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Vol. 36. Núm. 9.
Páginas 627-628 (Setembro 2017)
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Inotrópicos na abordagem da insuficiência cardíaca aguda e sua repercussão renal – serão todos iguais?
Inotropes for the management of acute heart failure and their renal repercussions: Are they all the same?
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Inês Rangel
Serviço de Cardiologia, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal
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Marta Madeira, Francisca Caetano, Inês Almeida, Andreia Fernandes, Liliana Reis, Marco Costa, Lino Gonçalves
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A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica com elevado impacto na saúde pública, dadas as suas elevadas prevalência, morbilidade e mortalidade a nível mundial. Para além disso, tudo indica que a prevalência da IC aumentará em 25% até 20301.

Nos países desenvolvidos, a IC aguda é a primeira causa de hospitalizações dos indivíduos com mais de 65 anos, correspondendo a uma condição clínica ameaçadora para a vida, que exige avaliação e tratamento urgentes2. Em Portugal, entre todas as doenças cérebro‐cardiovasculares, a IC detém a mais alta taxa de mortalidade intra‐hospitalar3.

Tratando‐se de uma doença sistémica, a IC pode causar disfunção em vários órgãos e, em particular, no rim. O termo síndrome cardiorrenal (SCR) foi desenvolvido para descrever uma variedade de situações clínicas que envolvem o agravamento concomitante da função renal e cardíaca. Na literatura está já estabelecida a implicação prognóstica desta síndrome, tendo sido associada a internamentos mais prolongados, maior taxa de mortalidade intra‐hospitalar e pós‐alta, e maior taxa de reinternamentos4–6. A explicação clássica para o agravamento da função renal na IC baseada na hipoperfusão renal devida a baixo débito cardíaco ou hipotensão já se mostrou incompleta, explicando apenas alguns aspetos desta síndrome.

O tratamento com inotrópicos é um dos tópicos mais controversos na abordagem da IC aguda. Vários estudos sobre esta temática tornaram bem evidentes as muitas incertezas que existem na utilização destes fármacos7–9. Ao mesmo tempo que proporcionam uma melhoria do ponto de vista hemodinâmico, condicionam também aumento da necessidade de oxigénio miocárdico, promovem um perfil pro‐arrítmico, interagem nos mecanismos pro‐apoptóticos. O impacto clínico da SCR, neste grupo de doentes, fez com que alguns autores se debruçassem também no potencial efeito benéfico dos inotrópicos ao nível da função renal10,11. Inotrópicos como a dobutamina e o levosimendan melhoram o débito cardíaco e, por conseguinte, a perfusão renal. Para além disso, o levosimendan apresenta também uma ação vasodilatadora a nível das artérias e veias renais, podendo justificar um potencial efeito renoprotetor associado12.

No presente número da revista, Madeira et al.13 avaliaram, retrospetivamente, a incidência da SCR de acordo com o inotrópico usado, tendo dividido a amostra em dois grupos (levosimendan e dobutamina) e determinaram os preditores desta síndrome, em 108 doentes consecutivos, admitidos por IC aguda requerendo tratamento inotrópico.

A incidência de SCR foi superior no grupo tratado com dobutamina em comparação com o grupo tratado com levosimendan (77 versus 49%, p<0,01) e a cistatina C foi o único preditor independente de ocorrência desta síndrome. A mortalidade intra‐hospitalar foi também superior no grupo tratado com dobutamina (42 versus 9%, p<0,01), sendo que a presença de SCR e o inotrópico utilizado mostraram ser preditores independentes da mortalidade intra‐hospitalar. Foi também observado por estes autores que a recuperação da função renal à data de alta tendeu a ser parcial no grupo tratado com dobutamina, em comparação com a recuperação total observada no grupo tratado com levosimendan.

Este trabalho reveste‐se de um favorável interesse e contributo para a informação científica, atendendo ao conhecimento limitado acerca da abordagem da IC aguda com inotrópicos e tratando‐se esta população de um grupo de doentes com IC aguda do mundo real.

Contudo, o caráter retrospetivo e a heterogeneidade da população estudada neste trabalho condicionam a interpretação dos resultados e impossibilitam assumir conclusões firmes relativamente à superioridade de um inotrópico versus outro. De facto, os doentes pertencentes ao grupo da dobutamina podem ter apresentado um perfil basal de risco mais elevado, com um prognóstico inerente mais reservado (doentes mais idosos, com valores inferiores de hemoglobina e tensão arterial sistólica à admissão, mais frequentemente submetidos a tratamento com vasopressores, terapêutica de substituição renal e ventilação mecânica).

Desta forma, apesar do levosimendan se tratar de um fármaco promissor na abordagem da IC aguda com repercussão renal, mantem‐se o desafio de explorar, de forma mais robusta, as características diferenciadoras e os potenciais efeitos benéficos dos diversos inotrópicos disponíveis para tratamento na IC aguda.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

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