Informação da revista
Vol. 36. Núm. 12.
Páginas 881-884 (Dezembro 2017)
Visitas
18192
Vol. 36. Núm. 12.
Páginas 881-884 (Dezembro 2017)
Perspetivas em Cardiologia
Open Access
Interpretação dos peptídeos natriuréticos tipo B na era dos antagonistas da neprilisina/recetores da angiotensina (ARNIs)
Interpretation of B‐type natriuretic peptides in the era of angiotensin receptor‐neprilysin inhibitors
Visitas
18192
Paulo Bettencourta,
Autor para correspondência
pbettfer@med.up.pt

Autor para correspondência.
, Cândida Fonsecab, Fátima Francoc, Aurora Andraded, Dulce Britoe
a Faculdade de Medicina UP, Hospital CUF Porto, Porto, Portugal
b Unidade de Insuficiência Cardíaca, Serviço de Medicina III, H. S. Francisco Xavier, CHLO, NOVA Medical School, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal
c Unidade Tratamento IC Avançada (UTICA), Serviço de Cardiologia, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
d Serviço Cardiologia, Hospital Tâmega e Vale Sousa, Penafiel, Portugal
e Serviço de Cardiologia, CHLN, CCUL, Centro Académico de Medicina de Lisboa, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Resumo

A determinação dos níveis séricos de peptídeos natriuréticos (porção aminoterminal do peptídeo natriurético tipo B–NT‐proBNP ou da porção carboxiterminal ‐ BNP) constituiu avanço científico com impacto clínico muito relevante no diagnóstico e na determinação prognóstica de doentes com insuficiência cardíaca (IC). São hoje um instrumento com valor reconhecido nesse contexto e diversos estudos sugerem o seu interesse na titulação da terapêutica desses doentes. Recentemente, com o conhecimento do valor terapêutico do uso de inibidores da neprilisina/antagonista dos recetores da angiotensina, o uso desses dois biomarcadores na IC carece de interpretação diversa. O uso desses fármacos associa‐se à redução dos níveis de NT‐proBNP mas a aumento dos níveis de BNP. Os autores neste artigo conciso reveem a interpretação e valorização dos níveis de peptídios natriuréticos à luz da evidência mais recente.

Palavras‐chave:
Insuficiência cardíaca
Peptídeos natriureticos
BNP
NT‐proBNP
Abstract

Assessment of serum levels of natriuretic peptides, especially the amino‐terminal portion (NT‐proBNP) and the carboxy‐terminal portion (BNP) of pro‐B‐type natriuretic peptide, has had a highly significant clinical impact on the diagnosis and prognostic stratification of patients with heart failure (HF). They are now an instrument with recognized value in this context and several studies have demonstrated their value in tailoring therapy for these patients. Following the recent advent of angiotensin receptor‐neprilysin inhibitors (ARNIs), there is a need to review how these two biomarkers are interpreted in HF. The use of ARNIs is associated with a reduction in NT‐proBNP but an increase in BNP levels. The authors of this concise article review the interpretation of natriuretic peptide levels in the light of the most recent evidence.

Keywords:
Heart failure
Natriuretic peptides
B‐type natriuretic peptide
NT‐proBNP
Texto Completo

Desde o fim do século XX que se tem observado uma explosão de investigação clínica sobre biomarcadores na insuficiência cardíaca (IC), fundamentalmente do peptídeo natriurético (PN) tipo B. É hoje clara e substancial a importância que o uso desse PN tem no diagnóstico de IC, especialmente da IC aguda.1 De facto, com o uso da determinação do peptídeo natriurético tipo B, quer a sua porção carboxiterminal (BNP) quer a sua porção aminoterminal (NT‐proBNP), os clínicos conseguem determinar o mecanismo associado à dispneia – IC, quando o valor elevado, ou causa não cardíaca, (mais frequentemente doença pulmonar) quando está baixo.2,3 Esse valor diagnóstico do PN tipo B é ainda mais relevante – e está atualmente bem reconhecido – quando existe clinicamente elevado grau de incerteza sobre o mecanismo subjacente à dispneia no doente agudo.4 Na maioria dos serviços de urgência portugueses esse instrumento está disponível e será um desafio avaliar a sua custo/efetividade no nosso sistema de saúde. Em outros sistemas de saúde a sua mais‐valia clínica, inclusive custo/efetividade, já foi claramente demonstrada.5,6

Também o valor prognóstico do PN tipo B é hoje reconhecido em todo o espectro de gravidade da IC, quer em doentes agudos, quer crónicos.7–9 Adicionalmente sabemos que o seu perfil de variação se associa de forma importante ao prognóstico.10,11 Doentes com valores de peptídeo natriurético tipo B que aumentam apesar do aprimoramento da terapêutica têm um prognóstico significativamente mais reservado do que doentes nos quais se observam reduções significativas (> 30%) dos seus valores.10–14 Essas observações estiveram na génese de diversos estudos que tentaram avaliar se os níveis de PN tipo B poderiam constituir um objetivo válido na avaliação da eficácia do tratamento de doentes com IC. Esses estudos também se basearam na evidência verificada entre o uso de terapêuticas ligadas à melhoria prognóstica e à diminuição dos níveis de PN tipo B. Para além das observações da associação dos níveis de PN tipo B ao prognóstico, também a constatação de que as terapêuticas que se associam à melhoria do prognóstico se associavam a reduções dos níveis de PN tipo B (com exceção dos bloqueadores adrenérgicos, que apenas se associam a reduções no médio prazo) foram a razão para a feitura desses estudos. Os resultados (atualmente 10 ensaios) mostraram conclusões divergentes.15,16 De facto, diferentes desenhos dos vários estudos, objetivos de redução dos níveis de PN tipo B diversos e com metodologias usadas também diferentes dificultam a valorização dos resultados. Alguns aspetos foram contudo comuns a todos os estudos, a terapêutica com o objetivo de reduzir os níveis de PN tipo B não se associou a maior incidência de efeitos adversos e parece haver maior benefício da terapêutica guiada pelo PN nos doentes com menos de 75 anos. Outros aspetos relevantes na interpretação desses biomarcadores são a identificação dos doentes em que a modulação do sistema dos PN será bem mais difícil por «exaustão»/incapacidade fisiopatológica de plasticidade.17 Embora esses resultados não demonstrem cabalmente ser esse o caminho a seguir no tratamento individualizado dos doentes com IC, a estratégia mantém grande potencial e por isso continua em investigação.

Recentemente, a comunidade científica foi surpreendida pelos resultados do estudo que comparou o sacubitril‐valsartan, um inibidor da neprilisina e dos recetores da angiotensina (ARNI), com a terapêutica padrão da IC crónica, o enalapril (PARADIGM‐HF). O sacubiril/valsartan modula simultaneamente o sistema dos PN e o sistema da renina‐angiotensina‐aldosterona, um novo paradigma no tratamento da IC crónica.18 O sacubitril inibe diretamente a neprilisina, uma endopeptidase neutra responsável pela degradação de várias substâncias vasoactivas endógenas, entre elas os PN tipo A, B e C, a angiotensina (justifica o uso simultâneo do valsartan), a bradicinina, a adrenomedulina – ainda que com afinidades diferentes – pelo que o seu uso resulta previsivelmente num aumento dos níveis séricos do BNP.19In vitro, a neprilisina é responsável pela clivagem do BNP a vários níveis, os vários ensaios usados para a determinação dos níveis séricos de BNP detetam etitopos diferentes, levam a uma variação de 25% nos níveis séricos do BNP consoante a identificação de etitopos identificados pelos anticorpos de cada teste laboratorial. É certo que o sacubitril valsartan afeta todos os ensaios, poderá fazê‐lo em proporções diferentes e desafiar mais ainda a interpretação dos níveis séricos de BNP.19,20 Ao contrário do BNP, a porção N‐terminal do pro‐BNP (NT‐proBNP) não é substrato para a neprilisina, pelo que o seu doseamento não é afetado diretamente pelo mecanismo de ação do fármaco.

No PARADIGM‐HF, com o uso do sacubitril‐valsartan, foi observada uma elevação de cerca de 10% nos níveis de BNP e de 90% nos níveis urinários de cGMP (segundo mensageiro do BNP) e uma redução dos níveis de NT‐proBNP em 20 a 30% em curto e médio prazo. Resultados recentes do ensaio PARADIGM – HF mostraram que os doentes que atingiram reduções de NT‐proBNP para valores inferiores a 1.000 pg/l tiveram menor mortalidade cardiovascular ou internamento por IC independentemente do braço de tratamento a que estavam alocados – verificou‐se uma diminuição do risco relativo de 59% quando comparados com os que não diminuíram os níveis de NT‐proBNP abaixo dos 1.000 pg/dl).14 O tratamento com sacubitril‐valsartan diminuiu o NT‐proBNP para níveis inferiores a 1.000 pg/ml cerca de duas vezes mais frequentemente do que o enalapril (31 versus 17% dos doentes, respetivamente).14 Essas observações tornam o uso de NT‐proBNP na prática clínica futura como o instrumento preferencial na monitoração de doentes com IC. É um facto que desconhecemos ainda qual o comportamento do BNP em longo prazo em doentes sob terapêutica com inibidores da neprilisina/antagonistas da angiotensina, pode até haver uma redução ulterior dos níveis de BNP, mas o seu potencial de monitoração estará sempre comprometido. Na opinião dos autores, os clínicos deverão conhecer bem e ter experiência no uso de uma das formas do PN tipo B, à luz do conhecimento atual o NT‐proBNP é o instrumento que melhores possibilidades oferece ao clínico no espectro da sua utilidade clínica.

Recentemente, e decorrente de investigação dessa nova classe farmacológica, a neprilisina solúvel tem vindo a ser estudada como um potencial novo biomarcador na IC aguda e crónica, há observações preliminares que sugerem um valor superior ao NT‐proBNP como biomarcador associado ao prognóstico.20–23 Mais investigação será necessária para aperfeiçoar reagentes e testar essa hipótese antes que esse biomarcador possa eventualmente ser introduzido na prática clínica.

Sumário

  • O peptídeo natriurético tipo B‐ BNP/NT‐proBNP é um instrumento importante no diagnóstico de IC;

  • O peptídeo natriurético tipo B‐ BNP/NT‐proBNP tem valor no exercício prognóstico em todo o espectro de gravidade da IC;

  • O benefício clínico do uso do peptídeo natriurético tipo B‐ BNP/NT‐proBNP na monitoração de doentes com IC não está ainda provado;

  • Os clínicos devem estar familiarizados com o uso de uma das formas de peptídeo natriuretico tipo B, atualmente o NT‐proBNP é o que mais possibilidades oferece no espectro da sua utilidade clínica.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimento

Ao Dr. Nelson Lopes (Departamento Médico, Roche) pelo apoio logístico e científico.

Bibliografia
[1]
P. Ponikowski, A.A. Voors, S.D. Anker, et al.
2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC). Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC.
Eur J Heart Fail., 18 (2016), pp. 891-975
[2]
A.S. Maisel, P. Krishnaswamy, R.M. Nowak, et al.
Breathing Not Properly Multinational Study Investigators. Rapid measurement of B‐type natriuretic peptide in the emergency diagnosis of heart failure.
N Engl J Med., 347 (2002), pp. 161-167
[3]
J.L. Januzzi Jr., C.A. Camargo, S. Anwaruddin, et al.
The N‐terminal Pro‐BNP investigation of dyspnea in the emergency department (PRIDE) study.
Am J Cardiol., 95 (2005), pp. 948-954
[4]
P.A. McCullough, R.M. Nowak, J. McCord, et al.
B‐type natriuretic peptide and clinical judgment in emergency diagnosis of heart failure: analysis from Breathing Not Properly (BNP) Multinational Study.
Circulation., 106 (2002), pp. 416-422
[5]
C. Mueller, K. Laule-Kilian, C. Schindler, et al.
Cost‐effectiveness of B‐type natriuretic peptide testing in patients with acute dyspnea.
Arch Intern Med., 166 (2006), pp. 1081-1087
[6]
G.W. Moe, J. Howlett, J.L. Januzzi, et al.
Canadian Multicenter Improved Management of Patients With Congestive Heart Failure (IMPROVE‐CHF) Study Investigators.N‐terminal pro‐B‐type natriuretic peptide testing improves the management of patients with suspected acute heart failure: primary results of the Canadian prospective randomized multicentre IMPROVE‐HF study.
Circulation., 115 (2007), pp. 3103-3110
[7]
P. Bettencourt, A. Azevedo, J. Pimenta, et al.
N‐terminal‐pro‐brain natriuretic peptide predicts outcome after hospital discharge in heart failure patients.
Circulation., 110 (2004), pp. 2168-2174
[8]
H. Dokainish, W.A. Zoghbi, N.M. Lakkis, et al.
Incremental predictive power of B‐type natriuretic peptide and tissue Doppler echocardiography in the prognosis of patients with congestive heart failure.
J Am Coll Cardiol., 45 (2005), pp. 1223-1226
[9]
TsutamotoT, A. Wada, K. Maeda.
Plasma brain natriuretic peptide level as a biochemical marker of morbidity and mortality in patients with asymptomatic or minimally symptomatic left ventricular dysfunction. Comparison with plasma angiotensin II and endothelin‐1.
Eur Heart J., 20 (1999), pp. 1799-1807
[10]
P. Bettencourt, F. Friões, A. Azevedo, et al.
Prognostic information provided by serial measurements of brain natriuretic peptide in heart failure.
Int J Cardiol., 93 (2004), pp. 45-48
[11]
R. Latini, S. Masson, I. Anand, Valsartan Heart Failure Trial Investigators, et al.
Effects of valsartan on circulating brain natriuretic peptide and norepinephrine in symptomatic chronic heart failure: the Valsartan Heart Failure Trial (Val‐HeFT).
Circulation., 106 (2002), pp. 2454-2458
[12]
I.S. Anand, L.D. Fisher, Y.T. Chiang, et al.
Val‐HeFT Investigators. Changes in brain natriuretic peptide and norepinephrine over time and mortality and morbidity in the Valsartan Heart Failure Trial (Val‐HeFT).
Circulation, 107 (2003), pp. 1278-1283
[13]
D. Logeart, G. Thabut, P. Jourdain, et al.
Predischarge B‐type natriuretic peptide assay for identifying patients at high risk of re‐admission after decompensated heart failure.
J Am Coll Cardiol., 43 (2004), pp. 635-641
[14]
M.R. Zile, B.L. Claggett, M.F. Prescott, et al.
Prognostic Implications of Changes in N‐Terminal Pro‐B‐Type Natriuretic Peptide in Patients With Heart Failure.
J Am Coll Cardiol., 68 (2016), pp. 2425-2436
[15]
H.P. Brunner-La Rocca, L. Eurlings, A.M. Richards, et al.
Which heart failure patients profit from natriuretic peptide guided therapy?. A meta‐analysis from individual patient data of randomized trials.
Eur J Heart Fail., 17 (2015), pp. 1252-1261
[16]
C. Balion, R. McKelvie, A.C. Don-Wauchope, et al.
B‐type natriuretic peptide‐guided therapy: a systematic review.
Heart Fail Rev., 19 (2014 Aug), pp. 553-564
[17]
P. Lourenço, A. Azevedo, J.P. Araújo, et al.
Natriuretic peptide system is not exhausted in severe heart failure.
J Cardiovasc Med (Hagerstown)., 10 (2009), pp. 39-43
[18]
S. Mangiafico, L.C. Costello-Boerrigter, I.A. Andersen, et al.
Neutral endopeptidase inhibition and the natriuretic peptide system: an evolving strategy in cardiovascular therapeutics.
Eur Heart J., 34 (2013), pp. 886-893
[19]
A.G. Semenov, A.G. Katrukha.
Different susceptibility of B‐type natriuretic peptide (BNP) and BNP precursor (proBNP) to cleavage by neprilysin: The N‐terminal part does matter.
Clin Chemistry., 62 (2016), pp. 617-622
[20]
J.L. Januzzi.
B‐type natriuretic peptide testing in the era of neprilysin inhibition: are the winds of change blowing?.
Clin Chemistry., 62 (2016), pp. 663-665
[21]
A. Bayes-Genis.
Neprilysin in heart failure: from oblivion to center stage.
JACC Heart Fail., 3 (2015), pp. 637-640
[22]
A. Bayes-Genis, J. Barrallat, D. Pascual-Figal, et al.
Prognostic value and kinetics of soluble neprilysin in acute heart failure. A Pilot study.
JACC Heart Fail., 3 (2015), pp. 641-644
[23]
A. Bayes-Genis, J. Barrallat, A. Galan, et al.
Soluble neprilysin is predictive of cardiovascular death and heart failure hospitalization in heart failure patients.
J Am Coll Cardiol., 65 (2015), pp. 657-665
Copyright © 2017. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.