Informação da revista
Vol. 37. Núm. 12.
Páginas 999-1000 (Dezembro 2018)
Vol. 37. Núm. 12.
Páginas 999-1000 (Dezembro 2018)
Comentário editorial
Open Access
Epidemiologia da doença valvular em Portugal: chegou o tempo da Valvular Heart Unit
Epidemiology of valvular heart disease in Portugal: The time has come for the heart valve unit
Visitas
3536
Cristina Gavina
Serviço de Cardiologia, Hospital Pedro Hispano- Unidade Local de Saúde de Matosinhos, Matosinhos, Portugal
Conteúdo relacionado
Ana Fátima Esteves, Dulce Brito, Joana Rigueira, Inês Ricardo, Raquel Pires, Mónica Mendes Pedro, Fátima Veiga, Fausto Pinto
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Texto Completo

A doença valvular significativa tem ganho progressiva relevância como problema de Saúde Pública, dado o aumento da esperança de vida e ausência de medidas preventivas eficazes para as etiologias degenerativas1. Nos últimos 15 anos as caraterísticas dos doentes com doença valvular grave mudaram de forma significativa, sendo estes mais velhos, com mais comorbilidades e maior frequência de doença multivalvular2,3. Esta rápida evolução implica um reajuste na capacidade de resposta dos serviços de Cardiologia face a um número crescente de doentes particularmente desafiantes.

Neste número da Revista Portuguesa de Cardiologia, Ana Fátima Esteves, et al.4 apresentam a «fotografia» dos doentes internados com o diagnóstico (principal ou secundário) de Doença Valvular no Serviço de Cardiologia do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte ao longo de um período de quase dois anos, de 2014 a 2015.

Nesta análise foram incluídos um total de 287 doentes com doença valvular considerada significativa ou intervenção valvular prévia, a maioria por doença valvular aórtica calcificante e/ou doença valvular mitral (67,9%) e em 66,9% dos casos por quadro agudo. De destacar que a etiologia era reumática em apenas 8% dos casos, um número bastante inferior aos 22% descritos no Euro Heart Survey on Valvular Heart Disease2. Cerca de 14% já haviam sido internados no último ano por causa da sua doença valvular.

Estes doentes tinham uma média de idades de cerca de 75 anos, sendo mais velhos do que a população descrita no Euro Heart Survey on Valvular Heart Disease realizado em 20012, mas com idade média sobreponível ao descrito no mais recente registo EURObservational Research Programme‐Valvular Heart Disease (EORP VHD) II de 20173. Existiam várias comorbilidades em 53% dos doentes, sendo as mais frequentes a doença coronária (28,2%), a doença renal crónica (20,9%) e anemia crónica (26,5%). Esta combinação de doentes mais velhos e o elevado número de comorbilidades aumentam de forma exponencial o risco das intervenções e levanta a questão de quais deveriam ser os objetivos do tratamento nestas situações5,6. Muitas vezes, as expetativas do doente e dos seus cuidadores não coincidem com as do médico, devendo ser ponderados riscos e potenciais benefícios, nomeadamente no que diz respeito ao grau de dependência, agravamento de défices cognitivos e alívio de sintomas7.

Há alguns pontos que merecem especial reflexão pelo impacto que podem ter na organização dos cuidados hospitalares.

O elevado número de internamentos para procedimentos valvulares eletivos (33,1%) agora descrito indica, por um lado, o aumento das intervenções percutâneas, mas por outro a crescente referenciação para intervenção, em linha com as recomendações internacionais8,9. Estas intervenções em doentes mais velhos, com mais comorbilidades e, muitas vezes, mais frágeis, implica a necessidade de cuidados de suporte diferenciados, com apoio da Unidade de Cuidados Intensivos e tempos de internamento prolongados, constituindo uma ameaça à gestão de camas cardiológicas, geralmente destinadas a doentes urgentes. Uma reorganização da estrutura de apoio a estas intervenções e uma redefinição dos resultados, usando os Patient‐Reported Outcome Measures (PROM)7, será urgente.

A elevada mortalidade intra‐hospitalar de qualquer causa (9,8%) e cardiovascular (8,7%) denota a grande complexidade do manejo da doença valvular nestes doentes e alerta para a necessidade de envolvimento de equipas multidisciplinares, incluindo não só o cardiologista clínico, o cardiologista de intervenção e o cirurgião torácico, mas também anestesistas, geriatras, fisiatras, nutricionistas, etc. O trabalho em Heart Team será crítico não só na seleção de doentes para intervenção, mas também no seu acompanhamento após o procedimento, garantindo os melhores resultados e a mais rápida recuperação funcional, de acordo com as expetativas do doente.

O «retrato» do doente valvular internado nos serviços de Cardiologia está a mudar rapidamente, mas as estruturas hospitalares não estão a acompanhar a mudança. De que estamos à espera?

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
J.L. D’Arcy, B.D. Prendergast, J.B. Chambers, et al.
Valvular heart disease: the next cardiac epidemic.
Heart, 97 (2011), pp. 91-93
[2]
B. Iung, G. Baron, E.G. Butchart, et al.
A prospective survey of patients with valvular heart disease in Europe: The Euro Heart Survey on Valvular Heart Disease.
Eur Heart J, 24 (2003), pp. 1231-1243
[3]
Valvular Heart Disease II (VHDII) Survey (European Society of Cardiology website). 2018. Available at: https://www.escardio.org/Research/Registries‐&‐surveys/Observational‐research‐programme/valvular‐heart‐disease‐ii‐vhdii‐registry. Acedido em 13.10.2018.
[4]
A.F. Esteves, D. Brito, J. Rigueira, et al.
Profiles of hospitalized patients with valvular heart disease: experience of a tertiary center.
Rev Port Cardiol, 37 (2018), pp. 991-998
[5]
R. Pretre, M. Turina.
Cardiac valve surgery in the octogenarian.
Heart, 83 (2000), pp. 116-121
[6]
Kodali SK1, Velagapudi P2, R.T. Hahn, et al.
Valvular Heart Disease in Patients≥ 80 Years of Age.
J Am Coll Cardiol., 71 (2018), pp. 2058-2207
[7]
Wagle N. Implementing Patient‐Reported Outcome Measures. Available at: https://catalyst.nejm.org/implementing‐proms‐patient‐reported‐outcome‐measures/
[8]
R.A. Nishimura, C.M. Otto, R.O. Bonow, et al.
2017 AHA/ACC focused update of the 2014 AHA/ACC guideline for the management of patients with valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines.
J Am Coll Cardiol., 70 (2017), pp. 252-289
[9]
A. Vahanian, O. Alfieri, F. Andreotti, et al.
Guidelines on the management of valvular heart disease (version 2012): the Joint Task Force on the Management of Valvular Heart Disease of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for Cardio‐Thoracic Surgery (EACTS).
Eur J Cardiothorac Surg., 42 (2012), pp. S1-S44

Artigo relacionado com: DOI https://doi.org/10.1016/j.repc.2018.02.012.

Copyright © 2018. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.