Informação da revista
Vol. 33. Núm. 12.
Páginas 805.e1-805.e5 (Dezembro 2014)
Visitas
9414
Vol. 33. Núm. 12.
Páginas 805.e1-805.e5 (Dezembro 2014)
Caso Clínico
Open Access
Tratamento de taquicardia supraventricular sincopal durante a gestação sem uso de raios‐X: relato de caso
Supraventricular tachycardia and syncope during pregnancy: A case for catheter ablation without fluoroscopy
Visitas
9414
Tiago Luiz Luz Leiria
Autor para correspondência
drleiria@gmail.com

Autor para correspondência.
, Leonardo Martins Pires, Marcelo Lapa Kruse, Gustavo Glotz de Lima
Serviço de Eletrofisiologia Cardíaca, Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, Fundação Universitária de Cardiologia do Rio Grande do Sul, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (4)
Mostrar maisMostrar menos
Resumo

As arritmias na gestação geram um dilema para o médico que assiste o paciente. A maioria das drogas antiarrítmicas possuem indicação classe C durante a gestação. Aqui fazemos o relato de mulher na gestação que apresentou TSV, sincopal, refratária ao tratamento ao qual foi submetida a ablação por cateter sem o uso de fluoroscopia.

Palavras‐chave:
Gestação
Ablação
Taquiarritmias
Abstract

Arrhythmias during pregnancy pose a dilemma for the treating physician. Most antiarrhythmic drugs are classified as category C in the FDA labeling system during pregnancy. We describe the case of a pregnant woman who presented syncope due to drug‐refractory supraventricular tachycardia who underwent catheter ablation without the use of fluoroscopy.

Keywords:
Pregnancy
Ablation
Supraventricular tachycardia
Texto Completo
Introdução

Arritmias sustentadas são relativamente raras durante o período da gestação (2‐3 por 1.000 casos); quando presentes, as formas supraventriculares são as mais frequentes1. Taquicardia supraventricular paroxística (TSVP) apresenta uma alta taxa de recorrência nessa situação, ocorrendo em 20% daquelas que apresentam história prévia de taquiarritmias. Em algumas situações, em decorrência das modificações fisiológicas ocasionadas pela gestação (aumento do débito cardíaco e diminuição da resistência vascular), taquicardias supraventriculares podem ser mal toleradas pela gestante1.

O aparecimento de arritmias na gestação gera um dilema para o médico que assiste a paciente. A maioria das drogas antiarrítmicas possuem indicação classe C durante a gestação (à exceção de sotalol classe B)2. Todas drogas dessa classe cruzam a barreira placentária podendo levar a algum efeito adverso ao feto. Ablação por cateter é o procedimento de escolha para casos de arritmias mal toleradas pela gestante3. Contudo, a visualização de cateteres no interior do coração é feita com o uso de radiação ionizante (raios‐X). Sabemos que a radiação é teratogênica e que seu efeito é cumulativo. A exposição em um estudo eletrofisiológico é aproximadamente de 25m Gray (Gy)/min, em média de 0,07Gy4,5. O potencial teratogênico inicia com 0,10‐0,20Gy, muito próximo do utilizado durante uma hora de fluoroscopia5. Aqui fazemos o relato de mulher na gestação que apresentou TSV, sincopal, refratária ao tratamento a qual foi submetida a ablação por cateter sem o uso de fluoroscopia.

Caso clínico

Paciente de 33 anos com 26 semanas de sua 4.a gestação, sem patologias prévias conhecidas ou história de morte súbita em sua família, vem transferida para o nosso serviço após internação por quadro de síncope decorrente de TSVP. Paciente relata uso prévio de propranolol e sotalol que foram iniciados durante a gestação após primeiro episódio de TSVP. Em razão da severidade da apresentação clínica e refratariedade dos sintomas a terapia antiarrítmica, incluindo drogas classe III, optou‐se pelo manejo invasivo de sua arritmia. Foram discutido riscos e benefícios do procedimento com a paciente e optou‐se por adotar uma postura de radiação ZERO para manejo do caso.

Descrição do procedimento

Paciente trazida em jejum para o laboratório de eletrofisiologia sendo então submetida a sedação com propofol e fentanil. Seu eletrocardiograma de base apresentava ritmo sinusal com condução AV normal sem presença de pré‐excitação ventricular. Foi realizada durante o procedimento ecocardiografia fetal para monitorização em tempo real dos efeitos da sedação, bem como da taquiarritmia na dinâmica fetal. Após preparação foram realizadas três punções venosas com colocação de bainhas introdutoras. Com uso do sistema NAVx‐ENSITE (St. Jude Medical, EUA) foi realizada a ascensão dos cateteres desde a região femoral até o interior do átrio direito. Sob visualização apenas do sistema tridimensional foram cateterizados o seio coronariano, o ventrículo direito e um outro cateter foi posicionado na região do feixe de His – local no qual realizamos diversas sombras do cateter para assegurar a segurança da região do nodo atrioventricular. Estimulação atrial programada com ciclos basais de 600ms com extraestímulo a 340ms foi induzida de maneira reprodutível taquicardia supraventricular com ativação atrial retrograda excêntrica com maior precocidade em polos distais do seio coronariano (Figura 1). A introdução de extrassi¿stole ventricular no His refratário terminou de maneira reproduti¿vel a TSVP sem a ocorrência de atividade atrial, comprovando que se tratava de taquicardia por reentrada átrio‐ventricular por feixe acesso¿rio lateral esquerdo. Com isso procedeu‐se com punção arterial femoral e um cateter de ablação 4mm foi introduzido no interior do ventrículo esquerdo sob visualização de todo seu trajeto, desde a femoral até à câmara de interesse com uso do sistema tridimensional NAVX‐Ensite (Figura 2). Não foi necessária criação da geometria do ventrículo esquerdo pois a sombra do seio coronariano foi utilizada para definição do ânulo mitral. Sob estimulação ventricular foi realizada aplicação de radiofrequência em região com maior precocidade atrial; após um segundo de aplicação observou‐se dissociação VA comprovando‐se a extinção da condução pelo feixe acessório (Figuras 3 e 4). Manobras foram realizadas após a ablação sem aparecimento da TSVP. O tempo total de procedimento foi de 140 minutos e o tempo de fluoroscopia foi de ZERO minutos. Ecocardiograma realizado após procedimento confirmou a ausência de complicações na mãe e no feto.

Figura 1.

TSVP com ativação retrograda excêntrica com atividade atrial mais precoce em polos distais do seio coronariano (CS). Cateter de ablação nesse momento encontra‐se no interior do ventrículo esquerdo.

(0,25MB).
Figura 2.

Visões em oblíquas esquerda e direita demonstrando a geometria do átrio direito, ventrículo direito, seio coronariano e aorta utilizada para posicionamento do cateter de ablação. Não foi recriada a geometria do ventrículo esquerdo, sendo utilizada a geometria do seio coronariano para guiar o cateter de ablação. Os pontos vermelhos são os locais onde se obteve melhor precocidade para aplicação de radiofrequência.

(0,19MB).
Figura 3.

Cateter de ablação posicionado em região lateral esquerda, observa‐se que após o início da radiofrequência houve término da condução ventrículo‐atrial. A geometria demonstrada pertence ao átrio direito, ventrículo direito e seio coronariano. As esferas vermelhas são a região onde RF terminou a condução pelo feixe acessório.

(0,39MB).
Figura 4.

Estimulação ventricular no ventrículo direito demonstra dissociação ventrículo atrial ao final do procedimento demonstrando ausência de condução retrograda pelo feixe acessório.

(0,29MB).
Discussão

São raros os casos descritos na literatura sobre ablação de taquiarritmias durante a gestação sem o uso de raios‐X. A maioria dos casos ou séries utiliza em algum momento do procedimento fluoroscopia5–7. Contudo, com o advento de sistemas de mapeamento não fluoroscópicos abriu‐se o leque de possibilidades de submeter essas pacientes a procedimentos invasivos sem a necessidade do risco de exposição radiológica. Em nosso serviço recentemente publicamos nossa experiência com uma postura de ZERO radiação, não havendo nessa série inicial a inclusão de nenhuma gestante8, porém, a metodologia de realização do procedimento foi exatamente a previamente descrita8. Embora os sistemas de mapeamento facilitem, não isentam a gestante das possíveis complicações relacionadas ao procedimento. Em nosso caso a postura tomada foi decorrente da severidade da apresentação clínica (síncope) e das múltiplas admissões em emergência realizadas pela paciente durante o período pré‐ablação. Revisão recente, de especialistas, sobre o assunto está de acordo com essa postura9.

Esse caso foi o primeiro caso realizado, em gestante, em nosso serviço aonde a postura de ZERO radiação foi utilizada. O posicionamento dos cateteres e o mapeamento tridimensional das geometrias das cavidades cardíacas foi inteiramente realizado com o sistema NAVx‐Ensite, para otimizar a segurança do procedimento para o binômio mãe‐feto.

Responsabilidades éticasProteção dos seres humanos e animais

Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Referências
[1]
S.H. Lee, S.A. Chen, T.J. Wu, et al.
Effects of pregnancy on first onset and symptoms of paroxysmal supraventricular tachycardia.
Am J Cardiol., (1995), pp. 675-678
[2]
L.A. Boothby, P.L. Doering.
FDA labeling system for drugs in pregnancy.
Ann Pharmacother., 35 (2001), pp. 1485-1489
[3]
C. Blomström-Lundqvist, M.M. Scheinman, E.M. Aliot, et al.
ACC/AHA/ESC guidelines for the management of patients with supraventricular arrhythmias–executive summary. A report of the American College Of Cardiology/American Heart Association Task Force on practice guidelines and the European Society Of Cardiology committee for practice guidelines (writing committee to develop guidelines for the management of patients with supraventricular arrhythmias) developed in collaboration with NASPE‐Heart Rhythm Society.
J Am Coll Cardiol., 15 (2003), pp. 1493-1531
[4]
N. Theocharopoulos, J. Damilakis, K. Perisinakis, et al.
Occupational exposure in the electrophysiology laboratory: quantifying and minimizing radiation burden.
Br J Radiol., 79 (2006), pp. 644-651
[5]
G.G. De Lima, D.G. Gomes, C.S.S. Gensas, et al.
Risk of ionizing radiation in women of childbearing age undergoing radiofrequency ablation.
Arq Bras Cardiol., 101 (2013), pp. 418-422
[6]
H. Wu, L.-H. Ling, G. Lee, et al.
Successful catheter ablation of incessant atrial tachycardia in pregnancy using three‐dimensional electroanatomical mapping with minimal radiation.
Intern Med J., 42 (2012), pp. 709-712
[7]
L. Szumowski, E. Szufladowicz, M. Orczykowski, et al.
Ablation of severe drug‐resistant tachyarrhythmia during pregnancy.
J Cardiovasc Electrophysiol., 2 (2010), pp. 877-882
[8]
L.M. Pires, T.L.L. Leiria, M.L. Kruse, et al.
Catheter ablation of arrhythmias exclusively using electroanatomic mapping: a series of cases.
Arq Bras Cardiol., 101 (2013), pp. 226-232
[9]
J.A. Joglar, R.L. Page.
Management of arrhythmia syndromes during pregnancy.
Curr Opin Cardiol., 29 (2014), pp. 36-44
Copyright © 2014. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.