Informação da revista
Vol. 31. Núm. 10.
Páginas 641-646 (Outubro 2012)
Visitas
17969
Vol. 31. Núm. 10.
Páginas 641-646 (Outubro 2012)
Artigo Original
Open Access
ICP primária no enfarte de miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST: tempo para intervenção e modos de referenciação
Primary PCI in ST-elevation myocardial infarction: Mode of referral and time to PCI
Visitas
17969
Pedro Jerónimo Sousa
Autor para correspondência
p965675551@gmail.com

Autor para correspondência.
, Rui Campante Teles, João Brito, João Abecasis, Pedro de Araújo Gonçalves, Rita Calé, Sílvio Leal, Raquel Dourado, Luís Raposo, Aniceto Silva, Manuel Almeida, Miguel Mendes
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, Carnaxide, Portugal
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (3)
Mostrar maisMostrar menos
Tabelas (3)
Tabela 1. Mediana dos tempos observados comparados com o máximo recomendado na população total
Tabela 2. Mediana dos tempos observados comparados com o máximo recomendado de acordo com a proveniência dos doentes
Tabela 3. Mediana do tempo total de isquémia observado de acordo com marcadores indiretos de sucesso da ICP
Mostrar maisMostrar menos
Resumo
Introdução

Segundo as recomendações atuais para o tratamento do enfarte agudo do miocárdio com supra-desnivelamento do segmento ST a intervenção coronária percutânea deve ser efetuada dentro de 90min após o primeiro contacto médico e o tempo total de isquémia não deve exceder os 120min.

O objetivo deste trabalho foi analisar a adequação da implementação destas recomendações para o enfarte do miocárdio com supra-desnivelamento do segmento ST num centro terciário de intervenção coronária percutânea.

Métodos

Registo prospetivo de centro único de 223 doentes consecutivos referenciados para intervenção coronária percutânea primária entre 2003 e 2007.

Resultados

Nesta população (idade média 60±12 anos, 76% de sexo masculino), a mediana do tempo total de isquémia foi 4h 30min (< 120min em 4% dos doentes). O intervalo de tempo com menor atraso foi desde o primeiro contacto médico até à realização do ECG (mediana 8min, <10min em 59% dos doentes). Os intervalos com maior atraso foram: do início dos sintomas ao primeiro contacto médico (mediana 104min, <30min em 6% dos doentes) e do primeiro ECG à realização da intervenção coronária (mediana 140min, <90min em 16% dos doentes). O menor tempo total de isquémia associou-se a melhor fluxo TIMI final, melhor TIMI frame count final e maior resolução do segmento ST após angioplastia (p<0,03).

As três origens mais frequentes dos doentes foram: dois hospitais de localidades próximas e o sistema de emergência médica pré-hospitalar. No grupo pré-hospitalar verificou-se menor tempo total de isquémia do que nos hospitais A ou B (2h 45min versus 4h 44min e 6h 40min, p<0,05), com menor tempo desde o primeiro contacto médico até à angioplastia (89min versus 147 e 146min, p<0,05).

Conclusão

Nesta população, apenas uma reduzida percentagem de doentes com enfarte agudo do miocárdio obteve tratamento adequado por angioplastia primária dentro dos tempos recomendados. Os doentes referenciados pelo sistema de emergência pré-hospitalar, embora em reduzida percentagem do total, foram os que obtiveram os melhores resultados na precocidade do tratamento. O cumprimento das recomendações traduz-se em melhores resultados na perfusão miocárdica obtida pela angioplastia primária.

Palavras-chave:
Angioplastia primária
Enfarte do miocárdio com supra-desnivelamento do segmento ST
Demora pré-hospitalar
Abstract
Introduction

According to the current guidelines for treatment of ST-elevation myocardial infarction (STEMI), percutaneous coronary intervention (PCI) should be performed within 90min of first medical contact and total ischemic time should not exceed 120min. The aim of this study was to analyze compliance with STEMI guidelines in a tertiary PCI center.

Methods

This was a prospective single-center registry of 223 consecutive STEMI patients referred for primary PCI between 2003 and 2007.

Results

In this population (mean age 60±12 years, 76% male), median total ischemic time was 4h 30min (<120min in 4% of patients). The interval with the best performance was first medical contact to first ECG (median 8min, <10min in 59% of patients). The worst intervals were symptom onset to first medical contact (median 104min, <30min in 6%) and first ECG to PCI (median 140min, <90min in 16%).

Shorter total ischemic time was associated with better post-PCI TIMI flow, TIMI frame count and ST-segment resolution (p<0.03). The three most common patient origins were two nearby hospitals (A and B) and the pre-hospital emergency system. The pre-hospital group had shorter total ischemic time than patients from hospitals A or B (2h 45min vs. 4h 44min and 6h 40min, respectively, p<0.05), with shorter door-to-balloon time (89min vs. 147min and 146min, respectively, p<0.05).

Conclusions

In this population, only a small proportion of patients with acute myocardial infarction underwent primary PCI within the recommended time. Patients referred through the pre-hospital emergency system, although a minority, had the best results in terms of early treatment. Compliance with the guidelines translates into better myocardial perfusion achieved through primary PCI.

Keywords:
Primary PCI
ST-segment elevation myocardial infarction
Pre-hospital delay
Texto Completo
Introdução

Em doentes com enfarte do miocárdio com supra-desnivelamento do segmento ST (EAMEST) a reperfursão precoce é o tratamento de eleição. Se possível e atempada, a reperfusão miocárdica por intervenção coronária percutânea (ICP) primária deve ser a escolha, conforme demonstrado em múltiplos estudos que evidenciaram a sua superioridade, comparativamente à trombólise, obtendo-se melhores resultados imediatos e no seguimento a longo prazo1. Qualquer atraso na obtenção da reperfusão pode agravar o prognóstico. Quando a ICP primária é o modo de reperfusão escolhido, a mortalidade intra-hospitalar aumenta de 3,0 para 4,8% quando o tempo «porta-balão» passa de 30 para 180min2 e a mortalidade aos 12 meses aumenta 7,5% a cada 30min de atraso3.

Manter o menor intervalo de tempo desde o início dos sintomas até à reperfusão é realçado nas guidelines atuais como uma prioridade. A Sociedade Europeia de Cardiologia sugere uma reperfusão por ICP primária tão precoce quanto possível em doentes com EAMEST que se apresentem nas primeiras 12h do início dos sintomas e que mantenham elevação do segmento ST (ou bloqueio completo de ramo esquerdo presumivelmente de novo) no electrocardiograma (ECG) de 12 derivações (recomendação classe i, nível de evidência A)4. O tempo recomendado desde o primeiro contacto médico até à ICP primária deve ser ≤ 2h em qualquer EAMEST e ≤ 90min em doentes que se apresentem com menos de 2h desde o início dos sintomas, com EAMEST anterior extenso e com baixo risco hemorrágico (recomendação classe i, nível de evidência B)4.

Igualmente, as recomendações do American College of Cardiology preconizam que os doentes com EAMEST que recorram aos hospitais com capacidade de realizar ICP primária devam ser tratados em 90min após o primeiro contacto médico (recomendação classe i, nível de evidência A), não devendo o tempo total de isquémia ultrapassar os 120min5.

Adicionalmente, dada a importância do ECG de 12 derivações neste contexto, este deve ser obtido em menos de 10min, desde o primeiro contacto médico, em doentes que apresentem desconforto torácico6. Recomendações semelhantes foram adotadas por sociedades nacionais. Em Portugal é indicado que o atraso na transferência de doentes para um centro com capacidade de realizar ICP primária não deve exceder os 30min7.

O objetivo deste trabalho foi analisar a adequação do tratamento dos doentes com EAMEST submetidos a ICP primária num centro terciário, examinando os tempos decorridos nas diferentes fases da abordagem dos doentes com enfarte até à ICP primária.

Métodos

Com base no registo prospetivo (Angioplasty and Coronary Revascularization On Santa Cruz Hospital) (ACROSS) que inclui todos os doentes consecutivos submetidos a ICP num único centro de intervenção terciário desde 2002, selecionamos no período compreendido entre 2003 e 2007, 223 doentes consecutivos com EAMEST submetidos a ICP primária. O diagnóstico de EAMEST foi estabelecido em doentes com dor torácica aguda com duração superior a 30min e elevação do segmento ST em pelo menos 2 derivações contíguas no ECG de 12 derivações ou com bloqueio completo de ramo esquerdo de novo.

Os tempos totais e intercalares desde o início dos sintomas até à realização da ICP primária foram analisados e comparados com as recomendações.

Os intervalos de tempo foram definidos prospetivamente e comparados com os recomendados do seguinte modo: dor-médico - desde o início dos sintomas até ao primeiro contacto médico (tempo recomendado (TR) - desde o primeiro contacto médico até à realização do ECG diagnóstico (TR < 10min); ECG-centro ICP, desde a realização do ECG diagnóstico até à chegada ao centro com capacidade de ICP (TR < 30min); centro ICP-dispositivo, desde a chegada ao centro com capacidade para ICP até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização (TR < 50min); ECG-dispositivo, desde a realização do ECG diagnóstico até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização (TR < 80min); médico-dispositivo, desde o primeiro contacto médico até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização (TR < 90min); e tempo total de isquémia, desde o início dos sintomas até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização (TR < 120min). Estes limites de tempo foram definidos segundo recomendações nacionais e internacionais4–7. A população foi dividida em 3 grupos, de acordo com a sua origem: Hospital A (a 6km de distância do nosso centro), Hospital B (a 22km de distância do nosso centro) e sistema de emergência pré-hospitalar. Os intervalos de tempo avaliados foram comparados entre estes grupos.

Foram avaliados ainda os seguintes parâmetros relacionados com a perfusão miocárdica: o fluxo TIMI, o TIMI frame count e a resolução do segmento ST após a ICP. O fluxo TIMI e o TIMI frame count foram calculados de acordo com referências publicadas8,9. A resolução do segmento ST foi calculada com a soma de todas as derivações que apresentavam elevação ST no ECG diagnóstico. Estas variáveis foram usadas como marcadores indiretos do sucesso da ICP do seguinte modo: fluxo TIMI 3, TIMI frame count ≤ 24 e resolução do segmento ST ≥70%. Foram comparadas diferenças no tempo total de isquémia na presença e ausência destes marcadores indiretos de sucesso da ICP.

Análise estatística

As variáveis categóricas apresentam-se como número / percentagem. As variáveis contínuas são apresentadas como média ± desvio padrão, exceto para os valores temporais, que se apresentam como mediana.

Diferenças entre variáveis contínuas foram testadas usando o teste de Mann-Whitney ou de Kruskal-Wallis. As diferenças observadas foram consideradas significativas quando p<0,05 (intervalo de confiança 0,95).

Resultados

Na população selecionada de 223 doentes, a idade média foi 60±12 anos, com 76% de doentes do sexo masculino. Os fatores de risco cardiovasculares presentes eram: diabetes em 17% dos doentes, tabagismo (ativo ou antigo) em 56%, hipertensão em 55% e dislipidémia em 50%. Na apresentação 7% tinham uma classe de Killip-Kimball ≥3 e 18% dos doentes tinham antecedentes de enfarte do miocárdio, 19% de ICP, 4% de cirurgia de revascularização miocárdica, 5% de doença cerebrovascular e 2% apresentavam insuficiência renal com necessidade de diálise.

Os intervalos de tempo totais e intercalares apresentam-se na Tabela 1 e Figura 1. A mediana do tempo total de isquémia foi 4h 30min, sendo que apenas 4% realizaram a ICP em menos de 120min.

Tabela 1.

Mediana dos tempos observados comparados com o máximo recomendado na população total

  TR Max  Obs.  < TR Max (%) 
Dor-médico  0h30min  1h45min  6,0 
Médico-ECG  0h10min  0h08min  58,5 
ECG-centro ICP  0h30min  1h34min  7,0 
Centro ICP-dispositivo  0h50min  0h30min  75,2 
ECG-Dispositivo  1h20min  2h03min  18,3 
Médico-dispositivo  1h30min  2h20min  16,0 
Tempo total de isquémia  2hmin  4h30min  3,7 

Figura 1.

Mediana dos tempos totais e intercalares comparados com o máximo recomendado na população total.

Centro ICP-dispositivo: desde a chegada ao centro com capacidade para ICP até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; Dor-médico: desde o início dos sintomas até ao primeiro contacto médico; ECG-centro ICP: desde a realização do ECG diagnóstico até à chegada ao centro com capacidade de ICP; Médico-ECG: desde o primeiro contacto médico até à realização do ECG diagnóstico; Recomendado: Tempo máximo recomendado; Total: população total.

(0,09MB).

Os intervalos com menor atraso foram o intervalo médico-ECG, com uma mediana de 8min (<10min em 59% dos doentes) e centro ICP-dispositivo, com uma mediana de 30min (<50min em 75% dos doentes). Os intervalos com maior atraso foram o intervalo dor-médico, com uma mediana de 104min (< 30min em 6% dos doentes) e médico-dispositivo com mediana de 140 min (<90min em 16% dos doentes).

A origem mais frequente foi o Hospital A (64%), seguida do Hospital B (15%) e sistema de emergência pré-hospitalar (9%). Os restantes 12% provieram de outras instituições de saúde ou recorreram diretamente ao nosso centro pelos seus próprios meios. Os tempos totais e intercalares de cada grupo apresentam-se na Tabela 2 e Figura 2. O grupo pré-hospitalar obteve menor tempo total de isquémia que o Hospital A ou B (2h45min versus 4h44h e 6h40min, p<0,05). Esta diferença resultou principalmente de um tempo dor-médico menor (75 versus 107 e 152min, p<0,05) e ECG-centro ICP também menor (36 versus 106 e 99min, p<0,05).

Tabela 2.

Mediana dos tempos observados comparados com o máximo recomendado de acordo com a proveniência dos doentes

  TR Max  Pre-HospHosp-AHosp-B
    Obs.  < TR Max (%)  Obs.  < TR Max (%)  Obs.  < TR Max (%) 
Dor-médico  0h30min  1h15min  7,1  1h47min  5,0  2h32min  8,3 
Médico-ECG  0h10min  0h07min  71,4  0h13min  48,3  0h06min  64,7 
ECG-centro ICP  0h30min  0h36min  33,3  1h46min  3,4  1h39min 
Centro ICP-dispositivo  0h50min  0h44min  62,5  0h27min  88,7  0h24min  84,6 
ECG-Dispositivo  1h20min  1h22min  50,0  2h20min  6,1  2h22min  6,3 
Médico-dispositivo  1h30min  1h29min  64,3  2h27min  2,0  2h26min  4,3 
Tempo total de isquémia  2h00min  2h45min  6,7  4h44min  1,0  6h40min  0,0 

< Max (%): percentagem de doentes em que o tempo observado foi inferior ao máximo recomendado; Centro ICP-dispositivo: desde a chegada ao centro com capacidade para ICP até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; Dor-médico: desde o início dos sintomas até ao primeiro contacto médico; ECG-centro ICP: desde a realização do ECG diagnóstico até à chegada ao centro com capacidade de ICP; ECG-dispositivo: desde a realização do ECG diagnóstico até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; Médico-dispositivo: desde o primeiro contacto médico até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; Médico-ECG: desde o primeiro contacto médico até à realização do ECG diagnóstico; Obs.: Observado; Tempo total de isquemia: desde o início dos sintomas até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; TR Max: tempo máximo recomendado.

Figura 2.

Mediana dos tempos totais e intercalares comparados com o máximo recomendado de acordo com a origem dos doentes.

Centro ICP-dispositivo: desde a chegada ao centro com capacidade para ICP até à utilização do primeiro dispositivo de revascularização; Dor-médico: desde o início dos sintomas até ao primeiro contacto médico; ECG-centro ICP: desde a realização do ECG diagnóstico até à chegada ao centro com capacidade de ICP; Médico-ECG: desde o primeiro contacto médico até à realização do ECG diagnóstico; Pré-Hosp: sistema de emergência pré-hospitalar; Recomendado: Tempo máximo recomendado.

(0,09MB).

Do total da amostra, 203 doentes não foram referenciados diretamente pelo sistema de emergência pré-hospitalar para o nosso centro. Neste grupo, 63% foram transportados aos hospitais por meios próprios, enquanto os restantes 37% foram transportados de ambulância (em pelo menos 15% dos casos com avaliação médica pré-hospitalar) (Figura 3).

Figura 3.

Modo de transporte dos doentes para um primeiro hospital sem capacidade de ICP.

Ambulância: ambulância sem médico (sistema de emergência pré-hospitalar ou privada); Ambulância com médico: ambulância com médico (sistema de emergência pré-hospitalar).

(0,05MB).

Considerando os resultados da ICP, o fluxo TIMI 3 foi obtido em 83% dos doentes, TIMI frame count ≤ 24 em 59% e a resolução do segmento ST ≥ 70 em 45% dos doentes. A obtenção destes marcadores indiretos de sucesso da ICP esteve associada a um menor tempo total de isquémia: em doentes com fluxo TIMI 3 a mediana do tempo total de isquémia foi 4h17m (versus 7h03min com fluxo TIMI 2, p=0,02); com TIMI frame count ≤24 a mediana do tempo total de isquémia foi 4h 11min (versus 5h00min com TIMI frame count > 24, p=0,03); e com resolução de ST ≥ 70% a mediana do tempo total de isquémia foi 3h59m (versus 5h12min com resolução de ST <70%, p=0,02) (Tabela 3).

Tabela 3.

Mediana do tempo total de isquémia observado de acordo com marcadores indiretos de sucesso da ICP

  Tempo total de isquémia 
TIMI 2 versus7h03m versus 4h170,02 
TIMI Frame count >24 versus ≤ 24  5h00m versus 4h110,03 
Resolução de ST <70 versus70%  5h12m versus 3h590,002 

TIMI: fluxo TIMI pós ICP; TIMI Frame Count: TIMI Frame Count corrigido pós-ICP.

Discussão

A associação entre a duração da isquémia miocárdica e o prognóstico no contexto EAMEST do ECG está claramente estabelecido e é atualmente uma prioridade a obtenção da perfusão miocárdica no mais curto intervalo de tempo possível. De facto, nos últimos anos, o enfoque do tratamento do EAMEST tem sido na reorganização dos serviços de saúde de forma a promover o seu tratamento no mais curto intervalo de tempo possível.

Num estudo de Le May10 foram analisados tempos intercalares e os intervalos definidos de forma idêntica aos nossos foram: ECG-centro ICP (mediana observada de 38min), centro ICP-dispositivo (mediana observada de 57min), ECG-dispositivo (mediana observada de 104min) e tempo total de isquémia (mediana observada de 201min). Os tempos observados neste estudo foram menores do que os que encontrámos, exceto para o centro ICP-dispositivo, provavelmente consequência de um maior atraso na chegada dos doentes ao nosso centro, dando-nos mais tempo para preparar a logística e equipa para a ICP. Este estudo também comparou as diferenças de tempo em doentes referenciados diretamente do ambiente pré-hospitalar e de outros hospitais. Tal como nós, os tempos observados em cada intervalo foram significativamente menores quando os doentes foram referenciados diretamente do ambiente pré-hospitalar para a ICP primária. Neste subgrupo e em ambos os estudos, as medianas de tempos intercalares foram semelhantes, no entanto este autor reportou uma proporção significativamente maior de doentes referenciados do pré-hospitalar (39 versus 9% no nosso estudo). Esta diferença pode ter influenciado o maior atraso observado na nossa população.

Noutro estudo, que analisou doentes com EAMEST referenciados para ICP primária por equipas pré-hospitalares observou que em 66,7% dos casos o tempo desde o primeiro contacto médico à realização de ICP foi < 90min11. Este valor é semelhante ao tempo médico-dispositivo que encontrámos no grupo pré-hospitalar.

Outro estudo multicêntrico, combinando informação de 30 países diferentes12 registou um intervalo de tempo desde o início dos sintomas ao primeiro contacto médico (definido como a realização do ECG diagnóstico) compreendido entre 60 e 210min e desde o primeiro contacto médico à ICP entre 60 e 177min. Os intervalos que observámos encontram-se aproximadamente no centro dos apresentados neste estudo.

Um trabalho nacional por Trigo et al.13 reportou uma mediana da demora pré-hospitalar que variou entre 3h31min e 4h05min, tempos ligeiramente acima dos que observámos. Por outro lado, a mediana da demora intra-hospitalar variou entre 1h26min e 2h15min, tempos ligeiramente abaixo dos que apresentámos. Estas diferenças podem estar relacionadas com diferenças na organização dos 2 centros: a nossa área de referenciação é menor (logo com tempos pré-hospitalares menores) mas não tem departamento de urgência no local, sendo maioritária a referência de outros hospitais (logo com maiores tempos intra-hospitalares). Outro estudo, por Ribeiro et al.14 analisou somente a demora pré-hospitalar neste contexto, obtendo uma mediana de 2,16h, semelhante ao que encontrámos. Finalmente, um estudo de Ramos et al.15 observou uma mediana de tempo total de isquémia de 7,64h (12,1h se o doente se apresentasse em choque cardiogénico), tempos ligeiramente acima dos nossos.

Observámos demoras menores em doentes referenciados para ICP pelo sistema de emergência médica. Contudo, no restante grupo, houve uma proporção importante de doentes que tinham sido avaliados por profissionais de saúde antes de serem transportados para um hospital sem capacidade de ICP. Estes doentes foram transportados sem a realização pré-hospitalar de ECG ou se este foi realizado não se chegou ao diagnóstico de EAMEST.

A análise dos marcadores indiretos de perfusão miocárdica com sucesso, após ICP, revelou uma associação entre a presença de um melhor fluxo TIMI final, de um menor TIMI frame count final e de uma maior resolução do segmento ST com um tempo total de isquémia menor. Estes dados sugerem que um tempo de isquémia menor se associa a uma maior probabilidade de sucesso da ICP. Dados semelhantes foram observados noutros trabalhos onde se verificou uma associação entre menor tempo de isquémia e um melhor resultado de ICP primária avaliada pelo TIMI frame count corrigido16. Não encontramos referências relativamente à associação entre um tempo de isquémia menor e um fluxo TIMI pós-ICP melhor ou uma maior resolução do segmento ST no contexto de ICP primária por EAMEST. No entanto, estes dados estão bastante estudados como marcadores de sucesso da ICP17,18. A associação que encontramos entre um melhor resultado da ICP por este meio e um menor tempo de isquémia reforçam a importância da precocidade da reperfusão no EAMEST.

Conclusão

Este estudo evidencia que, apesar da disponibilidade de um sistema de emergência médica pré-hospitalar disponível 24h, e que os doentes com enfarte agudo que a ele recorrem apresentarem tempos de isquémia totais significativamente menores, apenas uma pequena percentagem de doentes o faz, confirmando que a atitude dos doentes com EAMEST tem um papel decisivo nos resultados obtidos e no consequente cumprimento das recomendações. De facto, os intervalos com maior atraso foram o intervalo dor-médico e médico-dispositivo sendo este último imputado à organização interna dos hospitais.

Nesta população apenas uma minoria de doentes com enfarte do miocárdio com supradesnivelamento ST foram revascularizados dentro da janela temporal recomendada. A responsabilidade nos atrasos observados parece ser multifatorial, relacionada não só com uma atitude inadequada dos doentes aquando do seu primeiro pedido de ajuda, como podendo ser atribuída a aspetos organizacionais dos diferentes sistemas de saúde envolvidos.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
E.C. Keeley, J.A. Boura, C.L. Grines.
Primary angioplasty versus intravenous thrombolytic therapy for acute myocardial infarction: a quantitative review of 23 randomised trials.
[2]
S.S. Rathore, J.P. Curtis, J. Chen, et al.
Association of door-to-balloon time and mortality in patients admitted to hospital with ST elevation myocardial infarction: national cohort study.
BMJ, 338 (2009), pp. b1807
[3]
G. De Luca, H. Suryapranata, J.P. Ottervanger, et al.
Time delay to treatment and mortality in primary angioplasty for acute myocardial infarction: every minute of delay counts.
Circulation, 109 (2004), pp. 1223-1225
[4]
F. Van de Werf, J. Bax, A. Betriu, et al.
Management of acute myocardial infarction in patients presenting with persistent ST-segment elevation: the Task Force on the Management of ST-Segment Elevation Acute Myocardial Infarction of the European Society of Cardiology.
Eur Heart J, (2008), pp. 2909-2945
[5]
E.M. Antman, M. Hand, P.W. Armstrong, et al.
2007 focused update of the ACC/AHA 2004 guidelines for the management of patients with ST-elevation myocardial infarction: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines.
J Am Coll Cardiol, 51 (2008), pp. 210-247
[6]
E.M. Antman.
ST-Elevation Myocardial Infarction: Management.
Braunwald's heart disease – a textbook of cardiovascular medicine, pp. 1233-1299
[7]
Coordenação Nacional para as Doenças Cardiovasculares.
Recomendações Clínicas para o Enfarte Agudo de Miocárdio e Acidente Vascular Cerebral.
Palma Artes Gráficas, Lda, (2007),
[8]
J.H. Chesebro, G. Knatterud, R. Roberts, et al.
Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI) Trial, Phase I: A comparison between intravenous tissue plasminogen activator and intravenous streptokinase. Clinical findings through hospital discharge.
Circulation, 76 (1987), pp. 142-154
[9]
V. Kunadian, C. Harrigan, C. Zorkun, et al.
Use of the TIMI frame count in the assessment of coronary artery blood flow and microvascular function over the past 15 years.
J Thromb Thrombolysis, 27 (2009), pp. 316-328
[10]
M.R. Le May, D.Y. So, R. Dionne, et al.
A citywide protocol for primary PCI in ST-segment elevation myocardial infarction.
N Engl J Med, 358 (2008), pp. 231-240
[11]
J.R. Studnek, L. Garvey, T. Blackwell, et al.
Association between prehospital time intervals and ST-elevation myocardial infarction system performance.
Circulation, 122 (2010), pp. 1464-1469
[12]
P. Widimsky, W. Wijns, J. Fajadet, et al.
Reperfusion therapy for ST elevation acute myocardial infarction in Europe: description of the current situation in 30 countries.
Eur Heart J, 31 (2010), pp. 943-957
[13]
J. Trigo, P. Gago, J. Mimoso, et al.
Tempo de demora intra-hospitalar após triagem de Manchester nos Enfartes Agudos do Miocárdio com elevação de ST.
Rev Port Cardiol, 27 (2008), pp. 1251-1259
[14]
S. Ribeiro, A. Gaspar, S. Rocha, et al.
Preditores de demora pré-hospitalar em doentes com enfarte agudo do miocárdio com elevação do segmento ST.
Rev Port Cardiol, 29 (2010), pp. 1521-1532
[15]
R. Ramos, L. Patrício, L. Bernardes, et al.
Resultados da angioplastia primária num centro de referência. Evolução intra-hospitalar.
Rev Port Cardiol, 28 (2009), pp. 1063-1084
[16]
C.H. Lee, B.C. Tai, C. Lau, et al.
Relation between door-to-balloon time and microvascular perfusion as evaluated by myocardial blush grade, corrected TIMI frame count, and ST-segment resolution in treatment of acute myocardial infarction.
J Interv Cardiol, 22 (2009), pp. 437-443
[17]
W.A. Tan, D.J. Moliterno.
TIMI flow and surrogate end points: what you see is not always what you get.
Am Heart J, 136 (1998), pp. 570-573
[18]
C.K. Wong, S.L. de la Barra, P. Herbison.
Does ST; resolution achieved via different reperfusion strategies (fibrinolysis vs percutaneous coronary intervention) have different prognostic meaning in ST-elevation myocardial infarction? A systematic review.
Am Heart J, 160 (2010), pp. 842-848
Copyright © 2011. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.