Desenvolvimento (pós‐Covid): memória, discernimento, humanismo, ética, ciência e natureza

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Para aproximar aqueles meios e estes fins, o crescimento económico é uma condição necessária. Porém, insuficiente se não resultar em maior desenvolvimento humano. E, consequentemente, através da medida da quantidade (económica) se progredir na qualidade (humana). Esta é uma inequação a que a atividade médica também não é imune: a natureza finita dos recursos face à procura infinita de saúde. Afinal, nada de diferente do que qualquer outra atividade, mas com a enorme diferença de aqui estar em jogo o mais absoluto valor: o da vida.Desenvolvimento: Etimologicamente o contrário de envolvimento, ou seja, libertação. Como se mede, sem que tal coincida com uma espécie de «felicidade nacional bruta a preços de mercado»? Há um «critério» que, caricaturalmente, considera três sinais exteriores, daqueles que são mais depressa apreendidos pelas pessoas: a quantidade de (pequenas) obras sempre inacabadas nas ruas; o estado de limpeza e higiene dos sanitários públicos, em especial nos comboios; e o grau de qualidade e de eficiência das telecomunicações. Ou seja, uma sábia mistura de produtividade, comportamento social e tecnologia.As três dimensões do desenvolvimento: 1) em nós: individualidade (não individualismo); 2) dimensão social; 3) dimensão ambiental, no encontro com a natureza.Cada vez mais, o desenvolvimento tem de ser coerentemente pluridimensional. Um desenvolvimento integral, autêntico, libertador. Um desenvolvimento associado à ética e à responsabilidade pessoal e social. À justiça distributiva e não apenas à justiça contratual e comutativa. À capacidade de conciliar mercado, sociedade e Estado. À afirmação do princípio da subsidiariedade. Ao «ser mais e melhor» e não apenas «ao incremento do ter». À importância das energias morais para neutralizar os excessos alienantes de produtivismo e de utilitarismo. À sustentabilidade social, demográfica e geracional que erradique a primazia da lógica estrita do curto‐prazo. (Bento XVI, Caritas in Veritate):Diagnóstico da sociedade contemporâneaNão devemos esquecer as notáveis expressões de melhoria do bem‐estar, do aumento da esperança de vida, a redução esmagadora da mortalidade infantil, o fortalecimento de sistemas sociais públicos, o maior período de paz, o acesso mais generalizado aos bens públicos essenciais e tantos outros exemplos de progresso humano e social.Mas, o que aqui quero expressar são interrogações, dúvidas e até angústias. Ou seja, o lado negativo desta Rerum Novarum (Das coisas novas), já não de Leão XIII (1891), mas dos tempos hodiernos.Temos, ao nosso dispor, uma imparável parafernália tecnológica. Vivemos numa época de êxtase científica, onde o infinito parece ser o limite. Universalizaram‐se poderosos meios virtuais de comunicação, com o que de maravilhoso e danoso nos trazem. Glorificámos o homo economicus e transformámos a economia de mercado em sociedade de mercado. Endeusámos a globalização económica e informacional e ignorámos os seus perigos morais. Valorizou‐se mais o crescimento económico do que o desenvolvimento humano. Estimulou‐se a apologia e o elogio do sucesso, enquanto se desdenhou da compaixão por quem fracassa. Fomentou‐se, sem rodeios, o monopólio do ter, que tantas vezes esmaga a dignidade do ser. Desprezámos a aldeia para aumentar o urbanismo descontrolado e o asfalto. (Tolstói, aldeia) Vivemos prenhes da nova ideologia do atualismo, que secundariza o tempo que está para além do dia seguinte. Erguemos o utilitarismo como a ética da conveniência e o egoísmo como a ética intergeracional. Convivemos com uma insidiosa métrica do valor da vida, através da qual ser velho é um problema e nascer é uma inconveniência. Continuamos, apesar das declarações proclamatórias, a ver a natureza como uma mera coisa instrumental a usar, abusar e a saquear. Exaltamos a exclusividade dos direitos e fragmentamos os correspondentes deveres. Esquecemos que a noção de direitos humanos é ilusória quando se separa o direito do dever. Enganamo‐nos quando, entre o bem e o mal, criámos uma falsa e perigosa categoria ética, a da indiferença. Esbanjamos investigação e dinheiro em meios de guerra nucleares, urânio enriquecido, armamento sofisticado, armas químicas, mas não temos sido capazes de erradicar a malária que mata em África, e outras doenças, só porque escolhem os pobres para seu alvo. Desmerecemos o direito natural universal que decorre da natureza humana e dos seus fins para tudo concentrar no direito positivo contingente, que, não raro, contraria o direito natural. Adulterámos o bem comum, enquanto expressão ética e dimensão social e comunitária de fazer o bem e enquanto razão de ser da autoridade política. Desvalorizámos a família e o lar (palavra ora em desuso) como epicentros da educação, da solidariedade e de transmissão da vida, em troca do individualismo, da efemeridade e do hedonismo. Trocámos valores sólidos pelo subjetivismo e relativismo de meras opiniões que nada valem por tudo quererem valer. Dividimos a força da verdade e multiplicamos a mentira. Promovemos a primazia do número e o sufoco da estatística, como formas traiçoeiras de ditar políticas e de iludir as muitas formas de exclusão. Satisfazemo‐nos com a supremacia das circunstâncias sobre nós próprios. Reduzimos os agrupamentos humanos a arquétipos formatados em visões abstratas e objeto de decisões frias e distantes.Assistimos a uma Europa sem alma, sem comando, cheia de tiques de correção política, palavrosa e convertida em euros. Deixámos de ter estadistas que viam longe, para dar lugar à política que não enxerga para além do curtíssimo prazo e alimenta (e se alimenta) de epifenómenos populares, populistas, ou seja, lá o que for.Somos de um tempo em que uns acusam outros de culpas, não raro por nada de importante e por tudo de insignificante. Tão concentrados estamos nas verdadeiras ou inventadas culpas, que esquecemos as soluções ou os caminhos a trilhar. Trocámos a segurança das soluções pela pressa das impressões. Para isso, menosprezamos a memória, alimentados por uma insidiosa cultura do presentismo e do descarte. A erosão memorial é mais conveniente para quem anuncia do que para quem age. Sacrificamos o essencial, seduzidos que estamos pela obsessão da quantidade, da futilidade, senão mesmo da inutilidade. Tudo subjugamos ao tempo físico (kronos) e desvalorizamos o tempo espiritual que está para além do tempo (kayros). Como ilustrativamente, nos diz um provérbio, creio que chileno, «à procura de água, encontrámos petróleo e morremos à sede».Propositadamente estou a falar na primeira pessoa do plural, e não num anónimo sujeito nulo. Mas porque nós, se todos achamos que nada ou pouco temos a ver com isto? Fi‐lo, desde logo pensando em mim, tendo presente um texto do filósofo e eticista Emmanuel Levinas, em Ética e infinito, por sua vez baseado no que Dostoiévski, escreve em Os irmãos Karamazov: «Somos todos culpados de tudo e de todos perante todos, eu mais do que os outros. Não devido a esta ou àquela culpabilidade efetivamente minha por causa de faltas que tivesse cometido, mas porque sou responsável de uma responsabilidade total».Enfim, vivemos (vivíamos) numa roda aparente, enganadora e solipsista, que muitos julgavam inexpugnável. E, de repente, um vírus do tamanho de nada consegue, planetariamente, pôr em causa este estado de coisas. Um quase invisível inimigo de cerca de 500 nanómetros, ataca‐nos na nossa mais sagrada e vulnerável expressão, a da vida. Perante este combate, tudo o resto se esvanece. O que ontem era importante, hoje passou a ser dispensável. O que ontem era urgente, diluiu‐se na sua quase sempre falsa pressa. Ninguém sabe como esta situação vai evoluir, mas o despertar das consciências deve ser encarado como uma boa lição a tirar para o futuro. Este é um ponto que nos deve tornar mais avisados quanto às servidões em que muitas vidas se deixaram aprisionar. Esta guerra silenciosa que o mundo enfrenta abre‐nos e alerta‐nos para as verdadeiras e profundas prioridades de governantes e governados, da vida em sociedade.Reconheço que este meu diagnóstico seja por demais pessimista, de observar o mundo agora confrontado com o brutal ataque de um traiçoeiro micro‐organismo. Mas, também, falo no otimismo esperançoso da lição que saibamos tirar desta ameaça. E se só o nosso comportamento pode erradicar este pesadelo, que ele sirva também para prevenirmos o nosso futuro.A crise é sempre uma ocasião de discernimento, de distinguir o essencial e acessório, o útil e o fútil, o perene e o passageiro, o relevante e o adjacente, o ser e o ter.Os limites para um melhor desenvolvimentoO desenvolvimento também sempre nos colocará o problema dos LIMITES. Vejamos o quadro anexo que estabelece as ordens (no sentido de Pascal) que temos diante de nós. Este modelo é parcialmente baseado no pensador francês André Comte‐Sponville.<elsevierMultimedia ident="202105010726396551"></elsevierMultimedia>1.a ‐ A ordem tecnocientífica: Que limites estabelecer?Esta ordem está endogenamente ligada por oposição do possível ao impossível, que, todavia, é incapaz de se autolimitar. É o que se designa por processo científico e tecnológico. Que não é garantia para a humanidade. As ciências só por si não se autolimitam. Logo, têm de ser limitadas do exterior.A ciência, seja ela qual for, apenas nos diz o que agora é tecnicamente possível, cientificamente pensável ou por enquanto ainda não possível. O mesmo avanço científico pode ser usado para o bem ou para o mal.Armas letais, manipulações genéticas, clonagem reprodutiva, desenvolvimento químico, energia nuclear são exemplos bem conhecidos dessa ambivalência.Já dizia Kant: uma ciência que negligenciasse a ética seria bárbara e selvagem. Uma ética que competisse com a ciência seria dominadora e castradora.2.a ‐ A ordem económicaQue limites para a economia? Que limites para o mercado? Que limites para o mercado de capitais? Que limites para o preço da habitação? Ou do petróleo? Ou das matérias primas? Ou da alimentação (limites de mínimos e de máximos)? Ou dos salários? Ou dos juros? A economia não responde… Não há limites económicos para a economia, como é bem visível em tempos de euforia especulativa ou em períodos de depressão.Logo, tem de ser limitada do exterior.3.a ‐ A ordem jurídico‐política (A Lei e o Estado)Estruturada por oposição do legal ao ilegal.Mas como se pode limitar esta terceira ordem, seja a nível individual, seja a nível coletivo?Há quem diga que a ética é tão‐só o cumprimento escrupuloso da lei. Acontece que o conjunto das normas jurídicas e o conjunto das normas éticas jamais coincidem. Há muitas regras de conduta ética que não estão juridicamente plasmadas. A ética não se estrutura na dicotomia legal/ilegal, mas radica na consciência. O conjunto do que é moralmente aceitável (o legítimo) é mais restrito do que é juridicamente aceitável (o legal). Nem tudo o que a lei permite se nos deve impor, e há coisas que a lei não impõe, mas que se nos devem impor. Nenhuma lei proíbe em absoluto a mentira, a desonestidade, a deslealdade, a malvadez, o ódio, o desprezo, a vilanagem… Como nenhuma lei só por si assegura a decência, a verdade, a generosidade, a temperança, a prudência, a exemplaridade, a integridade, a autenticidade, a honradez, a coerência ou a sensatez.Imagine‐se o puro (ou vil) legalista. Imagine‐se se se limitasse ao cumprimento da lei.E, aqui chegados, poderemos ter um «monstro»: um legalista puro e duro, cientificamente competente e tecnicamente perfeito.Em nível coletivo, há exemplos dramáticos na história que nos evidenciam que a lei (mesmo que sustentada na soberania do povo ou vontade de maiorias em determinados momentos) que o legislador pode fazer o melhor e o pior (apartheid, genocídios, holocausto, goulag etc.).É que não se vota sobre o que é verdadeiro ou falso, sobre o bem e o mal. Como pode a lei limitar o que faz a lei? A norma jurídica não pode assegurar a capacidade de se limitar a si própria (não há limites, mesmo que democráticos para a democracia). O que vemos hoje por todo o mundo é o que chamaria de «oportunismo legal». Fazem‐se leis, não como expressão da razão (como dizia São Tomás de Aquino), mas leis prolixas vagueando entre vontade, conveniência e ilusão.Logo temos de a limitar do exterior.4.a ‐ A ordem da moral (e não ordem moral)A ética da primeira pessoa (a autoexigência) deveria ser sempre a primeira condição para a ética da terceira pessoa (ser‐se exigente com os outros). Infelizmente todos os dias se observam distorções deste contrato moral. E parece cada vez menos considerado o imperativo kantiano: Age unicamente segundo a máxima que te leve a querer ao mesmo tempo que ela se torne uma lei de tal modo que, se os papéis fossem invertidos, as partes em questão estariam sempre de acordo.A consciência de uma pessoa honesta é mais exigente do que o produto de um legislador.Não há necessidade de limitar a ordem da moral (como se alguém pudesse ser moral de mais), mas sim de a completar, porque, em si, a ética é indispensável, mas ainda insuficiente. A ética é uma expressão de exigência e livre arbítrio: conciliar o quero, o posso e o devo. Há coisas que quero, mas não posso. Há coisas que posso, mas não devo. Há coisas que devo, mas não quero (ou que não devo, mas quero). Pode‐se ser melhor pessoa, mas não se pode ser mais pessoa.A regra de ouro no plano ético tem sido frequentemente violada: para alguns, os fins justificam sempre qualquer tipo de meio. Para tal, «inventou‐se» um novo arquétipo moral entre os atos bons e os maus: os atos indiferentes, uma espécie de silenciosa amiba onde se acolhem as maiores ilegitimidades éticas.A perspetiva axiológica do uso do poder como poder‐dever tende a diluir‐se na primazia do triângulo presentismo‐relativismo‐subjetivismo. No frenesim de micro, pequenas e médias éticas, a sociedade vem‐se tornando mais amnésica.Fazer as coisas bem feitas poderá ser uma medida de eficiência. Mas só fazer as coisas certas é uma medida de ética. Juntando estas duas asserções, isto é fazer as coisas certas de um modo certo é chegar à plenitude do imperativo ético. Para tal, buscando os fins na sua relação com o outro e consigo. E sabendo escolher os meios necessários para alcançar os fins. Com liberdade e responsabilidade. Tantas vezes em confrontação dilemática, em contextos e situações que podem implicar escolhas difíceis e custos associados a renúncias. O que falta ao «fariseu» é a calibragem moral, o humanismo, o amor.5.a ‐ A ordem da naturezaUma ética não se esgota numa perspetiva meramente antropocêntrica, com o ser humano desligado do mundo natural.A ideia de uma integral e pluridimensional ética refuta a ideia moral de pôr o Homem à parte da Natureza, como se esta e todos os outros seres vivos não tivessem direito aos nossos deveres para com eles. O conceito de dignidade numa perspetiva teleológica não diz apenas respeito aos seres vivos (seres humanos, animais, plantas) como a todos os seres não vivos (oceanos, cursos de água, atmosfera).O valor da natureza não pode ser meramente instrumental. Um mero reservatório de recursos. Ou coisificado, pela apropriação e transformação do mundo natural. Antes exige uma visão biocêntrica que nos possa conduzir a um ideal ético de harmonia do homem com a natureza. Daí e desde logo, a afirmação da ética do cuidar e do princípio preventivo que lhe está associado. Ao menos, ditada pelo princípio da necessidade.A nossa vida no planeta depende da vida vegetal. Graças à fotossíntese, conseguem o milagre da transformação da energia luminosa em energia química, que nos permite viver. A fotossíntese é o verdadeiro motor da vida: água, luz e dióxido de carbono para nos libertarem oxigénio. Haverá dádiva maior?As leis do mercado têm prevalecido inexoravelmente sobre as leis da Natureza. O uso dos recursos ambientais não pode ser separado do respeito pelas exigências morais. As estatísticas não refletem a realidade da terra, do ar e do mar. O PIB é cada vez mais um indicador imperfeito e incompleto. Não toma em conta a apreciação ou a depreciação do ativo ambiental e dos recursos naturais. Já se fala, com insistência, em outras formas de medir a riqueza e o desenvolvimento, considerando não apenas o que se produz como ativo da sociedade (o PIB contabilístico tradicional), mas deduzindo‐lhe o passivo que resulta da depreciação ou destruição de bens naturais indispensáveis ao bem‐estar coletivo (água, solos, florestas, pescas, reservas minerais). Provavelmente se isto fosse tomado em conta – um PIB mais verde ou azul – a degradação e a destruição da floresta, por exemplo, teriam provocado quedas do PIB. Quem sabe se esta mudança estatística, só por si, não permitiria uma atenção maior a estes setores, pois que deste modo os governantes se sentiriam mais escrutinados….Uma ética humana, mas abrindo‐se ao mundo natural. O Papa Francisco na Encíclica Laudato Si nos alerta para uma lógica de crescimento como se fôssemos «proprietários e dominadores, autorizados a saquear» os bens do planeta. «A fraqueza das reações perante os gemidos da irmã Terra».6.a ‐ A ordem do amorPor fim, a ordem do amor: o amor da verdade, o amor da humanidade ou do próximo e o amor da liberdade. Ou, por outras palavras, a ordem da humanidade em que a nossa tripla condição de indivíduo, cidadão e pessoa convergem para a edificação do bem‐comum.Em conclusão: precisamos destas seis ordens ao mesmo tempo, na sua independência relativa e na sua plena interação.As seis são necessárias, nenhuma é suficiente.Cuidados de saúdeTerminarei com uma breve passagem pelo que considero serem fatores ligados a tensões entre as ordens citadas no domínio dos cuidados de saúde.Alguém disse que «os serviços de saúde são a medida de uma civilização». Parece‐me ser uma asserção cada vez mais adequada.Falando mais concretamente dos sistemas de saúde ou outras ofertas de saúde, importa alterar fatores de obstrução e de exercício de formas de poder ao desenvolvimento na era pós‐Covid:O poder da tecnocracia e da burocracia sobre a humanização dos cuidados de saúde. Burocracia entendida como o resultado do divórcio entre os meios e os fins. Tecnocracia como a supremacia dos meios sobre os fins que muitas vezes se superiorizam face ao caráter e finalidade humanos e humanistas da prestação de cuidados de saúde. Não é por acaso que o sistema de saúde público deve ser o único setor económico que se queixa da procura e vê o seu aumento como uma fatalidade e não como uma oportunidade!O poder das estruturas orgânicas sobre os objetivos de saúde. A segmentação e compartimentação das respostas conduzem, não raro, à sua insuficiência e iniquidade, para problemas que são globais, ou mesmo à sua omissão funcional constituindo quase «terras de ninguém» (em parte, geriatria, saúde mental). Os serviços públicos de saúde ainda são monolíticos na sua estrutura e fragmentados na sua ação. Por isso, não é de admirar que para os mais pobres a urgência hospitalar seja o único ponto de sistema integrado de cuidados de saúde.O poder das estatísticas sobre as pessoas que se revela no facto de a política em geral se distanciar das pessoas e dos seus problemas concretos e de muitas vezes se enfocar a administração da coisa pública nas estatísticas, como seu fim último. Ora, na saúde, antes dos números estão sempre as pessoas, antes da aparência estatística está a realidade percecionada por cada pessoa. A obsessão pela quantidade até pode ser uma eficiente «união de facto», mas só a luta pela qualidade revela a excelência humana de uma «união de valor»!O poder dos diagnósticos (segurança) sobre as terapêuticas (eficácia) que levou caricaturalmente o escritor austríaco Karl Kraus a afirmar que «uma das causas mais comuns de todas as doenças é o diagnóstico»!O poder da idade e dos ativos sobre os inativos, que gera situações de alguma discriminação, porque em primeiro lugar os ativos têm mais disponibilização de cuidados e as pessoas mais velhas têm mais dificuldade de obter cuidados de saúde adequados. Há mesmo, por vezes, a ideia utilitarista e humanamente perversa de uma «métrica da vida», pela qual já não vale a pena «investir» na saúde dos velhos.O poder urbano sobre o rural: sendo que na saúde é sobretudo a oferta que condiciona a procura, havendo no campo menos oferta de centros de saúde, de hospitais, de farmácias, de meios de diagnóstico, há menos prevenção e menos consumo de «cuidados de saúde». Estudos empíricos revelam claramente que fora das grandes cidades, o consumo, designadamente de cuidados em ambulatório, é quase diretamente proporcional à densidade dos serviços médicos.Tudo a haver com as questões‐chave, agora mais exigentes e prementes:Como compatibilizar equidade e eficiência, liberdade de escolha e concorrência, equilíbrio sensato entre incentivos e controlos, consumo e gestão de meios, segmentação de responsabilidades e partilha de riscos, solidariedade e contratualização do risco?Como atuar face às restrições que resultam das características de rivalidade do bem saúde, com uma gestão cada vez mais exigente numa economia de escassez, com a aspiração à equidade e tempestividade no seu uso, com a fortaleza de estritas regras éticas e deontológicas, com uma evolução tecnológica alucinante no diagnóstico e terapêutica, com uma crescente e bem‐vinda consciencialização dos direitos dos cidadãos, com o imperativo da privacidade, e até com uma revolução no domínio da genética que levanta novas e insondáveis interrogações. Além da valorização da ética de cuidar que está para além da ética de curar.Em conclusão: sabendo‐se que a história se repete, ainda que com diferentes meios e contingências, temos de ser humildes, apurar o sentido de prevenção, sem a obsessão do maniqueísmo, prontos a aprender com os erros.Não há remédios técnicos para males éticos. Esta é a mais séria e profunda reforma estrutural e geracional que urge concretizar. Com futuro e esperança.Aqui, apenas procurei lançar interrogações. Como escreveu Confúcio, «não procuro tanto saber as respostas, mas sobretudo compreender as perguntas». Ou Goethe: não perguntemos se estamos totalmente de acordo, mas tão‐só se vamos pelo mesmo caminho.Conflitos de interesseNenhum." 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Perspetivas em Cardiologia

Development post‐Covid‐19: memory, discernment, humanism, ethics, science and nature

António Bagão Félix

Professor catedrático convidado da Universidade Lusíada/Ex‐ministro da Segurança Social e do Trabalho/Ex‐ministro das Finanças, Lisboa, Portugal

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procura infinita de sa&#250;de&#46; Afinal&#44; nada de diferente do que qualquer outra atividade&#44; mas com a enorme diferen&#231;a de aqui estar em jogo o mais absoluto valor&#58; o da <span class="elsevierStyleItalic">vida</span>&#46;</p><p id="par0355" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Desenvolvimento&#58; Etimologicamente o contr&#225;rio de envolvimento&#44; ou seja&#44; liberta&#231;&#227;o&#46; Como se mede&#44; sem que tal coincida com uma esp&#233;cie de &#171;felicidade nacional bruta a pre&#231;os de mercado&#187;&#63; H&#225; um &#171;crit&#233;rio&#187; que&#44; caricaturalmente&#44; considera tr&#234;s sinais exteriores&#44; daqueles que s&#227;o mais depressa apreendidos pelas pessoas&#58; a quantidade de &#40;pequenas&#41; obras sempre inacabadas nas ruas&#59; o estado de limpeza e higiene dos sanit&#225;rios p&#250;blicos&#44; em especial nos comboios&#59; e o grau de qualidade e de efici&#234;ncia das telecomunica&#231;&#245;es&#46; Ou seja&#44; uma s&#225;bia mistura de produtividade&#44; comportamento social e tecnologia&#46;</p><p id="par0025" class="elsevierStylePara elsevierViewall">As tr&#234;s dimens&#245;es do desenvolvimento&#58; 1&#41; em n&#243;s&#58; individualidade &#40;n&#227;o individualismo&#41;&#59; 2&#41; dimens&#227;o social&#59; 3&#41; dimens&#227;o ambiental&#44; no encontro com a natureza&#46;</p><p id="par0030" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Cada vez mais&#44; o desenvolvimento tem de ser coerentemente pluridimensional&#46; Um desenvolvimento integral&#44; aut&#234;ntico&#44; libertador&#46; Um desenvolvimento associado &#224; &#233;tica e &#224; responsabilidade pessoal e social&#46; &#192; justi&#231;a distributiva e n&#227;o apenas &#224; justi&#231;a contratual e comutativa&#46; &#192; capacidade de conciliar mercado&#44; sociedade e Estado&#46; &#192; afirma&#231;&#227;o do princ&#237;pio da subsidiariedade&#46; Ao &#171;<span class="elsevierStyleItalic">ser mais e melhor</span>&#187; e n&#227;o apenas &#171;<span class="elsevierStyleItalic">ao incremento do ter</span>&#187;&#46; &#192; import&#226;ncia das energias morais para neutralizar os excessos alienantes de produtivismo e de utilitarismo&#46; &#192; sustentabilidade social&#44; demogr&#225;fica e geracional que erradique a primazia da l&#243;gica estrita do curto&#8208;prazo&#46; &#40;Bento XVI&#44; <span class="elsevierStyleItalic">Caritas in Veritate</span>&#41;&#58;</p></span><span id="sec0010" class="elsevierStyleSection elsevierViewall"><span class="elsevierStyleSectionTitle" id="sect0010">Diagn&#243;stico da sociedade contempor&#226;nea</span><p id="par0035" class="elsevierStylePara elsevierViewall">N&#227;o devemos esquecer as not&#225;veis express&#245;es de melhoria do bem&#8208;estar&#44; do aumento da esperan&#231;a de vida&#44; a redu&#231;&#227;o esmagadora da mortalidade infantil&#44; o fortalecimento de sistemas sociais p&#250;blicos&#44; o maior per&#237;odo de paz&#44; o acesso mais generalizado aos bens p&#250;blicos essenciais e tantos outros exemplos de progresso humano e social&#46;</p><p id="par0040" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Mas&#44; o que aqui quero expressar s&#227;o interroga&#231;&#245;es&#44; d&#250;vidas e at&#233; ang&#250;stias&#46; Ou seja&#44; o lado negativo desta <span class="elsevierStyleItalic">Rerum Novarum</span> &#40;Das coisas novas&#41;&#44; j&#225; n&#227;o de Le&#227;o XIII &#40;1891&#41;&#44; mas dos tempos hodiernos&#46;</p><p id="par0045" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Temos&#44; ao nosso dispor&#44; uma impar&#225;vel parafern&#225;lia tecnol&#243;gica&#46; Vivemos numa &#233;poca de &#234;xtase cient&#237;fica&#44; onde o infinito parece ser o limite&#46; Universalizaram&#8208;se poderosos meios virtuais de comunica&#231;&#227;o&#44; com o que de maravilhoso e danoso nos trazem&#46; Glorific&#225;mos o <span class="elsevierStyleItalic">homo economicus</span> e transform&#225;mos a economia de mercado em sociedade de mercado&#46; Endeus&#225;mos a globaliza&#231;&#227;o econ&#243;mica e informacional e ignor&#225;mos os seus perigos morais&#46; Valorizou&#8208;se mais o crescimento econ&#243;mico do que o desenvolvimento humano&#46; Estimulou&#8208;se a apologia e o elogio do sucesso&#44; enquanto se desdenhou da compaix&#227;o por quem fracassa&#46; Fomentou&#8208;se&#44; sem rodeios&#44; o monop&#243;lio do ter&#44; que tantas vezes esmaga a dignidade do ser&#46; Desprez&#225;mos a aldeia para aumentar o urbanismo descontrolado e o asfalto&#46; &#40;Tolst&#243;i&#44; aldeia&#41; Vivemos prenhes da nova ideologia do atualismo&#44; que secundariza o tempo que est&#225; para al&#233;m do dia seguinte&#46; Erguemos o utilitarismo como a &#233;tica da conveni&#234;ncia e o ego&#237;smo como a &#233;tica intergeracional&#46; Convivemos com uma insidiosa m&#233;trica do valor da vida&#44; atrav&#233;s da qual ser velho &#233; um problema e nascer &#233; uma inconveni&#234;ncia&#46; Continuamos&#44; apesar das declara&#231;&#245;es proclamat&#243;rias&#44; a ver a natureza como uma mera coisa instrumental a usar&#44; abusar e a saquear&#46; Exaltamos a exclusividade dos direitos e fragmentamos os correspondentes deveres&#46; Esquecemos que a no&#231;&#227;o de direitos humanos &#233; ilus&#243;ria quando se separa o direito do dever&#46; Enganamo&#8208;nos quando&#44; entre o bem e o mal&#44; cri&#225;mos uma falsa e perigosa categoria &#233;tica&#44; a da indiferen&#231;a&#46; Esbanjamos investiga&#231;&#227;o e dinheiro em meios de guerra nucleares&#44; ur&#226;nio enriquecido&#44; armamento sofisticado&#44; armas qu&#237;micas&#44; mas n&#227;o temos sido capazes de erradicar a mal&#225;ria que mata em &#193;frica&#44; e outras doen&#231;as&#44; s&#243; porque escolhem os pobres para seu alvo&#46; Desmerecemos o direito natural universal que decorre da natureza humana e dos seus fins para tudo concentrar no direito positivo contingente&#44; que&#44; n&#227;o raro&#44; contraria o direito natural&#46; Adulter&#225;mos o bem comum&#44; enquanto express&#227;o &#233;tica e dimens&#227;o social e comunit&#225;ria de fazer o bem e enquanto raz&#227;o de ser da autoridade pol&#237;tica&#46; Desvaloriz&#225;mos a fam&#237;lia e o lar &#40;palavra ora em desuso&#41; como epicentros da educa&#231;&#227;o&#44; da solidariedade e de transmiss&#227;o da vida&#44; em troca do individualismo&#44; da efemeridade e do hedonismo&#46; Troc&#225;mos valores s&#243;lidos pelo subjetivismo e relativismo de meras opini&#245;es que nada valem por tudo quererem valer&#46; Dividimos a for&#231;a da verdade e multiplicamos a mentira&#46; Promovemos a primazia do n&#250;mero e o sufoco da estat&#237;stica&#44; como formas trai&#231;oeiras de ditar pol&#237;ticas e de iludir as muitas formas de exclus&#227;o&#46; Satisfazemo&#8208;nos com a supremacia das circunst&#226;ncias sobre n&#243;s pr&#243;prios&#46; Reduzimos os agrupamentos humanos a arqu&#233;tipos formatados em vis&#245;es abstratas e objeto de decis&#245;es frias e distantes&#46;</p><p id="par0050" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Assistimos a uma Europa sem alma&#44; sem comando&#44; cheia de tiques de corre&#231;&#227;o pol&#237;tica&#44; palavrosa e convertida em euros&#46; Deix&#225;mos de ter estadistas que viam longe&#44; para dar lugar &#224; pol&#237;tica que n&#227;o enxerga para al&#233;m do curt&#237;ssimo prazo e alimenta &#40;e se alimenta&#41; de epifen&#243;menos populares&#44; populistas&#44; ou seja&#44; l&#225; o que for&#46;</p><p id="par0055" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Somos de um tempo em que uns acusam outros de culpas&#44; n&#227;o raro por nada de importante e por tudo de insignificante&#46; T&#227;o concentrados estamos nas verdadeiras ou inventadas culpas&#44; que esquecemos as solu&#231;&#245;es ou os caminhos a trilhar&#46; Troc&#225;mos a seguran&#231;a das solu&#231;&#245;es pela pressa das impress&#245;es&#46; Para isso&#44; menosprezamos a mem&#243;ria&#44; alimentados por uma insidiosa cultura do presentismo e do descarte&#46; A eros&#227;o memorial &#233; mais conveniente para quem anuncia do que para quem age&#46; Sacrificamos o essencial&#44; seduzidos que estamos pela obsess&#227;o da quantidade&#44; da futilidade&#44; sen&#227;o mesmo da inutilidade&#46; Tudo subjugamos ao tempo f&#237;sico &#40;<span class="elsevierStyleItalic">kronos</span>&#41; e desvalorizamos o tempo espiritual que est&#225; para al&#233;m do tempo &#40;<span class="elsevierStyleItalic">kayros</span>&#41;&#46; Como ilustrativamente&#44; nos diz um prov&#233;rbio&#44; creio que chileno&#44; &#171;<span class="elsevierStyleItalic">&#224; procura de &#225;gua&#44; encontr&#225;mos petr&#243;leo e morremos &#224; sede</span>&#187;&#46;</p><p id="par0060" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Propositadamente estou a falar na primeira pessoa do plural&#44; e n&#227;o num an&#243;nimo sujeito nulo&#46; Mas porque n&#243;s&#44; se todos achamos que nada ou pouco temos a ver com isto&#63; Fi&#8208;lo&#44; desde logo pensando em mim&#44; tendo presente um texto do fil&#243;sofo e eticista Emmanuel Levinas&#44; em <span class="elsevierStyleItalic">&#201;tica e infinito</span>&#44; por sua vez baseado no que Dostoi&#233;vski&#44; escreve em <span class="elsevierStyleItalic">Os irm&#227;os Karamazov</span>&#58; &#171;<span class="elsevierStyleItalic">Somos todos culpados de tudo e de todos perante todos&#44; eu mais do que os outros&#46; N&#227;o devido a esta ou &#224;quela culpabilidade efetivamente minha por causa de faltas que tivesse cometido&#44; mas porque sou respons&#225;vel de uma responsabilidade total</span>&#187;&#46;</p><p id="par0065" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Enfim&#44; vivemos &#40;viv&#237;amos&#41; numa roda aparente&#44; enganadora e solipsista&#44; que muitos julgavam inexpugn&#225;vel&#46; E&#44; de repente&#44; um v&#237;rus do tamanho de nada consegue&#44; planetariamente&#44; p&#244;r em causa este estado de coisas&#46; Um quase invis&#237;vel inimigo de cerca de 500 nan&#243;metros&#44; ataca&#8208;nos na nossa mais sagrada e vulner&#225;vel express&#227;o&#44; a da vida&#46; Perante este combate&#44; tudo o resto se esvanece&#46; O que ontem era importante&#44; hoje passou a ser dispens&#225;vel&#46; O que ontem era urgente&#44; diluiu&#8208;se na sua quase sempre falsa pressa&#46; Ningu&#233;m sabe como esta situa&#231;&#227;o vai evoluir<span class="elsevierStyleBold">&#44; mas o despertar das consci&#234;ncias deve ser encarado como uma boa li&#231;&#227;o a tirar para o futuro</span>&#46; Este &#233; um ponto que nos deve tornar mais avisados quanto &#224;s servid&#245;es em que muitas vidas se deixaram aprisionar&#46; Esta guerra silenciosa que o mundo enfrenta abre&#8208;nos e alerta&#8208;nos para as verdadeiras e profundas prioridades de governantes e governados&#44; da vida em sociedade&#46;</p><p id="par0070" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Reconhe&#231;o que este meu diagn&#243;stico seja por demais pessimista&#44; de observar o mundo agora confrontado com o brutal ataque de um trai&#231;oeiro micro&#8208;organismo&#46; Mas&#44; tamb&#233;m&#44; falo no otimismo esperan&#231;oso da li&#231;&#227;o que saibamos tirar desta amea&#231;a&#46; E se s&#243; o nosso comportamento pode erradicar este pesadelo&#44; que ele sirva tamb&#233;m para prevenirmos o nosso futuro&#46;</p><p id="par0075" class="elsevierStylePara elsevierViewall">A crise &#233; sempre uma ocasi&#227;o de discernimento&#44; de distinguir o essencial e acess&#243;rio&#44; o &#250;til e o f&#250;til&#44; o perene e o passageiro&#44; o relevante e o adjacente&#44; o ser e o ter&#46;</p></span><span id="sec0015" class="elsevierStyleSection elsevierViewall"><span class="elsevierStyleSectionTitle" id="sect0015">Os limites para um melhor desenvolvimento</span><p id="par0080" class="elsevierStylePara elsevierViewall">O desenvolvimento tamb&#233;m sempre nos colocar&#225; o problema dos LIMITES&#46; Vejamos o quadro anexo que estabelece as ordens &#40;no sentido de Pascal&#41; que temos diante de n&#243;s&#46; Este modelo &#233; parcialmente baseado no pensador franc&#234;s Andr&#233; Comte&#8208;Sponville&#46;</p><p id="par0360" class="elsevierStylePara elsevierViewall"><elsevierMultimedia ident="202105010726396551"></elsevierMultimedia></p><span id="sec0035" class="elsevierStyleSection elsevierViewall"><span class="elsevierStyleSectionTitle" id="sect0020">1&#46;<span class="elsevierStyleSup">a</span> &#8208; A ordem tecnocient&#237;fica&#58; Que limites estabelecer&#63;</span><p id="par0090" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Esta ordem est&#225; endogenamente ligada por oposi&#231;&#227;o do poss&#237;vel ao imposs&#237;vel&#44; que&#44; todavia&#44; &#233; incapaz de se autolimitar&#46; &#201; o que se designa por processo cient&#237;fico e tecnol&#243;gico&#46; Que n&#227;o &#233; garantia para a humanidade&#46; As ci&#234;ncias s&#243; por si n&#227;o se autolimitam&#46; Logo&#44; t&#234;m de ser limitadas do exterior&#46;</p><p id="par0095" class="elsevierStylePara elsevierViewall">A ci&#234;ncia&#44; seja ela qual for&#44; apenas nos diz o que agora &#233; tecnicamente poss&#237;vel&#44; cientificamente pens&#225;vel ou por enquanto ainda n&#227;o poss&#237;vel&#46; O mesmo avan&#231;o cient&#237;fico pode ser usado para o bem ou para o mal&#46;</p><p id="par0100" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Armas letais&#44; manipula&#231;&#245;es gen&#233;ticas&#44; clonagem reprodutiva&#44; desenvolvimento qu&#237;mico&#44; energia nuclear s&#227;o exemplos bem conhecidos dessa ambival&#234;ncia&#46;</p><p id="par0105" class="elsevierStylePara elsevierViewall">J&#225; dizia Kant&#58; uma ci&#234;ncia que negligenciasse a &#233;tica seria b&#225;rbara e selvagem&#46; Uma &#233;tica que competisse com a ci&#234;ncia seria dominadora e castradora&#46;</p></span><span id="sec0040" class="elsevierStyleSection elsevierViewall"><span class="elsevierStyleSectionTitle" id="sect0025">2&#46;<span class="elsevierStyleSup">a</span> &#8208; A ordem econ&#243;mica</span><p id="par0115" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Que limites para a economia&#63; Que limites para o mercado&#63; Que limites para o mercado de capitais&#63; Que limites para o pre&#231;o da habita&#231;&#227;o&#63; Ou do petr&#243;leo&#63; Ou das mat&#233;rias primas&#63; Ou da alimenta&#231;&#227;o &#40;limites de m&#237;nimos e de m&#225;ximos&#41;&#63; Ou dos sal&#225;rios&#63; Ou dos juros&#63; A economia n&#227;o responde&#8230; N&#227;o h&#225; limites econ&#243;micos para a economia&#44; como &#233; bem vis&#237;vel em tempos de euforia especulativa ou em per&#237;odos de depress&#227;o&#46;</p><p id="par0120" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Logo&#44; tem de ser limitada do exterior&#46;</p></span><span id="sec0045" class="elsevierStyleSection elsevierViewall"><span class="elsevierStyleSectionTitle" id="sect0030">3&#46;<span class="elsevierStyleSup">a</span> &#8208; A ordem jur&#237;dico&#8208;pol&#237;tica &#40;A Lei e o Estado&#41;</span><p id="par0130" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Estruturada por oposi&#231;&#227;o do legal ao ilegal&#46;</p><p id="par0135" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Mas como se pode limitar esta terceira ordem&#44; seja a n&#237;vel individual&#44; seja a n&#237;vel coletivo&#63;</p><p id="par0140" class="elsevierStylePara elsevierViewall">H&#225; quem diga que a &#233;tica &#233; t&#227;o&#8208;s&#243; o cumprimento escrupuloso da lei&#46; Acontece que o conjunto das normas jur&#237;dicas e o conjunto das normas &#233;ticas jamais coincidem&#46; H&#225; muitas regras de conduta &#233;tica que n&#227;o est&#227;o juridicamente plasmadas&#46; A &#233;tica n&#227;o se estrutura na dicotomia legal&#47;ilegal&#44; mas radica na consci&#234;ncia&#46; O conjunto do que &#233; moralmente aceit&#225;vel &#40;o leg&#237;timo&#41; &#233; mais restrito do que &#233; juridicamente aceit&#225;vel &#40;o legal&#41;&#46; Nem tudo o que a lei permite se nos deve impor&#44; e h&#225; coisas que a lei n&#227;o imp&#245;e&#44; mas que se nos devem impor&#46; Nenhuma lei pro&#237;be em absoluto a mentira&#44; a desonestidade&#44; a deslealdade&#44; a malvadez&#44; o &#243;dio&#44; o desprezo&#44; a vilanagem&#8230; Como nenhuma lei s&#243; por si assegura a dec&#234;ncia&#44; a verdade&#44; a generosidade<span class="elsevierStyleBold">&#44;</span> a temperan&#231;a&#44; a prud&#234;ncia&#44; a exemplaridade&#44; a integridade&#44; a autenticidade&#44; a honradez&#44; a coer&#234;ncia ou a sensatez&#46;</p><p id="par0145" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Imagine&#8208;se o puro &#40;ou vil&#41; legalista&#46; Imagine&#8208;se se se limitasse ao cumprimento da lei&#46;</p><p id="par0150" class="elsevierStylePara elsevierViewall">E&#44; aqui chegados&#44; poderemos ter um &#171;monstro&#187;&#58; um legalista puro e duro&#44; cientificamente competente e tecnicamente perfeito&#46;</p><p id="par0155" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Em n&#237;vel coletivo&#44; h&#225; exemplos dram&#225;ticos na hist&#243;ria que nos evidenciam que a lei &#40;mesmo que sustentada na soberania do povo ou vontade de maiorias em determinados momentos&#41; que o legislador pode fazer o melhor e o pior &#40;apartheid&#44; genoc&#237;dios&#44; holocausto&#44; goulag etc&#46;&#41;&#46;</p><p id="par0160" class="elsevierStylePara elsevierViewall">&#201; que n&#227;o se vota sobre o que &#233; verdadeiro ou falso&#44; sobre o bem e o mal&#46; Como pode a lei limitar o que faz a lei&#63; A norma jur&#237;dica n&#227;o pode assegurar a capacidade de se limitar a si pr&#243;pria &#40;n&#227;o h&#225; limites&#44; mesmo que democr&#225;ticos para a democracia&#41;&#46; O que vemos hoje por todo o mundo &#233; o que chamaria de &#171;oportunismo legal&#187;&#46; Fazem&#8208;se leis&#44; n&#227;o como express&#227;o da raz&#227;o &#40;como dizia S&#227;o Tom&#225;s de Aquino&#41;&#44; mas leis prolixas vagueando entre vontade&#44; conveni&#234;ncia e ilus&#227;o&#46;</p><p id="par0165" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Logo temos de a limitar do exterior&#46;</p></span><span id="sec0050" class="elsevierStyleSection elsevierViewall"><span class="elsevierStyleSectionTitle" id="sect0035">4&#46;<span class="elsevierStyleSup">a</span> &#8208; A ordem da moral &#40;e n&#227;o ordem moral&#41;</span><p id="par0175" class="elsevierStylePara elsevierViewall">A &#233;tica da primeira pessoa &#40;a autoexig&#234;ncia&#41; deveria ser sempre a primeira condi&#231;&#227;o para a &#233;tica da terceira pessoa &#40;ser&#8208;se exigente com os outros&#41;&#46; Infelizmente todos os dias se observam distor&#231;&#245;es deste contrato moral&#46; E parece cada vez menos considerado o imperativo kantiano&#58; <span class="elsevierStyleItalic">Age unicamente segundo a m&#225;xima que te leve a querer ao mesmo tempo que ela se torne uma lei de tal modo que&#44; se os pap&#233;is fossem invertidos&#44; as partes em quest&#227;o estariam sempre de acordo</span>&#46;</p><p id="par0180" class="elsevierStylePara elsevierViewall">A consci&#234;ncia de uma pessoa honesta &#233; mais exigente do que o produto de um legislador&#46;</p><p id="par0185" class="elsevierStylePara elsevierViewall">N&#227;o h&#225; necessidade de limitar a ordem da moral &#40;como se algu&#233;m pudesse ser moral de mais&#41;&#44; mas sim de a completar&#44; porque&#44; em si&#44; a &#233;tica &#233; indispens&#225;vel&#44; mas ainda insuficiente&#46; A &#233;tica &#233; uma express&#227;o de exig&#234;ncia e livre arb&#237;trio&#58; conciliar o quero&#44; o posso e o devo&#46; H&#225; coisas que quero&#44; mas n&#227;o posso&#46; H&#225; coisas que posso&#44; mas n&#227;o devo&#46; H&#225; coisas que devo&#44; mas n&#227;o quero &#40;ou que n&#227;o devo&#44; mas quero&#41;&#46; Pode&#8208;se ser melhor pessoa&#44; mas n&#227;o se pode ser mais pessoa&#46;</p><p id="par0190" class="elsevierStylePara elsevierViewall">A regra de ouro no plano &#233;tico tem sido frequentemente violada&#58; para alguns&#44; os fins justificam sempre qualquer tipo de meio&#46; Para tal&#44; &#171;inventou&#8208;se&#187; um novo arqu&#233;tipo moral entre os atos bons e os maus&#58; os atos indiferentes&#44; uma esp&#233;cie de silenciosa amiba onde se acolhem as maiores ilegitimidades &#233;ticas&#46;</p><p id="par0195" class="elsevierStylePara elsevierViewall"><span class="elsevierStyleItalic">A</span> perspetiva axiol&#243;gica do uso do poder como poder&#8208;dever tende a diluir&#8208;se na primazia do <span class="elsevierStyleBold">tri&#226;ngulo presentismo&#8208;relativismo&#8208;subjetivismo</span>&#46; No frenesim de micro&#44; pequenas e m&#233;dias &#233;ticas&#44; a sociedade vem&#8208;se tornando mais amn&#233;sica&#46;</p><p id="par0200" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Fazer as coisas bem feitas poder&#225; ser uma medida de efici&#234;ncia&#46; Mas s&#243; fazer as coisas certas &#233; uma medida de &#233;tica&#46; Juntando estas duas asser&#231;&#245;es&#44; isto &#233; fazer as coisas certas de um modo certo &#233; chegar &#224; plenitude do imperativo &#233;tico&#46; Para tal&#44; buscando os fins na sua rela&#231;&#227;o com o outro e consigo&#46; E sabendo escolher os meios necess&#225;rios para alcan&#231;ar os fins&#46; Com liberdade e responsabilidade&#46; Tantas vezes em confronta&#231;&#227;o dilem&#225;tica&#44; em contextos e situa&#231;&#245;es que podem implicar escolhas dif&#237;ceis e custos associados a ren&#250;ncias&#46; O que falta ao &#171;fariseu&#187; &#233; a calibragem moral&#44; o humanismo&#44; o amor&#46;</p></span><span id="sec0055" class="elsevierStyleSection elsevierViewall"><span class="elsevierStyleSectionTitle" id="sect0040">5&#46;<span class="elsevierStyleSup">a</span> &#8208; A ordem da natureza</span><p id="par0210" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Uma &#233;tica n&#227;o se esgota numa perspetiva meramente antropoc&#234;ntrica&#44; com o ser humano desligado do mundo natural&#46;</p><p id="par0215" class="elsevierStylePara elsevierViewall">A ideia de uma integral e pluridimensional &#233;tica refuta a ideia moral de p&#244;r o Homem &#224; parte da Natureza&#44; como se esta e todos os outros seres vivos n&#227;o tivessem direito aos nossos deveres para com eles&#46; O conceito de dignidade numa perspetiva teleol&#243;gica n&#227;o diz apenas respeito aos seres vivos &#40;seres humanos&#44; animais&#44; plantas&#41; como a todos os seres n&#227;o vivos &#40;oceanos&#44; cursos de &#225;gua&#44; atmosfera&#41;&#46;</p><p id="par0220" class="elsevierStylePara elsevierViewall">O valor da natureza n&#227;o pode ser meramente instrumental&#46; Um mero reservat&#243;rio de recursos&#46; Ou coisificado&#44; pela apropria&#231;&#227;o e transforma&#231;&#227;o do mundo natural&#46; Antes exige uma vis&#227;o bioc&#234;ntrica que nos possa conduzir a um ideal &#233;tico de harmonia do homem com a natureza&#46; Da&#237; e desde logo&#44; a afirma&#231;&#227;o da &#233;tica do cuidar e do princ&#237;pio preventivo que lhe est&#225; associado&#46; Ao menos&#44; ditada pelo princ&#237;pio da necessidade&#46;</p><p id="par0225" class="elsevierStylePara elsevierViewall">A nossa vida no planeta depende da vida vegetal&#46; Gra&#231;as &#224; fotoss&#237;ntese&#44; conseguem o milagre da transforma&#231;&#227;o da energia luminosa em energia qu&#237;mica&#44; que nos permite viver&#46; A fotoss&#237;ntese &#233; o verdadeiro motor da vida&#58; &#225;gua&#44; luz e di&#243;xido de carbono para nos libertarem oxig&#233;nio&#46; Haver&#225; d&#225;diva maior&#63;</p><p id="par0230" class="elsevierStylePara elsevierViewall">As leis do mercado t&#234;m prevalecido inexoravelmente sobre as leis da Natureza&#46; O uso dos recursos ambientais n&#227;o pode ser separado do respeito pelas exig&#234;ncias morais&#46; As estat&#237;sticas n&#227;o refletem a realidade da terra&#44; do ar e do mar&#46; O PIB &#233; cada vez mais um indicador imperfeito e incompleto&#46; N&#227;o toma em conta a aprecia&#231;&#227;o ou a deprecia&#231;&#227;o do ativo ambiental e dos recursos naturais&#46; J&#225; se fala&#44; com insist&#234;ncia&#44; em outras formas de medir a riqueza e o desenvolvimento&#44; considerando n&#227;o apenas o que se produz como ativo da sociedade &#40;o PIB contabil&#237;stico tradicional&#41;&#44; mas deduzindo&#8208;lhe o passivo que resulta da deprecia&#231;&#227;o ou destrui&#231;&#227;o de bens naturais indispens&#225;veis ao bem&#8208;estar coletivo &#40;&#225;gua&#44; solos&#44; florestas&#44; pescas&#44; reservas minerais&#41;&#46; Provavelmente se isto fosse tomado em conta &#8211; um PIB mais verde ou azul &#8211; a degrada&#231;&#227;o e a destrui&#231;&#227;o da floresta&#44; por exemplo&#44; teriam provocado quedas do PIB&#46; Quem sabe se esta mudan&#231;a estat&#237;stica&#44; s&#243; por si&#44; n&#227;o permitiria uma aten&#231;&#227;o maior a estes setores&#44; pois que deste modo os governantes se sentiriam mais escrutinados&#8230;&#46;</p><p id="par0235" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Uma &#233;tica humana&#44; mas abrindo&#8208;se ao mundo natural&#46; O Papa Francisco na Enc&#237;clica <span class="elsevierStyleItalic">Laudato Si</span> nos alerta para uma l&#243;gica de crescimento como se f&#244;ssemos &#171;<span class="elsevierStyleItalic">propriet&#225;rios e dominadores&#44; autorizados a saquear</span>&#187; os bens do planeta&#46; &#171;<span class="elsevierStyleItalic">A fraqueza das rea&#231;&#245;es perante os gemidos da irm&#227; Terra</span>&#187;&#46;</p></span><span id="sec0060" class="elsevierStyleSection elsevierViewall"><span class="elsevierStyleSectionTitle" id="sect0045">6&#46;<span class="elsevierStyleSup">a</span> &#8208; A ordem do amor</span><p id="par0245" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Por fim&#44; a ordem do amor&#58; o amor da verdade&#44; o amor da humanidade ou do pr&#243;ximo e o amor da liberdade&#46; Ou&#44; por outras palavras&#44; a ordem da humanidade em que a nossa tripla condi&#231;&#227;o de indiv&#237;duo&#44; cidad&#227;o e pessoa convergem para a edifica&#231;&#227;o do bem&#8208;comum&#46;</p><p id="par0250" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Em conclus&#227;o&#58; precisamos destas seis ordens ao mesmo tempo&#44; na sua independ&#234;ncia relativa e na sua plena intera&#231;&#227;o&#46;</p><p id="par0260" class="elsevierStylePara elsevierViewall">As seis s&#227;o necess&#225;rias&#44; nenhuma &#233; suficiente&#46;</p></span></span><span id="sec0020" class="elsevierStyleSection elsevierViewall"><span class="elsevierStyleSectionTitle" id="sect0050">Cuidados de sa&#250;de</span><p id="par0265" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Terminarei com uma breve passagem pelo que considero serem fatores ligados a tens&#245;es entre as ordens citadas no dom&#237;nio dos cuidados de sa&#250;de&#46;</p><p id="par0270" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Algu&#233;m disse que &#171;<span class="elsevierStyleItalic">os servi&#231;os de sa&#250;de s&#227;o a medida de uma civiliza&#231;&#227;o</span>&#187;&#46; Parece&#8208;me ser uma asser&#231;&#227;o cada vez mais adequada&#46;</p><p id="par0275" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Falando mais concretamente dos sistemas de sa&#250;de ou outras ofertas de sa&#250;de&#44; importa alterar fatores de obstru&#231;&#227;o e de exerc&#237;cio de formas de poder ao desenvolvimento na era p&#243;s&#8208;Covid&#58;</p><p id="par0280" class="elsevierStylePara elsevierViewall">O poder da tecnocracia e da burocracia sobre a humaniza&#231;&#227;o dos cuidados de sa&#250;de&#46; Burocracia entendida como o resultado do div&#243;rcio entre os meios e os fins&#46; Tecnocracia como a supremacia dos meios sobre os fins que muitas vezes se superiorizam face ao car&#225;ter e finalidade humanos e humanistas da presta&#231;&#227;o de cuidados de sa&#250;de&#46; N&#227;o &#233; por acaso que o sistema de sa&#250;de p&#250;blico deve ser o &#250;nico setor econ&#243;mico que se queixa da procura e v&#234; o seu aumento como uma fatalidade e n&#227;o como uma oportunidade&#33;</p><p id="par0285" class="elsevierStylePara elsevierViewall">O poder das estruturas org&#226;nicas sobre os objetivos de sa&#250;de&#46; A segmenta&#231;&#227;o e compartimenta&#231;&#227;o das respostas conduzem&#44; n&#227;o raro&#44; &#224; sua insufici&#234;ncia e iniquidade&#44; para problemas que s&#227;o globais&#44; ou mesmo &#224; sua omiss&#227;o funcional constituindo quase &#171;terras de ningu&#233;m&#187; &#40;em parte&#44; geriatria&#44; sa&#250;de mental&#41;&#46; Os servi&#231;os p&#250;blicos de sa&#250;de ainda s&#227;o monol&#237;ticos na sua estrutura e fragmentados na sua a&#231;&#227;o&#46; Por isso&#44; n&#227;o &#233; de admirar que para os mais pobres a urg&#234;ncia hospitalar seja o &#250;nico ponto de sistema integrado de cuidados de sa&#250;de&#46;</p><p id="par0290" class="elsevierStylePara elsevierViewall">O poder das estat&#237;sticas sobre as pessoas que se revela no facto de a pol&#237;tica em geral se distanciar das pessoas e dos seus problemas concretos e de muitas vezes se enfocar a administra&#231;&#227;o da coisa p&#250;blica nas estat&#237;sticas&#44; como seu fim &#250;ltimo&#46; Ora&#44; na sa&#250;de&#44; antes dos n&#250;meros est&#227;o sempre as pessoas&#44; antes da apar&#234;ncia estat&#237;stica est&#225; a realidade percecionada por cada pessoa&#46; A obsess&#227;o pela quantidade at&#233; pode ser uma eficiente &#171;uni&#227;o de facto&#187;&#44; mas s&#243; a luta pela qualidade revela a excel&#234;ncia humana de uma &#171;uni&#227;o de valor&#187;&#33;</p><p id="par0295" class="elsevierStylePara elsevierViewall">O poder dos diagn&#243;sticos &#40;seguran&#231;a&#41; sobre as terap&#234;uticas &#40;efic&#225;cia&#41; que levou caricaturalmente o escritor austr&#237;aco Karl Kraus a afirmar que &#171;<span class="elsevierStyleItalic">uma das causas mais comuns de todas as doen&#231;as &#233; o diagn&#243;stico</span>&#187;&#33;</p><p id="par0300" class="elsevierStylePara elsevierViewall">O poder da idade e dos ativos sobre os inativos&#44; que gera situa&#231;&#245;es de alguma discrimina&#231;&#227;o&#44; porque em primeiro lugar os ativos t&#234;m mais disponibiliza&#231;&#227;o de cuidados e as pessoas mais velhas t&#234;m mais dificuldade de obter cuidados de sa&#250;de adequados&#46; H&#225; mesmo&#44; por vezes&#44; a ideia utilitarista e humanamente perversa de uma &#171;m&#233;trica da vida&#187;&#44; pela qual j&#225; n&#227;o vale a pena &#171;investir&#187; na sa&#250;de dos velhos&#46;</p><p id="par0305" class="elsevierStylePara elsevierViewall">O poder urbano sobre o rural&#58; sendo que na sa&#250;de &#233; sobretudo a oferta que condiciona a procura&#44; havendo no campo menos oferta de centros de sa&#250;de&#44; de hospitais&#44; de farm&#225;cias&#44; de meios de diagn&#243;stico&#44; h&#225; menos preven&#231;&#227;o e menos consumo de &#171;cuidados de sa&#250;de&#187;&#46; Estudos emp&#237;ricos revelam claramente que fora das grandes cidades&#44; o consumo&#44; designadamente de cuidados em ambulat&#243;rio&#44; &#233; quase diretamente proporcional &#224; densidade dos servi&#231;os m&#233;dicos&#46;</p><p id="par0310" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Tudo a haver com as quest&#245;es&#8208;chave&#44; agora mais exigentes e prementes&#58;</p><p id="par0315" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Como compatibilizar equidade e efici&#234;ncia&#44; liberdade de escolha e concorr&#234;ncia&#44; equil&#237;brio sensato entre incentivos e controlos&#44; consumo e gest&#227;o de meios&#44; segmenta&#231;&#227;o de responsabilidades e partilha de riscos&#44; solidariedade e contratualiza&#231;&#227;o do risco&#63;</p><p id="par0320" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Como atuar face &#224;s restri&#231;&#245;es que resultam das caracter&#237;sticas de rivalidade do bem sa&#250;de&#44; com uma gest&#227;o cada vez mais exigente numa economia de escassez&#44; com a aspira&#231;&#227;o &#224; equidade e tempestividade no seu uso&#44; com a fortaleza de estritas regras &#233;ticas e deontol&#243;gicas&#44; com uma evolu&#231;&#227;o tecnol&#243;gica alucinante no diagn&#243;stico e terap&#234;utica&#44; com uma crescente e bem&#8208;vinda consciencializa&#231;&#227;o dos direitos dos cidad&#227;os&#44; com o imperativo da privacidade&#44; e at&#233; com uma revolu&#231;&#227;o no dom&#237;nio da gen&#233;tica que levanta novas e insond&#225;veis interroga&#231;&#245;es&#46; Al&#233;m da valoriza&#231;&#227;o da &#233;tica de cuidar que est&#225; para al&#233;m da &#233;tica de curar&#46;</p><p id="par0325" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Em conclus&#227;o&#58; sabendo&#8208;se que a hist&#243;ria se repete&#44; ainda que com diferentes meios e conting&#234;ncias&#44; temos de ser humildes&#44; apurar o sentido de preven&#231;&#227;o&#44; sem a obsess&#227;o do manique&#237;smo&#44; prontos a aprender com os erros&#46;</p><p id="par0335" class="elsevierStylePara elsevierViewall">N&#227;o h&#225; rem&#233;dios t&#233;cnicos para males &#233;ticos&#46; Esta &#233; a mais s&#233;ria e profunda reforma estrutural e geracional que urge concretizar&#46; Com futuro e esperan&#231;a&#46;</p><p id="par0345" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Aqui&#44; apenas procurei lan&#231;ar interroga&#231;&#245;es&#46; Como escreveu Conf&#250;cio&#44; &#171;n&#227;o procuro tanto saber as respostas&#44; mas sobretudo compreender as perguntas&#187;&#46; Ou Goethe&#58; n&#227;o perguntemos se estamos totalmente de acordo&#44; mas t&#227;o&#8208;s&#243; se vamos pelo mesmo caminho&#46;</p></span><span id="sec0025" class="elsevierStyleSection elsevierViewall"><span class="elsevierStyleSectionTitle" id="sect0055">Conflitos de interesse</span><p id="par0350" class="elsevierStylePara elsevierViewall">Nenhum&#46;</p></span></span>"
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Informação do artigo

ISSN: 08702551
Idioma original: Português

DOI:10.1016/j.repc.2020.10.006

Dados atualizados diariamente

Ano/Mês	Html	Pdf	Total

2024 Outubro	58	44	102
2024 Setembro	66	28	94
2024 Agosto	72	35	107
2024 Julho	42	35	77
2024 Junho	51	28	79
2024 Maio	70	19	89
2024 Abril	43	35	78
2024 Mar�o	49	21	70
2024 Fevereiro	39	32	71
2024 Janeiro	38	19	57
2023 Dezembro	48	17	65
2023 Novembro	63	55	118
2023 Outubro	38	15	53
2023 Setembro	43	21	64
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2023 Julho	26	17	43
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2023 Maio	39	35	74
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2023 Mar�o	26	22	48
2023 Fevereiro	26	26	52
2023 Janeiro	19	25	44
2022 Dezembro	37	36	73
2022 Novembro	42	42	84
2022 Outubro	51	33	84
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2022 Agosto	33	32	65
2022 Julho	38	42	80
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2022 Maio	34	37	71
2022 Abril	54	41	95
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2022 Janeiro	30	34	64
2021 Dezembro	35	31	66
2021 Novembro	44	47	91
2021 Outubro	34	54	88
2021 Setembro	24	26	50
2021 Agosto	36	40	76
2021 Julho	35	33	68
2021 Junho	81	62	143
2021 Maio	174	104	278
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2021 Mar�o	53	40	93
2021 Fevereiro	117	12	129
2021 Janeiro	10	11	21

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