidades médicas.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
B. Cardoso, I. Gomes, P. Loureiro, et al.
Diagnóstico clínico e genético de miocardiopatia hipertrófica familiar: resultados em cardiologia pediátrica.
Rev Port Cardiol., 36 (2017), pp. 155-165
[2]
P.M. Elliot, A. Anastasakis, M.A. Borger, et al.
2014 ESC guidelines on diagnosis and management of hypertrophic cardiomyopathy: the Task Force for the Diagnosis and Management of Hypertrophic Cardiomyopathy of the European Society of Cardiology (ESC).
Eur Heart J, 35 (2014), pp. 2733-2779
[3]
A.L. Cirino, C. Ho.
Hypertrophic cardiomyopathy overview.
Gene Reviews [Internet],
citado 14 Nov 2016 Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1768/
[4]
S. Richards, N. Aziz, S. Bale, et al.
Standards and guidelines for the interpretation of sequence variants: a joint consensus recommendation of the American College of Medical Genetics and Genomics and the Association for Molecular Pathology.
Genet Med., 17 (2015), pp. 405-424
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